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Como o trigo 'domesticou' a humanidade – e vice-versa:slots que pagam bem
O trigo domesticou a humanidadeslots que pagam bemtal forma que não é exagero dizer que ele acabou sendo o combustível - até mesmo literalmente,slots que pagam bemformaslots que pagam bemcalorias ingeridas - para que as civilizações fossem criadas.
Era só mato
Por voltaslots que pagam bem18 mil anos atrás, com o fim da última Era Glacial, o aquecimento global provocou um períodoslots que pagam bemfortes e intensas chuvas. Essa mudança climática favoreceu uma gramínea na região do Oriente Médio.
Era trigo, mas não como o conhecemos hoje. As sementinhas eram ralas e pequenas. O vento conseguia espalhá-las - e, assim, a planta se multiplicava. Os ancestrais humanos daquela época viviamslots que pagam bembandos nômades. Eram caçadores-coletores - alimentavam-se basicamenteslots que pagam bemcarne e frutas.
Em algum momento dessa história - ouslots que pagam bemvários momentos, já que uma descoberta assim não ocorreslots que pagam bemforma tão linear -, os Homo sapiens perceberam que havia animais que se alimentavamslots que pagam bemgramíneas. E decidiram experimentar.
Conforme relata o historiador Heinrich Eduard Jacob (1889-1967)slots que pagam bemseu livro Seis Mil Anosslots que pagam bemPão - A Civilização Humana Atravésslots que pagam bemSeu Principal Alimento, começaram colocando sementes na carne. E viram que suavizava o sabor. Caía bem.
"As pessoas começaram a comer mais trigo e, sem querer, favoreceram seu crescimento e difusão", afirma o historiador Yuval Noah Harari, no best-seller Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. "Como era impossível comer grãos silvestres sem antes escolhê-los, moê-los e cozinhá-los, as pessoas que coletavam esses grãos os carregavam a seus acampamentos temporários para processá-los."
Mas os grãosslots que pagam bemtrigo eram pequenos e numerosos. "Alguns deles inevitavelmente caíam a caminho do acampamento e se perdiam", pontua Harari. "Com o tempo, cada vez mais trigo cresceu perto dos acampamentos e dos caminhos preferidos pelos humanos."
Jacob frisa que, naquele tempo, trigo era só mato. Ou gramíneas. "Todos os cereais eram primitivamente plantas herbáceas selvagens", escreve. "Todos os cereais foram originariamente herbáceas cujas sementes tinham um saborslots que pagam bemque o homem primitivo gostava. Mas o homem tinha, para além dos insetos, um rival bem mais temível que lhe estragava a colheita dessas plantas. Era o grande criador do tapete verdeslots que pagam bemervas. O vento."
Se o vento espalhava as sementes - e isto garantia a perpetuação do trigo -, ele atrapalhava o homem: afinal, não era possível colher o cereal maduro, este "voava" embora antes.
Seleção artificial: a domesticação do trigo
Sem entender nadaslots que pagam bemgenética, nossos ancestrais acabaram interferindo na evolução do trigo. "O primeiro objetivo do homem teveslots que pagam bemser portanto oslots que pagam bemconseguir fazer com que as espécies que eram mais do seu agrado não perdessem os grãos com tanta facilidade. E foi o que efetivamente sucedeu, já que o homem ao longoslots que pagam bemmilharesslots que pagam bemanos foi cultivando apenas aqueles exemplares que guardavam os grãos durante mais tempo na espiga", diz Jacob.
"Nasceram assim, a partir das herbáceas selvagens, devidamente protegidos pelos seus elmos, os heróis da nossa epopeia da alimentação", completa o historiador, referindo-se às versões do cereal que, evoluídas, "têm frutos que se fixam tão bem ao eixo da espiga que só se desprendem com golpes ou sob pressão, ou seja, por intermédioslots que pagam bemuma ação voluntária, aquilo a que chamamos a debulha."
Como efeito disso, o trigo contemporâneo não sobrevive sem a mão humana. "A questão é precisamente o camposlots que pagam bembatalha entre a robustez da espiga e o desejo que o homem temslots que pagam bemobter a farinha", sintetiza Jacob. "Os 'cereais domésticos' morreriam amanhã se o homem desaparecesse."
Harari conta que os acampamentos daqueles nômades começaram a se fixar ao redorslots que pagam bemlocais onde havia mais trigo. Para facilitar, eles "limpavam" o entorno, derrubando árvores e promovendo queimadas. Sem conhecer nem os rudimentos da agricultura, acabavam favorecendo justamente as gramíneas: que podiam crescer sem concorrência, livres das sombras das grandes árvores.
Foi o início do sedentarismo. O princípio da chamada Revolução Agrícola. "No começo, talvez eles acampassem por quatro semanas durante a colheita. Na geração seguinte, com a multiplicação e o alastramento do trigo, o acampamento da colheita talvez durasse cinco semanas, depois seis, até que se tornou um assentamento permanente", conta Harari. "Evidênciasslots que pagam bemtais acampamentos foram encontradasslots que pagam bemtodo o Oriente Médio, sobretudo no Levante, onde a cultura natufiana floresceuslots que pagam bem12,5 mil a.C. a 9,5 mil a.C."
Os natufianos ainda eram caçadores-coletores, mas viviamslots que pagam bemassentamentos permanentes. Inventaram ferramentas - como pilõesslots que pagam bempedra para moer trigo -e armazenavam os cereais para épocasslots que pagam bemnecessidade.
Seus descendentes descobriram que podiam semear. Além disso, se enterrassem os grãos sob o solo, tinham resultados mais interessantes do que se simplesmente os espalhassem pela superfície.
Descobertas recentes apontam para a provável localização geográficaslots que pagam bemque primeiro aconteceu esse fenômeno. Por meioslots que pagam bemanálises genéticas, cientistas descobriram que pelo menos a variedade Triticum monococcum começou a ser domesticada na regiãoslots que pagam bemKaraca Dag, no leste da atual Turquia, há cercaslots que pagam bem9 mil anos.
"À medida que dedicavam mais esforços ao cultivoslots que pagam bemcereais, havia menos tempo para coletar e caçar espécies silvestres", relata Harari. "Os caçadores-coletores se tornavam agricultores."
No anoslots que pagam bem8,5 mil a.C., o Oriente Médio estava cheioslots que pagam bempovoados fixos. O excedenteslots que pagam bemalimentos fez com que a população crescesse.
E o homem também acabou domesticado
No livro Sapiens, Harari apresenta uma visão interessante sobre essa evolução concomitante homem-trigo. Para ele, se a Revolução Agrícola aumentou o totalslots que pagam bemalimentos à disposição da humanidade, isso não se refletiuslots que pagam bemuma dieta melhor - tampoucoslots que pagam bemuma vida melhor. "Em média, um agricultor trabalhava mais que um caçador-coletor e obtinhaslots que pagam bemtroca uma dieta pior. A Revolução Agrícola foi a maior fraude da história", diz ele.
"Quem foi o responsável? Nem reis, nem padres, nem mercadores", completa. "Os culpados foram um punhadoslots que pagam bemespécies vegetais, entre as quais o trigo, o arroz e a batata. As plantas domesticaram o Homo sapiens, e não o contrário."
O historiador afirma que, para passarslots que pagam bemgramíneas insignificantes a cereais onipresentes, o trigo "manipulou" o ser humano "a seu bel-prazer". "Esse primata vivia uma vida confortável como caçador-coletor até por voltaslots que pagam bem10 mil anos atrás, quando começou a dedicar cada vez mais esforços ao cultivo do trigo. Em poucos milênios", ressalta, "os humanosslots que pagam bemmuitas partes do mundo estavam fazendo não muito mais do que cuidarslots que pagam bemplantasslots que pagam bemtrigo do amanhecer ao entardecer."
"Nós não domesticamos o trigo; o trigo nos domesticou", enfatiza. "A palavra domesticar vem do latim 'domus', que significa casa. Quem é que estava vivendoslots que pagam bemuma casa? Não o trigo. Os sapiens."
Pesquisador do Departamentoslots que pagam bemCiência e Tecnologiaslots que pagam bemAlimentos da Universidade Federalslots que pagam bemSanta Catarina (UFSC), o bioquímico Juliano Lindner corrobora a tese: para ele o trigo foi o principal motivo que levou a humanidade a se tornar sedentária.
"Quando o Homo sapiens deixouslots que pagam bemser coletor e passou a domesticar plantas e animais, o trigo foi um dos primeiros cultivos a serem controlados e se tornou uma das plantas mais prósperas na história do planeta", diz ele,slots que pagam bementrevista à BBC News Brasil. "Esse momento da evolução, pelo simples efeito que a domesticaçãoslots que pagam bemanimais e plantas gerou na possibilidade da sociedade se organizar sem a necessidade vital do nomadismo, ocasionou o grande salto da civilização humana."
Tal tiposlots que pagam bemrelação entre homem e trigo,slots que pagam bemque ambas as espécies sofrem um processoslots que pagam bemtransformação resultante da relação entre elas, é abordado pela médica e escritora Alice Roberts no livro Tamed - Ten Species That Changed Our World (Domesticadas - Dez Espécies que Mudaram O Nosso Mundo,slots que pagam bemtradução livre). Além do trigo, a pesquisadora aponta que fenômenos semelhantes ocorreram com a vaca, o cachorro, o milho e a maçã, entre outras espécies.
Onipresença x pouca variedade
Saltemos para o século 20. A civilização humana, alimentada com derivadosslots que pagam bemtrigo, chegou a um estágioslots que pagam bemdesenvolvimento industrial e científico intenso. O cultivo do estimado cereal, aliás, desde então cobre 2,25 milhõesslots que pagam bemquilômetros quadrados do globo - nove vezes o tamanho do Estadoslots que pagam bemSão Paulo.
Harari conclui que o trigo "não ofereceu nada para as pessoas enquanto indivíduos, mas concedeu algo ao Homo sapiens enquanto espécie". "O cultivoslots que pagam bemtrigo proporcionou muito mais alimento por unidadeslots que pagam bemterritório e, com isso, permitiu que o Homo sapiens se multiplicasse exponencialmente", afirma o historiador.
A população da humanidade, atualmente na casa dos 7,7 bilhõesslots que pagam bemhabitantes, confirma isso. E, sozinho, o trigo fornece 15% do consumo calórico global. De acordo com informações relatadas pelo pesquisador Juliano Lindner, da UFSC, maisslots que pagam bem75% das calorias ingeridas pela humanidade hoje são resultantesslots que pagam bemplantas domesticadas milharesslots que pagam bemanos atrás - além do trigo, o milho, o arroz, a batata, entre outros.
Mas ao mesmo temposlots que pagam bemque é onipresente, o trigo representa pouca variedade. Estudo publicado na quarta-feira (29) pelo periódico Science Advances analisou geneticamente 4506 amostrasslots que pagam bemtrigoslots que pagam bemtodo o mundo - incluindo cepas regionais -, recolhidasslots que pagam bem105 países diferentes.
Os cientistas constataram que, se por um lado o trigo ajuda a traçar os antigos caminhos migratórios humanos, da Ásia para a Europa e, mais tarde, para a América, por outro lado a transformação do cerealslots que pagam bemcommodity dizimouslots que pagam bemvariedade.
Sobretudo no período seguinte à Segunda Guerra Mundial, quando a chamada Revolução Verde passou a empregar tecnologia para incrementar a produção agrícola mundial, o chamado pool genético do trigo acabou modificado: atualmente, praticamente toda a produçãoslots que pagam bemescalaslots que pagam bemtrigo remonta a variedades que se desenvolveram na Europa - nas regiões sudeste, mediterrânea e ibérica.
"Nossa pesquisa traz novos olhares sobre a difusão e a diversidade genética mundial do trigo", afirma à BBC News Brasil um dos autores do estudo, o geneticista François Balfourier, cientista do Instituto Nacionalslots que pagam bemPesquisas Agronômicas da França. "Recentes seleções e disseminações levaram a um germoplasma moderno que é altamente desequilibradoslots que pagam bemcomparação com os ancestrais."
Do pontoslots que pagam bemvista da produçãoslots que pagam bemtrigo, seria estratégico entender e caracterizar as pouco exploradas comercialmente versões asiáticas do trigo, afirma o cientista. "Caracterizar melhor esses recursos genéticos podem resultarslots que pagam bemexploração eficiente dos mesmosslots que pagam bemprogramasslots que pagam bemmelhoramento, obtendo benefíciosslots que pagam bemsua resistência natural a estresses bióticos e abióticos", comenta Balfourier.
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