O cientista brasileiro que descobriu o maior cometa já visto no Universo: 'Foi pura sorte, um acaso':
"Uma piada que costumo contar: falar que esse objeto está vindo na direção da Terra não é errado, porque ele realmente está. Mas é a mesma coisa que falar que, toda vez que recebo meu salário, minha fortuna chega perto da fortuna do Silvio Santos. Tecnicamente está certo, mas não quer dizer que vai chegar lá", brinca o cosmólogo.
O brasileiro integra o Dark Energy Survey (DES), uma iniciativa com estudantesuniversidadesoito países, incluindo o Brasil. De maneira colaborativa, o objetivo do grupo "é mapear centenasmilhõesgaláxias, detectar supernovas e encontrar padrõesestrutura cósmica que podem revelar a natureza da energia escura que está acelerando a expansão do Universo", segundo site da iniciativa.
Segundo o DES, o cometa descoberto pelo brasileiro é "cerca1000 vezes mais massivo do que um cometa típico, tornando-o indiscutivelmente o maior cometa descoberto nos tempos modernos".
Descoberta 'por acaso'
O doutorado e o projetopesquisaBernardinelli tinham outro foco: medir o tamanhogaláxias e a influência da matéria escura no Universo.
Masuma análise com dados reunidos nos últimos seis anos, ele e outros colegas começaram a encontrar alguns "objetos transnetunianos", astros que estão além da órbitaNetuno, o oitavo planeta do Sistema Solar.
"A grande graça desses objetos é que eles são uma espécieentulho da formação do Sistema Solar, são os restos que foram chutados para longe. Vale muito a pena estudá-los porque, com eles, é possível reconstruir a história do Sistema Solar", diz.
Neste ano, Bernardinelli se deparou com um cometa maior e um pouco mais próximo do que Netuno enquanto analisava uma tabela com milharesnúmeros que representam astros detectadosimagens feitas por telescópios.
"Foi pura sorte, um acaso. Ele estava bem no limite do que era possível recuperar com os dados. Foi bem óbvio que era algo diferente", conta.
O cometa logo chamou atenção da comunidadecosmólogos por ser um típico astro vindo da NuvemOort, uma região nos confins do Sistema Solar (depoisUrano e Netuno) e supostamente ocupada por bilhõesobjetos que orbitam o Sol.
As órbitas desses astros são consideradas "excêntricas": elas podem chegar muito perto do Sol e,seguida, ficar extremamente distantes. A maioria dos cometasciclo longo, vindos da NuvemOort, leva milhares e até milhõesanos para completar essa voltatorno da estrela.
No ano passado, um cometa chamado C/2002 F3 (Neowise), vindo da NuvemOort, pôde ser visto da Terra durante o verão no hemisfério Norte. Foi uma oportunidade única, pois ele só passará novamente pelo planeta daqui a 6,8 mil anos.
Já o Bernardinelli-Bernstein, com uma orbita "achatada", tem um caminho ainda mais demorado. "Sabemos que ele teve uma passagem dentro do Sistema Solar há cerca3,5 milhõesanos e que objetos como ele foram chutados para a NuvemOort há 4,5 bilhõesanos. Então estimamos que ele tenha essa idade", diz o cientista.
O cometa terá seu periélio (momentoque chega mais próximo do Sol)21janeiro2031. "É quando ele fica mais brilhante para quem está observando da Terra", diz Pedro Bernardinelli.
Esse períododez anos para o periélio é um ponto positivo da descoberta, segundo o cosmólogo. "A gente pegou esse objeto muito distante do Sol, e isso não é sempre que acontece. A gente ainda não entende o que os cometas fazem quando estão muito longe do Sol. Temos dez anos para monitorá-lo, é uma oportunidade incrível", diz.
A partir2023, um observatório chamado LSST (Large Synoptic Survey Telescope), no Chile, cujo objetivo é achar objetos no Universo, passará a tirar fotos do céu inteiro a cada três dias. Para o cientista brasileiro, a iniciativa ajudará a entender melhor o cometa que leva seu nome. "A melhor maneiradescrever é que teremos uma foto dele a cada três dias, teremos um filme dele se mexendo pelo Universo", explica.
Trabalho 'chatíssimo'
Pedro Bernardinelli nasceuItaquera e cresceu na Vila Matilde, ambos na periferia da zona lesteSão Paulo. "Quando chegou o vestibular, eu gostavafísica e computadores, então escolhi Física, porque aliava os dois", conta.
Ele entrou na USP e se formou2015. Já durante a graduação, quando começou a estudar o Universo, um professor o convenceu a pular o mestrado e tentar uma bolsadoutoradoalguma universidade dos Estados Unidos. Conseguiu na Universidade da Pensilvânia, onde passou a integrar o Dark Energy Survey.
O trabalhoum cosmólogosi, diz o cientista, pode ser bastante entediante. Portanto, não é verdadeira aquela imagemuma pessoa comum que descobre um cometa que vai destruir a Terra olhando por um telescópio na janelacasa (como no filme-catástrofe Impacto Profundo).
"Não é assim que funciona. Na verdade você fica dias e dias olhando tabelas com milharesnúmeros e tenta encontrar alguma coisa ali. O trabalho é basicamente processar dadosum supercomputador", diz.
Aconteceu assim com o próprio cometa Bernardinelli-Bernstein. "Depois da tabela, o processoverificação foi essencialmente ficar horas e horas olhando imagenspreto e branco com uma bolinha bem fraca no meio para ver o que era esse objeto", explica.
"Isso é uma coisa chatíssima. Eu tinha que parar a cada meia hora, abrir a janela para descansar a vista, já estava vendo tudopreto e branco", conta.
Nos últimos meses, Bernardinelli iniciou um pós-doutorado na UniversidadeWashington,Seattle. Agora, pretende estudar melhor o cometa que leva seu nome. Há muitas coisas a descobrir, diz.
"Ainda não entendemos o que os cometas fazem longe do Sol. Estamos interessadossaber quais são os processos que ocorrem na superfície desses objetos, como o derretimento do gelo quando há aproximação do Sol", explica.
O cosmólogo e outros cientistas também querem saber quantos desses astros existem. "Esse é o primeiro cometa desse tamanho já visto. Mas ele é único ou há outros? Qual é a população desses objetos no Sistema Solar?", questiona.
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