Hanseníase, malária, tuberculose: pandemia reduz combate a doenças que afetam os mais pobres:dono da pixbet
Mesmo antes da pandemia, elas já recebiam poucos investimentos da indústria farmacêutica porque, para muitos especialistas, tanto os remédios quanto os tratamentos renderiam pouco lucro a laboratórios.
Esta é a visãodono da pixbetJadel Kratz, um especialistadono da pixbetdoenças negligenciadas que chefia a áreadono da pixbetPesquisa e Desenvolvimento da DNDI (Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas), uma entidade sem fins lucrativos que defende o combate a essas enfermidades.
Enquanto o mundo concentra esforços no combate à covid-19, pesquisas e estudos clínicos sobre as doenças negligenciadas foram interrompidos. E faltam remédios para pacientes, afirma Kratzdono da pixbetentrevista à BBC News Brasil.
"Doenças que estavam muito próximasdono da pixbetserem controladas, ou erradicadas, oudono da pixbetatingirem os objetivosdono da pixbetcombate da OMS talvez tenham retrocessos", diz o pesquisador.
Ele alerta que iniciativas importantes para o diagnóstico destas doençasdono da pixbetdiversas universidades foram paralisadas com a pandemia. E aponta que elas são essenciais, já que muitas das pessoas afetadas não têm acesso ao sistemadono da pixbetsaúde e, no fim das contas, podem nem saber que estão doentes.
As consequências podem ser graves, incluindo o riscodono da pixbetgerarem comorbidades que tornem as infecções por covid-19 ainda mais graves, explica Kratz.
"São doenças que têm problemasdono da pixbetresistência a medicamentos. Então, se o paciente interromper o tratamento, aquele mesmo tratamento talvez já não seja eficaz lá na frente."
Para Kratz, este cenário torna ainda mais importante o controle da epidemiadono da pixbetcovid-19 o mais rápido possível.
Leia abaixo os principais trechos da entrevistadono da pixbetKratz à BBC News Brasil.
dono da pixbet BBC News Brasil - Por que pesquisasdono da pixbetuniversidades e instituições públicas são importantes para doenças negligenciadas?
dono da pixbet Jadel Kratz - A pesquisa acadêmica é importantedono da pixbettodas as áreas das ciências da vida. Muitas das inovações médicas e farmacêuticas começam com a ciência básica. Mas, mais ainda onde o modelo tradicional farmacêutico não está. Uma vez que a indústria tem pouco interesse nessa área, por uma sériedono da pixbetrazões, uma delas o lucro, as instituições públicas que têm essa missão assumem um papel ainda mais central.
É o caso da Fiocruz, que foi criada pensando nisso, edono da pixbetfato é um dos centrosdono da pixbetpesquisa mais relevantes para essas doenças no Brasil.
dono da pixbet BBC News Brasil - Como a pandemia afetou esse cenário no último ano?
dono da pixbet Kratz - A real magnitude do impacto disso ainda está sendo acessado. Historicamente, as doenças tropicais negligenciadas, por exemplo Chagas, leishmaniose, tuberculose, hanseníase, já vemdono da pixbetum históricodono da pixbetpouco investimento. O investimento é baixo, mas é relativamente estável. Sendo criativo, fazendo-se novos modelos, às vezes a gente consegue avançar.
Mas, quando surgiu uma emergência médica do nível da covid-19, boa parte dos investimentos foi sugada. Os investimentos já eram escassos e deixaramdono da pixbetestar disponíveis para essas doenças. A prioridade do financiamento para pesquisasdono da pixbetdoenças negligenciadas caiu, foi para outra área. E talvez os números geraisdono da pixbetinvestimentos sejam menores no final porque talvez o mundo entredono da pixbetcrise. O dinheiro vai diminuir, apesardono da pixbettodo mundo reconhecer agora que é importante fazer pesquisa biomédica.
Além da diminuição dos investimentos, as próprias condições para os estudos foram dificultadas. Os estudos clínicos normalmente são feitosdono da pixbetambiente hospitalar e muito descentralizados. Os estudos clínicos para outras enfermidades pararam. Ou porque o hospital está completamente lotado e precisa redirecionar todos os recursos para o atendimento emergencial ou porque ele foi fazer um estudo clínico para a covid-19. Tem levantamentos nos EUA que mostram que reduziu por voltadono da pixbet80% o númerodono da pixbetestudos clínicos rodando..
Foram todos substituídos por estudos para covid-19 — vários deles mal desenhados, feitos na correria.
Nossos laboratórios que desenvolvem novos medicamentos para Chagas e Leishmaniose tiveram que ficar por vários meses fechados na Unicamp. A gente tem projetos com parceiros na Unicamp, na USP, na UFRJ e muitos desses laboratórios tiveram que fechar. Desde o nível mais básico, para entender como aquele parasita afeta o corpo, até os estudos clínicos sendo feitos no ambiente hospitalar.
Vai atrasar ainda mais as pesquisas que já estão historicamente atrasadas.
dono da pixbet BBC News Brasil - E a produçãodono da pixbetremédios para essas doenças?
dono da pixbet Kratz - Um ponto importante é a interrupção das cadeias, tantodono da pixbetestudo quantodono da pixbetsuprimentos. Então, não só as pesquisas estão paradas, como faltam medicamentos.
Muitas das doenças tropicais não têm uma maquinaria bem azeitadadono da pixbetprodução. Um exemplo clássico é a hanseníase: as medicações são antigas, não são ideais, têm uma sériedono da pixbetefeitos colaterais negativos. Mas é importante que os pacientes tenham acesso a essas medicações, mesmo que elas sejam imperfeitas.
Elas normalmente são baratas, antigas, não têm um incentivodono da pixbetnegócio para a produção. Muitas vezes, as indústrias que ainda fazem a produção desses medicamentos doam ou vendem a preços super baratos para o sistemadono da pixbetsaúde. Muitas pararamdono da pixbetproduzir esses medicamentos porque foram produzir coisas mais urgentes. Então, as cadeias foram interrompidas e os pacientes ficaram sem (remédios), como no caso da hanseníase.
dono da pixbet BBC News Brasil - Quando as coisas voltarem ao normal, será possível recuperar esses projetosdono da pixbetonde pararam? Ou perde-se parte do que já tinha sido feito e é preciso começar tudodono da pixbetnovo?
dono da pixbet Kratz - A cadeia foi muito abalada e a gente não sabe quando isso vai retornar. Em estudos clínicosdono da pixbetcampo foram interrompidos, aquilo se perdeu. Além disso, há lacunas: a ciência é feita por pessoas e elas passam por uma formação para chegar lá. Com a pandemia, vai ter muita lacunadono da pixbetpessoal,dono da pixbetcientistas sendo formados. Gente que teve que postergar seu mestrado, suas pesquisas, sobretudo cientistasdono da pixbetiníciodono da pixbetcarreira.
As doenças tropicais negligenciadas têm um plano bastante estruturadodono da pixbetpesquisa, que é o roadmap (mapadono da pixbetprojetos futuros) da Organização Mundial da Saúdedono da pixbetcontrole e eliminaçãodono da pixbetdoenças.
Isso envolve múltiplas estratégias, muitas delasdono da pixbetcampo. Controledono da pixbetvetores, melhoradono da pixbetinfraestrutura, administraçãodono da pixbetmedicamentos, diagnóstico, monitoramentodono da pixbetpacientes. E muitas vezes, especialmente no caso das doenças negligenciadas, isso é feito na Unidade Básicadono da pixbetSaúde (UBS). Agora a UBS está maluca controlando covid-19, não consegue fazer mais nada. Doenças que estavam muito próximasdono da pixbetserem controladas, erradicadas, oudono da pixbetatingirem os objetivosdono da pixbetcombate da OMS, talvez tenham retrocessos. Doenças como tuberculose, malária, Chagas, leishmaniose que têm problemas sériosdono da pixbetsubnotificação e diagnósticos, pioraram ainda mais, não há dúvida. Doenças como tuberculose, que mata na escaladono da pixbetmilhãodono da pixbetpessoas por ano, foram largadas ao ostracismo pela urgência da pandemia.
dono da pixbet BBC News Brasil - Então o atendimento aos pacientes também foi afetado?
dono da pixbet Kratz - Além do impacto nas pesquisas você teve o impacto nas estratégias já implementadasdono da pixbetcombate e controle. Sobretudo essas iniciativas grandesdono da pixbetdiagnósticos, achar os pacientes e tratá-los. E são doenças que têm problemasdono da pixbetresistência à medicamentos. Se o paciente interrompe o tratamento no meio, aquele mesmo tratamento talvez já não seja eficaz lá na frente. O impacto é claro, só não está mensurado ainda.
A gente pode pegar o exemplo clássico da doença da Chagas, que é uma doença parasitária negligenciada que afeta principalmente regiões pobres e com pouca infraestrutura no mundo. Muitas das pessoas moramdono da pixbetáreas endêmicas, rurais, têm baixa escolaridade, problemas associados à pobreza, não têm acesso ao sistemadono da pixbetsaúde e acabam não diagnosticadas. O resultado disso é que o númerodono da pixbetpessoas que édono da pixbetfato diagnosticado é baixo, mas a gente estima que haja 6 milhõesdono da pixbetpessoas com a doença no mundo. Nas regiões endêmicas, há maisdono da pixbet70 milhõesdono da pixbetpessoasdono da pixbetrisco. E no fim, menosdono da pixbet1% das pessoas que têm Chagas acessam o tratamento. A lacuna do diagnóstico e tratamento é preenchida por grandes esforços: ter pessoas no campo, com kitsdono da pixbettestagem adaptados, baratos, e com tratamento seguro e barato. E a pandemia afetou isso, não só para Chagas, mas para outras doenças.
E essas pessoas que deixamdono da pixbetser diagnosticadas e tratadas continuam sendo reservatórios da doença, o que pode contribuir para que outras pessoas se infectem, através dos vetores (no casodono da pixbetChagas, o barbeiro). Não tratadas e não diagnosticadas, as pessoas podem desenvolver as formas mais graves e morrerem. E se infectadas por covid podem ter um agravamento do quadro por causadono da pixbetcomorbidades.
dono da pixbet BBC News Brasil - Falandodono da pixbetcomorbidade, como as pessoas com essas doenças são afetadas pela covid?
dono da pixbet Kratz - É difícil falardono da pixbetnúmeros, mas eu não tenho dúvidas que o que está sendo feito para analisar a questão da comorbidade é insuficiente justamente pela questãodono da pixbetque a gente mal está conseguindo controlar a pandemia. A doençadono da pixbetChagas, por exemplo, tem uma ligação super claradono da pixbetcomorbidade. Normalmente o paciente se infecta, tem um quadro agudo, com pouca mortalidade nesse estágio — muitos dos pacientes nem percebem que pegaram. E depois aquilo cronifica, reduz a carga parasitária e uma parte desses pacientes, cercadono da pixbet20%, 30% vão ter problemas cardíacos associados ao trypanosoma cruzi. E o paciente pode nem saber que tem comorbidade, e aí pega covid e acaba tendo um quadro mais grave.
A covid não enxerga classes, mas se a comunidade mais pobre tem mais Chagas, então ela está propensa a ter quadros mais vulneráveis e casos mais gravesdono da pixbetcovid associados à comorbidade.
A covid é uma doença infecciosa que tem um componente forte do sistema imunológico no agravamento dos casos. A gente sabe que muitos dos casos graves não é a doençadono da pixbetsi que agrava a situação da pessoa, mas a reação do sistema imunológico. Então a pessoa ter um sistema imunológico funcionando plenamente ajuda que a doença não se agrave. E muitas das doenças negligenciadas também afetam o sistema imune, como a leishmaniose.
dono da pixbet BBC News Brasil - Tem alguma lição que a pandemia pode trazer sobre a forma como fazemos ciência que pode ajudar no combate às doenças negligenciadas no futuro?
dono da pixbet Kratz - Essa pandemia mostrou o quanto é importante a pesquisa colaborativa, interdisciplinar e integrada. Ou seja, o quão importante é a colaboração, que se manifesta atravésdono da pixbetciência aberta, compartilhamentodono da pixbetdados, financiamentos coletivosdono da pixbetvez daquele modelo fechado, pensando só no lucro. A gente teve oportunidadedono da pixbetvalidar novas plataformas, como as vacinasdono da pixbetRNA. Se a gente pensar que o vírus foi sequenciadodono da pixbetjaneiro do ano passado e no final do ano a gente estava fazendo ensaio clínicodono da pixbetfase 3 (a fase mais avançada antes da liberação para o público), tudo issodono da pixbetum ano... Isso vem para dar uma chacoalhada: sim, é possível fazer mais rápido, com qualidade, quando tem prioridade, financiamento e colaboração.
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