O estigma enfrentado nas periferias pelas pessoas com depressão: 'Pobre não pode se dar ao luxoonabet lotion usesnão sair da cama':onabet lotion uses
Para Teng, dados mais recentes a respeito seriam "importantíssimos para buscar políticas públicas mais efetivas (no combate à depressão)".
'Você está aplaudindo, eu estou me matando'
Em 2017, o rapper baiano Diogo Moncorvo, o Baco Exu do Blues, tinha tudo para estar vivendo o melhor momentoonabet lotion usessua vida. O músico acumulava milhõesonabet lotion usesvisualizaçõesonabet lotion usesseus clipes no YouTube. Seu álbum, Esú, foi elogiado pela crítica e lançou os holofotes para o rap criado fora do eixo Rio-São Paulo.
Mas uma das faixas do álbum já mostrava que Baco estava sofrendo. "O álcool está me matando/Minha raiva está me matando/Sua expectativaonabet lotion usesmim está me matando/Homem não chora/Foda-se, eu tô chorando!/ (...) /Isso é um pedidoonabet lotion usessocorro/Você está aplaudindo/Eu tô me matando".
Baco estava com depressão.
"Eu acho que o negro, rico ou periférico, é condicionado à depressão devido à históriaonabet lotion usesvida dele sabe? Porque ele sempre é deixadoonabet lotion useslado, sofre preconceito. Isso tudo abala o seu bem-estar,onabet lotion usesautoconfiança, suas vontades. Se você deixar isso te afetar, você entra numa psicose maluca e não consegue sair dela", afirma o rapper Baco, que moraonabet lotion usesSalvador e cujo público, na Bahia, é composto principalmente por jovensonabet lotion usesperiferia.
Emonabet lotion usesteseonabet lotion usesmestrado, defendida na Universidade Estadualonabet lotion usesFeiraonabet lotion usesSantana (BA), a pesquisadora americana Jenny Rose Smolen propõe uma revisão na relação entre raça e transtornos mentais no Brasil.
Analisando 14 pesquisas sobre transtornos mentais, ela chegou à conclusãoonabet lotion usesque não brancos têm mais tendência a sofrer com doenças como depressão. Segundo Smolen, esse problema não está ligado a fatores genéticos.
Uma pista para explicar a questão pode ser encontradaonabet lotion usesoutro estudo, da Universidade do Texas, que, analisando pessoas negras dos EUA, concluiu que sofrer discriminação diária impacta na saúde mental das pessoas.
Existe também o impacto bioquímico, diz a especialistaonabet lotion usespsicologia social e escritora Gabriela Moura.
"Quando você se vê dianteonabet lotion usesum perigo, o seu nívelonabet lotion usescortisol aumenta. Só que o nosso corpo foi feito para que isso aconteça num períodoonabet lotion usescinco, dez minutos, que é o tempoonabet lotion usesvocê entraronabet lotion usesestadoonabet lotion usesalerta e fugir do perigo. Em uma situaçãoonabet lotion usespreconceito,onabet lotion usesviolência social, a gente se vê nessa situação o tempo todo, então, o indivíduo passa 24 horasonabet lotion usesestadoonabet lotion usesalerta, não sabendo se ele vai ser bem recebido, não sabendo se ele vai sofrer violência policial, violência urbana, e isso a médio ou longo prazo causa uma extrema fadiga no corpo e na mente."
Para completar, há indicativosonabet lotion usesque negros tenham acesso mais restrito a tratamentos médicos e a planosonabet lotion usessaúde privados, o que força a maioria a recorrer ao sistema público.
Segundo a Pesquisa Nacionalonabet lotion usesSaúde (PNS), divulgadaonabet lotion uses2015 e abrangendo os setores público e privado, 74,8% dos brancos tinham consultado um médico nos últimos 12 meses, contra 69,5% dos pretos e 67,8% dos pardos. Só 21,6% dos pretos e 18,7% dos pardos tinham planoonabet lotion usessaúde, contra 37,9% dos brancos.
Resta à imensa maioria o atendimento gratuito do SUS.
"A periferia está exposta a uma vulnerabilidade social, né? Devido a todo um históricoonabet lotion usesescravidão,onabet lotion usesuma dificuldade maior (em relação) às possibilidadesonabet lotion usesestudo,onabet lotion usestrabalho formal,onabet lotion usesviolência policial, isso está presente", diz à reportagem um psicólogoonabet lotion usesuma Unidade Básicaonabet lotion usesSaúde (UBS), localizada na periferiaonabet lotion usesSão Paulo, que pediu anonimato. "Até nos equipamentosonabet lotion usessaúde, às vezes, existe uma dificuldadeonabet lotion usesencontrar um acolhimento, um reconhecimento na questão do racismo."
Gabriela Moura conclui: "Para a gente conseguir alcançar essas camadas a gente tem que repensar como esse atendimento está sendo feito, a pontoonabet lotion usesessas pessoas não evitarem e não negligenciarem aonabet lotion usesprópria saúde."
Limitações no atendimento
A psiquiatra Laura Helena Andrade, coordenadora do Núcleoonabet lotion usesEpidemiologia Psiquiátrica, do Hospital das Clínicas da Faculdadeonabet lotion usesMedicina da USP, foi uma das responsáveis pela São Paulo Megacity Mental Health Survey, uma ampla pesquisa sobre saúde mental realizada na Grande São Paulo e divulgadaonabet lotion uses2012.
Andrade explica que uma pesquisa dessas (realizada entre 2005 e 2007), com maisonabet lotion uses5 mil entrevistadosonabet lotion usessessões ao vivo, com até quatro horasonabet lotion usesentrevista, é complexa e leva muito tempo para ser realizada, tabulada e ter seus resultados divulgados. Esse seria um dos motivos da faltaonabet lotion usesdados mais recentes sobre o tema.
Andrade vê com ressalvas as conclusões da pesquisa do Ibopeonabet lotion usesque a pobreza seria determinante para uma maior tendência à depressão e aponta que casosonabet lotion usestranstornos mentais são encontradosonabet lotion usestodas as classes sociais.
Mesmo assim, dados levantados pela São Paulo Megacity apontaram alguns efeitos da pobreza na saúde mental do paulistano, como uma maior incidênciaonabet lotion usestranstornosonabet lotion usesansiedadeonabet lotion usespessoas com baixa escolaridade eonabet lotion usestranstornos psiquiátricos relacionados ao abusoonabet lotion usesdrogas (incluindo álcool)onabet lotion usespessoas que moramonabet lotion usesvizinhanças com maior nívelonabet lotion usesprivação social.
A exposição a situaçõesonabet lotion usesviolência também aparece como um gatilho para transtornos mentais nos dados da pesquisa.
De acordo com a OMS, entre 2005 e 2015, o númeroonabet lotion usespacientes com depressão aumentou 18,4%.
Apesar da existênciaonabet lotion usestratamentos, poucas pessoas – menosonabet lotion uses10% dos casos – recebem ajuda médica.
Demora para ser atendido pelo SUS
Lucia Figueiredo tem 59 anos e é moradora do Jardim Brasil, zona norteonabet lotion usesSão Paulo. Ela diz queonabet lotion usesprimeira experiência com a depressão foi há 26 anos, quando sofreu um aborto espontâneo, mas o problema acabou se intensificando quando teve hipotireoidismo e uma sérieonabet lotion usesmortes ocorreram emonabet lotion usesfamília.
"Não tocava mais piano, não participava mais das coisas que sempre me faziam bem. E três meses depois que perdi meu irmão e cunhado, perdi minha mãe. (Aí se) intensificaram os sintomas. Então, tive que buscar ajuda médica", conta. No entanto, levou nove meses para conseguir tratamento na rede públicaonabet lotion usesSão Paulo.
"O problema do SUS é (que) a partir do momento que a pessoa entra no sistema para uma consulta, até conseguir chegar a um psiquiatra, demora bastante", diz Lucia. "O problema não é o profissional, nem o atendimento psicológico, mas a distânciaonabet lotion usesquando se detecta o problema até chegar na possibilidadeonabet lotion usesser atendido."
Kelly Pereira,onabet lotion uses22 anos, sofreonabet lotion usesdepressão desde a adolescência, eonabet lotion usesexperiência com o SUS não foi positiva. Além da dificuldadeonabet lotion usesdiagnóstico, ela penou com a distribuição irregularonabet lotion usesantidepressivos.
"Se não houver uma boa adaptação com o remédio, não tem o que fazer, geralmente só tem uma única opção", diz a moradora da periferiaonabet lotion usesSanto André, Grande São Paulo.
Em nota, a Prefeituraonabet lotion usesSanto André declarou que a "Relação Municipalonabet lotion usesMedicamentos (REMUME) não dispõeonabet lotion usesapenas uma opção para tratamento - na verdade estão listadas 6 opções (Sertralina 50 mg, Fluoxetina 20 mg, Amitriptilina 25 mg, Imipramina 25 mg, Clomipramina 25 mg e Nortriptilina 25 MG), sempre pensandoonabet lotion usesalternativas que atendam as prescrições pelo princípio ativo do medicamento".
A REMUME segue a lista da Relação Nacionalonabet lotion usesMedicamentos Essenciais (RENAME), que define os medicamentos disponíveis no Sistema Únicoonabet lotion usesSaúde e é elaborada pelo Ministério da Saúde.
Mas essas opções são suficientes? Para o psiquiatra Alexandre Valverde, pós-graduado pela Universidadeonabet lotion usesParis-1 Panthéon-Sorbonne, que trabalhou por anos no CAPS Itapeva,onabet lotion usesSão Paulo, e também com criançasonabet lotion usessituaçãoonabet lotion usesvulnerabilidade no Projeto Quixote, a resposta é "não".
"Infelizmente (no SUS) não dispomosonabet lotion usestoda a gamaonabet lotion usesmedicações do mercado. Pode-se fazer muita coisa já com essas (seis) opçõesonabet lotion usesantidepressivos, mas muitas vezes ao custoonabet lotion usesefeitos colaterais e uma resposta insuficiente. A questão é queonabet lotion usesbairros periféricos, faltam até esses medicamentos da listagem do SUS."
O psicólogo da UBS consultado pela reportagem concorda com Valverde e lembra que já viu faltaremonabet lotion usesunidades do CAPS, na cidadeonabet lotion usesSão Paulo, antipsicóticos, que são medicamentos usadosonabet lotion usescasosonabet lotion usesesquizofrenia, e sem os quais o paciente pode ter surtosonabet lotion usesalucinações.
Segundo a Prefeituraonabet lotion usesSanto André, os seis tiposonabet lotion usesantidepressivos listados acima não estãoonabet lotion usesfalta nos CAPS e nos Centrosonabet lotion usesEspecialidades da cidade.
Alexandre Valverde levanta, ainda, a questão da eficácia dos genéricos que são disponibilizados no SUS. "Alguns deles têm um efeito muito abaixo do esperadoonabet lotion usesrelação à medicaçãoonabet lotion usesreferência. Tínhamosonabet lotion usesprescrever, por vezes, doses três a quatro vezes maiores que as habituais para conseguirmos a resposta terapêutica."
'Frescura'
O tabuonabet lotion usescima das doenças psicológicas aconteceonabet lotion usestodas as classes sociais, mas na periferia percebe-se uma faltaonabet lotion usesconhecimento do assunto.
"Existe um clichê na mente das pessoas que quem tem doença psicológica não é são, não tem equilíbrio. Por isso demorei tanto para assumir que estava doente" diz o rapper baiano Baco.
"Isso é um sofrimento muito individualizado e muitas vezes estigmatizado pela faltaonabet lotion usesinformação eonabet lotion usescirculação sobre aquilo", agrega o psicólogo da UBS.
A visão da depressão como "frescura", como algo ao qual o pobre não tem direito, foi muito citada pelos entrevistados ouvidos pela reportagem.
"Na periferia, as pessoas estão na correria o tempo todo, buscando sobreviver, tendo que trabalhar muitas horas por dia, passar muitas horas no transporte público. Acaba que, às vezes, ela precisa escolher onde ela vai depositar a energia e o tempo dela, se é buscando tratamento para uma doença que é pouco falada, pouco explorada ou se é buscando uma sobrevivência ganhando um salário irrisório, mas que pelo menos garanta uma subsistência", diz Gabriela Moura.
Para Kelly, cujo pai também sofreuonabet lotion usesdepressão, uma pessoa pobre não poderia se dar ao luxo da doença.
"Vi meu pai se matar todos os dias para sustentar nossa família,onabet lotion usessegunda a segunda, saindo às quatro da manhã e chegando à noite. Sem folga, sem férias, sem nada. Meus vizinhos passando fome, muitos com vários filhos sem ter condiçõesonabet lotion usescriar, morandoonabet lotion usesbarracosonabet lotion usesmadeira praticamente dentro do córrego, eu olhava pra eles e pensava: eles não têm depressão, eles não podem ficar doentes, senão morremonabet lotion usesfome. Não podem se dar ao luxoonabet lotion usesnão levantar da cama."
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