GraphoGame: por que app citado por Bolsonaro não alfabetiza alunos 'em 6 meses':

Menino usando tablet

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O jogo começa com exercícios que trabalham a associação entre letras e sons da linguagem. Passandonível, os exercícios ficam mais difíceis, trabalhando sonssílabas epalavras inteiras.

O Ministério da Educação (MEC) recomenda o GraphoGame Brasil para todos os estudantes do 1º e do 2º ano do ensino fundamental e para aqueles com defasagens no aprendizado da leitura.

Masnota à BBC News Brasil, a PUCRS disse que o GraphoGame não é um appalfabetização — como sugeriu Bolsonaro — e sim apenas uma ferramentaapoio ao ensino.

"A universidade explica que o aplicativo pode ser uma ferramentaapoio, mas que sozinho não é capazalfabetizar. Este não foi e não é o objetivo da iniciativa e dos pesquisadoresnenhum momento. Para uma criança ser alfabetizada ela precisainstrução sistemática e consistente, precisavivências e sem dúvida alguma do apoio da Escola e especialmenteeducadores", afirma a nota da PUCRS.

De acordo com a universidade, foram investidos R$ 100,5 mil pelo MEC para a adaptação do jogo feita pelo InsCer.

A BBC News Brasil tentou contato com Augusto Buchweitz, o principal pesquisador responsável pela adaptação do aplicativo para o Brasil, que não tem mais vínculo com a PUCRS. Ele disse preferir não se manifestar.

interface do aplicativo

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Legenda da foto, Interface do GraphoGame

Alfabetizaçãoseis meses?

Dados do ÍndiceDesenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostram que, entre 2019 e 2021, o percentualcrianças do 2º ano que não sabem ler e escrever mais que dobrou: passou15% para 34%,acordo com os dados do Saeb SistemaAvaliação da Educação Básica (Saeb).

"É importante contextualizar o GraphoGame nesse cenário", diz Maria Alice Junqueira, coordenadoraprojetos da ONG Cenpec, que trabalha com educação pública no país.

Junqueira rechaça a ideiaque o app seja efetivo para alfabetizar criançasseis meses. "Se o aplicativo, que começou a rodar 2020, tivesse esse poder, os índices estariam melhores, e não piores", diz Junqueira.

Outro ponto levantado pela especialista é que o aplicativo precisainternet para ser baixado — e depois pode ser usado offline. Mas muitas criançasfamílias mais pobres sequer possuem celular ou computador.

Menino usando tablet

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"É um problema pensarmos que a solução é uma única ferramenta, como o GraphoGame."

Para a especialista do Cenpec, as escolas precisam avaliar quem são os alunos com dificuldade na alfabetização e oferecer reforços com materiais que já existem nas escolas.

Falsa modernização

Para a professora da EscolaEducação da UniversidadeSão Paulo (USP) e especialistaalfabetização Silvia Gasparian Colello, o jogo é uma "prova do quanto o Bolsonaro está mal assessorado na Educação".

Segundo ela, por associar a alfabetização a um game, o grande público tem a falsa impressãomodernização do ensino, quando na verdade o governo estaria reproduzindo práticasensino já superadas.

"O jogo talvez fosse eficiente para alfabetizar papagaios, mas certamente não para ensinar sujeitos pensantes", diz a professora.

"É chocante constatar quepleno século 20 a alfabetização seja vista apenas como correspondência mecânica entre fonemas e grafemas. É um pressuposto que aniquila o que a língua temmais precioso — que é a possibilidadecomunicação. Dessa forma, ensinar a língua escrita vem na contramão do direito das crianças se expressarem e interagirem com a sociedade."

No jogoassociação mnemônica, emanálise, o usuário não tem oportunidadese encantar com a língua ouformar o hábito da leitura. Isso só acontece se a alfabetização acontece a partir da literatura e do aprendizado com contexto.

"Tira a oportunidade, por exemplo,fazer a criança escrever uma cartinha pro coelho da Páscoa e contar aprópria história."

Colello avalia que as recompensas do jogo, como o ganhoestrelas, pouco servem para a aprendizagem, e considera que o cenário do aplicativo, marcado por montanhas e tiroscanhão nas letras, ficam distantes do dia a dia dos estudantes.

O que dizem os estudos

Estudos internacionais, como um feito com estudantes ingleses, mostram benefícios no aprendizadoreconhecimentofonemas e habilidadesortografia com o uso do aplicativo.

No entanto, os autores apontam que "a alfabetização é um empreendimento social e, portanto, o aplicativo idealmente precisa ser usadoconjunto com atividadesleitura ou nos lares para que todo o seu potencial seja realizado".

A maioria das evidências coletadas foialunos com dificuldadeaprendizagem, como aqueles que têm dislexia.

Outra pesquisa, focada no aprendizadolíngua portuguesa, mostra que alunos pobres obtiveram resultados inferiores aos alunos ricos — reforçando que atividades complementares, como treinamento feito pela famíliacasa são essenciais para bons resultados.

É também o que recomenda o MEC no manualuso: "Lembrem-se, o GraphoGame funciona melhor quando um adulto interage com a criança, ou quando integrado a atividadesliteracia".

Em outra parte do documento, o MEC acrescenta: "Estudos mais recentes mostram que o GraphoGame é ainda mais eficaz quando utilizadoconjunto com atividadessalaaula, com um programaalfabetização e com um currículo ricolinguagem oral".

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