Como bolsonarismo 'encolheu' bancada evangélica na Câmara:
Apesar disso, os especialistas afirmam que a redução da bancada evangélica não deverá significar uma diminuição da influência da pauta religiosa conservadora no Parlamento.
Segundo eles, isso deverá acontecer porque, a maior parte das pautas defendidas pelos candidatos evangélicos foi incorporada pelo bolsonarismo.
Assim, ainda que o númerocandidatos ligados ao eleitorado tenha caído, a pauta continuaria influente porque será defendida por candidatos bolsonaristas.
"O bolsonarismo assimilou a pauta conservadora e fez com que candidatosfora do universo evangélico, mas que defendem essas pautas, ganhassem destaque nas eleições", resume Galvão.
Do candidato pastor ao candidato bolsonarista
A atenção ao eleitorado evangélico ganhou novos contornos nos últimos anos. Dados2020 do Datafolha mostram que evangélicos (em suas diversas denominações) somariam 31% da população brasileira.
São o segundo grupo religioso mais numeroso do país, atrás apenas dos católicos, que representariam 50% da população.
Há algumas décadas, esse volumeeleitores passou a se materializaruma bancada influente no Congresso Nacional. O grupo já deu suporte aos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), mas a partir2014, passou a se posicionarforma crítica ao PT.
Em 2018, lideranças influentes no universo evangélico como o pastor Silas Malafaia, da Igreja AssembleiaDeus, e Edir Macedo, da Igreja Universal do ReinoDeus, declararam apoio à candidaturaJair Bolsonaro.
Neste ano, o apoioMalafaia, por exemplo, foi redobrado. Recentemente, o pastor acompanhou Bolsonaroviagens internacionais ao Reino Unido e aos Estados Unidos.
Ao longosua campanha2018 e durante o seu governo, Bolsonaro se colocou como aliado do eleitor evangélico e defensorpautas importantes para parte desse eleitorado como a não-descriminalização das drogas e do aborto.
Lula, que disputa o segundo turno das eleições presidenciais com Bolsonaro, vem tentando conquistar o apoio dessa faixa do eleitorado. As pesquisasintençãovoto mais recentes como a do Ipec, no entanto, continuam apontando que o eleitor evangélico continua preferindo Bolsonaro ao petista.
Levantamento divulgado na quinta-feira (7/10) mostra que 61% dos eleitores evangélicos afirmam votarBolsonaro contra 31% que dizem votarLula.
Galvão explica que esse deslocamento do voto evangélico para candidatos bolsonaristas se deu,grande parte, pelo fatoo bolsonarismo não representar apenas as bandeiras tradicionalmente evangélicas. Segundo ele, o movimento liderado por Bolsonaro oferece isso e outras pautas.
"Anteriormente, tínhamos parlamentaresdiferentes denominações exercendo liderança sobre esse eleitorado. Hoje, elas veem Bolsonaro e o bolsonarismo com essa liderança.
Antes, os candidatos pastores militavampautas mais específicas do eleitorado evangélico. Agora, candidatos bolsonaristas oferecem essas mesmas pautas e outras como a da segurança pública", disse o professor.
"Quem ficou apenas no discurso evangélico e não se engajou com o bolsonarismo perdeu voto. Se a gente for olhar friamente, os candidatos evangélicos mais identificados que foram pro PL e que estiveram mais engajados com o bolsonarismo tiveram o melhor desempenho eleitoral", diz o pesquisador.
Irmão (nem sempre) votairmão
A professoraSociologia da UniversidadeBrasília (UnB) e pesquisadora do InstitutoEstudos da Religião (ISER), Jacqueline Moraes Teixeira, aponta uma outra possível causa para a diminuição da bancada evangélicadetrimento do aumento da bancada bolsonarista.
Segundo ela, pesquisas recentes mostram que, para o eleitor evangélico, mais importante do que o candidato ser evangélico é que ele seja identificado como cristão. Isso contrapõe um ditado que circulou durante anos dentro do universo religioso sobre o assunto: "Irmão votairmão".
"Candidatos que constroemimagem dentrouma identidade cristã recebem o voto do evangélico independentementesuas filiações religiosas. Já vimos,2020, por exemplo, candidatos católicos terem melhor desempenho nesse segmento dos candidatos evangélicos", explicou a professora.
O pastor, sociólogo e pesquisador do ISER, Clemir Fernandes, aponta um outro motivo que ajudaria a explicar a redução no númeroevangélicos eleitos2022.
"Uma hipótese pertinente é que há certa exaustãose falarpolítica nos espaçoscultos das igrejas. Os evangélicos são cidadãos e têm participado cada vez mais da política institucional, mas parece haver um crescente mal-estarfalarpolítica nos cultos e púlpitos das igrejas", disse o pesquisador.
"É como se pastores e líderes estivessem misturando demais 'sagrado' e 'profano', ou fé com política num nível tido como razoavelmente inaceitável. Política os crentes têm na rede social, no WhatsApp, na TV, no trabalho. Na igreja, ele quer uma mensagemespiritualidade epaz, nãotensão, como é próprio da política por dividir opiniões", diz Clemir Fernandes.
Pauta se mantém forte
Para Guilherme Galvão, doutorandoHistória e Política pela FGV e autor do livro "Evangélicos, Mídia e Poder", a queda no númeroevangélicos eleitos para a Câmara dos Deputados não deverá levar a uma redução da influência da pauta conservadora defendida por parte desse eleitorado no Parlamento.
"Essa queda não é uma demonstraçãofraqueza da pauta evangélica. Bolsonaro fez com que houvesse um deslocamento do votocandidatos evangélicoscandidatos identificados com o bolsonarismo. A pauta continuará relevante e influente ainda que defendida por parlamentares não-evangélicos", avaliou o professor.
Clemir Fernandes pontua que a maior aceitaçãopropostas conservadoras pode ter feito aumentar o númerocandidaturas que defendam esse tipopauta. Consequentemente, o que poderia indicar uma redução da influência dessa agenda, na realidade pode ser um aumento do seu poder na cena política.
"Talvez a ampliação desses temas morais e tradicionais na sociedade tenha aumentado a ofertacandidaturas, mesmo sem identidade religiosa [...] O que pode parecer redução da bancada evangélica é uma possível ampliaçãouma 'bancada conservadora', tanto na Câmara Federal e Senado, mas também nas assembleias legislativas estaduais", disse o pesquisador.
Jacqueline Teixeira concorda com a avaliaçãoGalvão.
"O fatoa bancada evangélica ser menor não diminui o engajamento da pauta porque ela será replicada com muita força por outros parlamentares que não são evangélicos", afirmou a pesquisadora.
Jacqueline Moraes diz que tão importante quanto avaliar a quantidadeparlamentares evangélicos eleitos é ver o tamanho que a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) terá no Congresso Nacional a partir2023. A FPE é um grupo suprapartidário composto por evangélicos e não-evangélicos que defende as pautas relativas a esse segmento do eleitorado.
"A articulação dessas pautas dentro da Frente Parlamentar Evangélica pode ser maior do que dentro desse grupo reduzido e mais coeso que oparlamentares religiosos", explica.