O que é ser progressista?:

Ilustraçãoprogressista

Crédito, Daniel Arce Lopez/BBC

Mas mesmo essa definição não engloba todas as nuances que o tema tem no debate político, que merecem ser melhor analisadas.

Quem são os progressistas?

Primeiramente, nem todo mundo que se considera progressista (ou que é chamadoprogressista por adversários) defende todas as ideias listadas acima.

Há, por exemplo, evangélicos progressistas, liberais progressistas, socialistas progressistas e, por que não, até conservadores progressistas, uma corrente que tem afinidades com preceitos da democracia cristã. Por isso, alguns especialistas evitam identificar o progressismo como algoesquerda oudireita.

Além disso, esses progressistas, obviamente, não são apenas eleitores. Há pelo menos dois pré-candidatos à Presidência2022 que declaradamente defendem ideias que classificam como "progressistas".

Lula, ao anunciarpré-candidatura, falouuma "união progressista"seu partido, o PT, com PCdoB, PV, PSB, PSOL e Rede.

Ciro Gomes, candidato à Presidência pelo PDT, se descreve como sendo progressista ecentro-esquerda, e não comoesquerda, "porque sei que a transformação necessária e possível ocorre passo a passo, longefantasias revolucionárias".

Essa ressalva feita por Ciro aparece bastante nos estudosespecialistas. Em geral, eles afirmam que progressistas, ao contrário dos conservadores, defendem a transformação social por meio da ampliação dos direitos civis, do reconhecimento das identidades e da inclusão social por meio da distribuição da renda (como o Bolsa Família). Mas justamente sem recorrer à revolução propriamente dita, como defendem ideologias como o socialismo.

Maconha na palmauma mão

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Progressistas costumam ser associados à defesa pelo direitousar drogas

Por isso, costuma-se dizer que governantes progressistas da América Latina, como Lula, Cristina Kirchner e Evo Morales, fizeram parte nãouma onda vermelha (cor associada ao comunismo), mas simuma onda rosa (ou seja, nem tão vermelha assim). E por ficar "no meio do caminho", esses governos acabaram cheioscontradições.

Pesquisadores citam outros termos usados para descrever esses governos ou líderes progressistas latino-americanos do fim dos anos 1990 até meados dos anos 2010, como "pós-neoliberais", "neodesenvolvimentistas" ou "social-liberais".

Como surgiu o progressismo? Ele éesquerda oudireita?

Mas onde e quando surgiram os progressistas? Há quem diga que a oposição entre conservadorismo e progressismo remete, pelo menos, à Grécia Antiga. Mas esse embate ganhou força mesmo nos últimos séculos.

O cientista político e professor Marco Aurélio Nogueira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp),debate2018 na Fundação FHC, explicou que o conceitoprogressista mudou ao longo dos séculos. No século 18, durante o Iluminismo, ser progressista defender a prevalência da ciência e do indivíduo.

No século 19, o progressismo se associou ao liberalismo democrático (com a defesa da democracia) e ao socialismo (com a defesa da igualdade). Já no século 20, os progressistas se aproximam da ideiadireitos humanos e sociais.

Falaremos mais abaixo sobre o qual o significado deste progressismo no século 21. Mas antes é importante entender como o progressismo passou a ser associado à esquerda e o conservadorismo, à direita.

Segundo o pesquisador Frederico dos Santos (USP e UFMG),artigo sobre o tema, a direita tende a ser mais conservadora porquevisãomundo considera natural a desigualdade entre os homens. Já a esquerda, porvez, tende a ser mais progressista porque busca mudar as estruturas para reduzir essas desigualdades.

imagem da assembleia constituinte da revolução francesa

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Dicotomia entre direita e esquerda surgiu na Assembleia Constituinte da Revolução Francesa

Mas a contraposição entre conservadorismo e progressismo se torna mais formal e representativa a partir dos séculos 18 e 19. Ou seja, na épocaque surgiram os nomes populares das duas principais tendências políticas que passaram a dominar o mundo: a esquerda e a direita.

Em meio à Revolução Francesa, houve um debate1789 na Assembleia Constituinte sobre quanto poder a monarquia deveria continuar tendo. A discussão foi tão acalorada e apaixonada que os adversários acabaram estrategicamente localizados na sala segundo as suas afinidades.

Nas cadeiras localizadas à direita do presidente da Assembleia, o lado da nobreza, sentaram-se os integrantes da ala mais conservadora. Eles eram os leais à Coroa, queriam conter a revolução e defendiam que o reientão — Luís 16 — conservasse o poder e o direito ao veto absoluto sobre todas as leis.

Do lado esquerdo, ficaram os que defendiam os ideais republicanos que guiavam a revolução. Eles eram os mais progressistas na sala, os que clamavam por uma mudança radicalordem. O rei só deveria ter direito a um veto suspensivo. Ou seja, se ele não concordasse com um projetolei, ele poderia suspender o processo por um certo tempo, mas não poderia interrompê-lo ou cancelá-lo definitivamente. Na prática, isso significaria o fim do poder absoluto do monarca.

Os conservadores foram derrotados nessa disputa, e o rei Luís 16 perderia todo seu poder, sendo executado na guilhotina1793.

Mas, desde a Revolução Francesa, as palavras "esquerda" e "direita" acabaram perdendo muito do significado original e passaram a ser substituídas por algumas pessoas por outra duplapalavras: progressistas e conservadores.

Em linhas gerais, o Dicionário ConcisoPolíticaOxford afirma que o conservadorismo é "uma filosofia política que aspira a preservação do que pensa ser o melhor na sociedade e que se opõe a mudanças radicais". Mas os conservadores não chegam a um consenso sobre como e o que eles querem preservar.

Os progressistas passam por debates parecidos. O progresso érelação ao quê? Em que direção? E para onde? Assim como no caso do conservadorismo, as respostas dependem do lugar, do momento histórico equem está falando.

Progressistas no Brasil do século 21

E hoje, no século 21, quem são e o que defendem os progressistas?

A historiadora e professora Lilia Schwarcz (USP) afirmoudebate na Fundação FHC2018 que ser progressista hoje no Brasil está bastante associado à defesadireitos civis, mais especificamente aos movimentos feminista, LGBTQ+, negro e ambientalista. Tudo isso como formapressão por um "projeto democrático mais forte, plural, inclusivo e variado".

Em entrevista à BBC News Brasil, o cientista político e professor CreomarSouza (Fundação Dom Cabral) afirma que "esse progressismo que começa a se formarmeados da década passada, fugindo daquilo seria visto classicamente como um esquerdismo, vai construindo novos olhares e vertentes, fazendo com que os progressistas brasileiros hoje estejam espalhados, entre, por exemplo, progressistas com uma visão mais liberal e outros com algo mais próximo do que seria a esquerda clássica".

Em artigo sobre o tema, o pesquisador e professorRelações Internacionais Igor Fuser, da Universidade Federal do ABC (UFABC), afirma que o progressismo "é uma palavra constante no discurso político das esquerdas desde a primeira metade do século 20, no sentidodesignar os atores políticos favoráveis ao que se costuma chamar'transformação social',contraposição ao conservadorismo e ao elitismo, geralmente associados às posições da direita".

Segundo Fuser, a corrente progressista está ligada à ideiaprogresso social, tida como "a conquistaníveis crescentesbem-estar para a maioria da população, ampliação dos direitos sociais e igualdade no exercício dos direitos políticos, desenvolvimento econômico, usufruto das riquezas naturais a partircritériossoberania nacional".

E por que governos da América Latina, como osLula, Morales e dos Kirchner, são identificados como progressistas? Porque são marcados por forte presença do Estado na economia como política necessária para promover e orientar o desenvolvimento econômico e social, controlesetores considerados estratégicos (como oenergia) e políticas públicasinclusão social e distribuiçãorenda, mas geralmente "sem romper com as classes dominantes internas nem com o sistema econômico internacional".

Hugo Chávez, Evo Morales, Lula e Rafael Correa

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Governosesquerda protagonizaram uma espécieonda progressista na América Latina

Esse último elemento serve, segundo Fuser, para diferenciar dois gruposgovernos e líderesesquerda latino-americanos, todos eleitosdisputas políticas centradas na dicotomia entre pobres e ricos.

Um primeiro, que inclui países como Venezuela e Bolívia, era orientado pela perspectiva revolucionária ou socialista, com novas Constituições e confronto com "o imperialismo estadunidense e com as elites domésticas", nas palavrasFuser.

O segundo grupo, formado por Brasil (nos governos Lula e Dilma) e Argentina, entre outros, é identificado por Fuser como neodesenvolvimentista. Este se estrutura "a partiralguma ideiaconciliaçãoclasse" epolítica externa mais pragmáticarelação a potências como os Estados Unidos.

De toda forma, ambos os grupos foram amplamente dependentes do capital estrangeiro, da ampliação do crédito internacional e do aumento no preço das commodities, uma alta valorizaçãomatérias-primas exportadas por países latino-americanos que permitiu ampliar políticasinclusão social.

Para o cientista político e professor brasileiro Fabricio Pereira da Silva, da Universidade Federal do Estado do RioJaneiro (Unirio), a característica mais importantegovernos que se dizem progressistas é o esforço para reduzir muito a pobreza e a miséria.

O governo Lula, por exemplo, teve êxitos ao levar o Brasil a marcas como pleno emprego, aumento da renda e redução da desigualdade e da pobreza. O coeficiente Gini do Brasil, nos cálculos do Banco Mundial, passou58,6,2002, para 52,9,2013 — o Gini é um indicador que mede desigualdaderenda e vai0 a 100 (0 representa total igualdade).

"Desde que o programa (Bolsa Família) foi lançado, 5 milhõesbrasileiros deixaram a extrema pobreza. E por volta2009 o programa havia reduzido a taxapobreza8 pontos percentuais", afirmava um relatório da ONU2015, no qual o Bolsa Família é retratado como uma espéciemodeloprograma social bem-sucedido.

No caso da Bolívia, o períodobonança da economia se manteve mesmo depois da queda nos preços das commodities e o fim do boom — que se deu por volta2014 e, não por acaso, coincide com a desaceleração da economia brasileira.

Na Bolívia,13 anosgovernoEvo Morales, o país cresceumédia a 5% ao ano. Uma das primeiras e principais medidasseu governo foi a nacionalização do petróleo e do gás natural. Apesarcomeçar com uma políticanacionalizações, tipicamente identificada com governosesquerda mais radicais, o modelocrescimento boliviano não excluiu as empresas privadas. Pelo contrário.

Hoje, multinacionais, empresas privadas e estatais convivem na Bolíviaum modelocrescimento ancorado na exploração dos recursos do setoróleo e gás. Além disso, o país também teve a um aumento da presençamarcas internacionaissetores que vãoalimentação a moda e entretenimento, interessadas no incrementorenda no mercado doméstico resultado,boa parte, das políticastransferênciarenda.

Contradições

Críticos apontam incoerênciasgovernos progressistas por tentarem conciliar o que já existia e as transformações sociais que eles pretendiam fazer.

"Coexistem novidades que poderiam ser identificadas comoesquerda e outras mais conservadoras; houve inovações, mas, ao mesmo tempo, conservaram-se componentes que se arrastam desde as décadas neoliberais", afirma o sociólogo uruguaio Eduardo Gudynas.

Os pesquisadores brasileiros Fabio Luis Barbosa dos Santos e Daniel Feldmann (ambos da Unifesp) avaliam no livro O Médico e o Monstro: Uma Leitura do Progressismo Latino-Americano e seus Opostos que os governos progressistas fracassaramsuas promessastransformação.

Eles dizem que as principais causas desse fracasso são as contradições, os ataquesadversários e a incapacidademudar a lógica política, econômica e social dentro do país

Manifestação do Black Lives Matter

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Governos progressistas são criticados muitas vezes por não promoverem mudanças profundas para resolver problemas sociais graves, como o racismo estrutural

O governo Lula (e o fenômeno político conhecido como lulismo) é visto como um grande exemplo dessas contradições do progressismo.

Segundo o cientista político André Singer, que cunhou o termo, o lulismo promovia a mudança por meio da inclusão social das camadas mais pobres da sociedade (com medidas como Bolsa Família, valorização do salário mínimo e aumento do crédito consignado) sem, entretanto, adotar qualquer tiporadicalização política contra o capital e as classes dominantes. Mesclava elementosesquerda edireita, conservação e mudança. Ou seja, mais uma vez se vê como é complexo associar o progressismo à esquerda.

Apesaro progressismo ser hoje associado a governos, políticos e ativistasesquerda na América Latina, essa espéciereformismo moderado não surgiu nas últimas décadas.

Este caminho do meio entre a revolução e o liberalismo já estava no cernepolíticos e partidos europeusesquerda desde a primeira metade do século 20, a exemplo do Partido Trabalhista britânico, dos partidos socialistas francês e italiano e do Partido Social-Democrata (SPD) alemão.

Grande parte desses partidos são hoje associados à chamada social-democracia ou ao chamado reformismo, descrito pelo DicionárioPolítica organizado por cientistas políticos como Norberto Bobbio como um "movimento que visa a melhorar e a aperfeiçoar, talvez até radicalmente, mas nunca a destruir, o ordenamento existente, pois considera valores absolutos da civilização os princípiosque ele se baseia".

De acordo com o DicionárioPolítica Routledge, na maioria das vezes, um partido que se apresenta como social democrata está na centro-esquerda do espectro político e busca, com esse rótulo, se situar um pouco mais à direita da versão revolucionária ou radical do socialismo. "Um típico partido social-democrata, por exemplo, provavelmente adotará algum graunacionalização, mas o fará maistermosum planejamento organizado da economia, ou da oferta garantidaserviços públicos, do quequalquer oposição teórica à propriedade privada por si."

Os principais valores para esses reformistas ou sociais-democratas são a liberdade individual, a democracia e o bem-estartodos. Mas as contradições apontadas e as críticas feitas a esse "meio do caminho político" mostram que não é fácil fechar essa conta.

Críticas

Mas para alémrótulos, políticos e eleitores progressistas são alvoscríticas da esquerda, da direita eespecialistas.

Para a pesquisadora brasileira Rafaela Rodrigues Andrade, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), especialistapolítica externa, a trinca corrupção, mídia e justiça se tornou "o Triângulo das Bermudas no qual se perdeu a esquerda sul-americana da segunda década do século 21".

"É perfeitamente possível avaliar positivamente os governos progressistas frente às políticasredução da desigualdade, estabilidade macroeconômica e promoção da inclusão social. Mas é eticamente inadmissível que haja desvioscorrupção nesse caminho. Não só por questões morais, mas pelo poder devastador que a corrupção temanular a discussão política, deslocando boa parte da população para o conservadorismo, para as falsas ideologias ou, no mínimo, para o ostracismo", afirma Andradeartigo sobre o tema.

Já à direita, a escritora e doutorafilosofia Catarina Rochamonte vê um viés autoritário entre os progressistas e cita como exemplo a luta pelos direitos das mulheres, que, segundo ela, foi instrumentalizada por meiouma manipulação violenta da linguagem.

Cartaz com Marx, Lênin e Mao

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Parte dos críticos associam políticas progressista ao radicalismoexperiências comunistas

"A esquerda progressista tenta calar toda e qualquer dissidência, a qual passa a temerprópria expressão como se habitássemos realmente esse mundo imaginárioque todo homem que dá uma cantadauma mulher é um estupradorpotencial,que toda pessoa que não quer que se faça experiênciasengenharia social com o seu filho é preconceituosa,que todo homem que não quer ver seu filho brincandoboneca é machista,que toda mulher que não seja chata e problematizadora é analfabeta política,que todo aquele que não quer se enquadrar nessa visãomundo obtusa e dissolvente é fascista", escreveu Rochamonte no site do instituto liberal Mises Brasil.

Por outro lado, Preto Zezé, presidente nacional da Central Única das Favelas (Cufa), faz críticas ao que poderia ser classificado como um certo elitismo dos progressistas, principalmentetrês aspectos: segurança pública, valores morais e inclusão pelo consumo. Para ele, o maior desafio desse campo político é dialogar e ouvir evangélicos que vivemfavelas, emmaioria "preto e pardo, pobre, periférico e do sexo feminino".

"Moradoresbairrosclasse média e alta não têm dimensão da violência cotidiana nas periferias. E defender a legalização das drogas não é uma ideia bacana para a mãe que tem seu filho ou filha no vício ou no tráfico. Para essa população, há outras prioridades. As populações que vivem na guerra interna produzida por grupos criminosos rivais pedem que cessem os tiroteios", escreveu Zezé emcoluna no jornal FolhaS.Paulo.

Por fim, para o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), progressismo é o "novo nome para socialismo, bolivarianismo e comunismo". Em seu perfil no Twitter, ele lista como pautas progressistas "ideologiagênero, legalização do aborto e drogas e o estímulo à invasão islâmica da Europa". E, segundo o deputado, o progressismo está baseado no pensamento"fazer tudo que acha ser 'certo' independentelei, moral ou ética".

Línea

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