Mortebetboo üye olanciãos indígenas na pandemia pode fazer línguas inteiras desaparecerem:betboo üye ol

Close no rosto do líder indígena Aritana, que leva as mãos à testa para cobrir os olhos

Crédito, AFP

Legenda da foto, Aritana era poliglota e conhecia profundamente a culturabetboo üye oldiversos povos do Xingu

"A perda do meu tio Aritana é a perdabetboo üye ol98% da nossa língua", disse Watatakalu Yawalapiti, sobrinhabetboo üye olAritana,betboo üye oluma declaração após a morte do tio.

Tapi explica que ainda há alguns outros falantes da língua yawalapiti vivos — dois tios mais velhos, por exemplo — mas que seu pai tinha um conhecimento mais profundo, mais técnico, que tentava passar para os mais jovens.

Tapí Yawalapiti, um jovem da etnia Yawalapiti, usa roupas e pinturas tradicionaisbetboo üye olseu povo

Crédito, TAPÍ YAWALAPITI

Legenda da foto, Tapi Yawalapiti vai defender um mestrado sobrebetboo üye ollíngua materna na Universidadebetboo üye olBrasília

A língua yawalapiti não é a únicabetboo üye olriscobetboo üye oldesaparecer.

O Brasil tem pelo menos 190 idiomas que correm o mesmo risco, segundo o Mapa das Línguasbetboo üye olPerigo da Unesco. A mortebetboo üye oldiversos anciãos indígenas devido à pandemia torna essa situação ainda mais crítica.

Sem controle, a epidemiabetboo üye olcovid-19 ameaça destruir, junto com a vidabetboo üye olmilharesbetboo üye olpessoas, culturas inteirasbetboo üye olalguns povos, levando ao que representantes indígenas chamambetboo üye ol"verdadeiro extermíniobetboo üye oletnias".

"Os anciãos que estão desaparecendo são as bibliotecas vivasbetboo üye oltodo esse conhecimento tradicional — da língua, dos costumes, das danças, da música. Esse conhecimento se preserva nos mais velhos, e é através deles que chega aos jovens e se reproduz", explica Angel Corbera Mori, professorbetboo üye ollinguística da Universidade Estadualbetboo üye olCampinas (Unicamp) e especialistabetboo üye ollínguas ameríndias.

As perdasbetboo üye olidosos indígenas acontecem no país todo. Só no Xingu, a covid-19 causou a morte do ancião Juca Kamayurá, do líder Jamiko Nafukuá ebetboo üye olMamy Kalapalo, chefe da aldeia Kuluene.

Entre os Kokama, no Amazonas, ao menos 37 morreram com sintomasbetboo üye olcovid-19, segundo a Associação dos Índios Kokama Residentes no Municípiobetboo üye olManaus (Akim), a maioria idosos.

Em Alter do Chão, no Pará, a doença levou Lusia dos Santos Borari,betboo üye ol87 anos, ainda no início da pandemia,betboo üye olmarço. Em Roraima, morreubetboo üye oljunho Bernaldina José Pedro, anciãbetboo üye ol75 anos do povo macuxi que vivia na na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Em uma ação levada ao STF, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) disse que "falhas e omissões" do poder público no combate à epidemia do novo coronavírus entre os povos indígenas brasileiros estão levando a um "verdadeiro genocídio".

Essas populações têm, segundo a entidade, uma taxabetboo üye olletalidade pelo vírusbetboo üye ol9,6%, enquanto, na populaçãobetboo üye olgeral, a taxa ébetboo üye ol4%, segundo o Ministério da Saúde.

A Apib diz ainda que o governo está não apenas falhando, mas ativamente colocando os indígenasbetboo üye olrisco. Diversos pesquisadores já alertaram para o riscobetboo üye ola pandemia dizimar essas populações no país.

Lideranças dos povos yanomami e ye'kwana com adornos tradicionaisbetboo üye olseu povobetboo üye olencontro que debateu a presençabetboo üye olgarimpeiros no território,betboo üye ol2019

Crédito, Victor Moriyama / ISA

Legenda da foto, Aldeias yanomami também estão ameaçadas pela pandemia

O governo nega que haja negligência, mas batalhou na Justiça para não precisar cumprir os pedidos da Apib.

No entanto, o STF determinoubetboo üye olvotação unânime que o governo tome medidas para garantir o combate à pandemia e atenda a medidas específicas pedidas pela entidade, como a criaçãobetboo üye oluma barreira sanitária e retiradabetboo üye olinvasoresbetboo üye olterras indígenas.

Perda irreparável

Bernaldina José Pedro,betboo üye ol75 anos, era uma guardiã dos costumes tradicionais e da língua macuxi. Ela tinha acabadobetboo üye olvoltar parabetboo üye olcasa, na comunidade Maturuca, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol,betboo üye olRoraima, quando morreubetboo üye olcovid-19 no fimbetboo üye oljunho, após 11 diasbetboo üye olbatalha contra a doença.

Ela contraiu o coronavírus na comunidade pouco tempo depoisbetboo üye olvoltarbetboo üye oluma temporada no estúdio do filho adotivo (tambémbetboo üye olRoraima) o artista macuxi Jaider Esbell, que estava aprendendo a falar macuxi com a mãe.

Essa língua não corre riscobetboo üye oldesaparecer, porque tem muitos falantes e até já foi sistematizadabetboo üye oldicionários, mas muitos conhecimentos tradicionais se foram com Bernaldina.

"Ela conhecia um vocabulário completo, uma variedade enormebetboo üye olconstruções", afirma Jaider. "É uma perda irreparável."

A idosa e líder indígena Bernaldina, do povo macuxi, usa pinturas tradicionais e sorri

Crédito, Jaider Esbell

Legenda da foto, Bernaldina morreubetboo üye oljunho, vítimabetboo üye olcovid-19

Ele era aprendizbetboo üye olmacuxi, um trabalho que envolvia muitas práticas. "Ela passou um período fazendo panelasbetboo üye olbarro, fazendo a tradução dos cantos comigo, falando os nomes dos materiais, dos elementos (na língua materna). Infelizmente, esse processo foi interrompido", lamenta.

"Embora minha língua esteja salva, é sempre difícil manter, porque existe no Brasil a ilusãobetboo üye oluma língua padrão (o português),betboo üye oluma língua 'nacional', e as crianças cada vez mais estão aprendendo só o português e tendo menos contato com a língua materna", afirma Jaider, que pretende fazer um memorialbetboo üye olnomebetboo üye olBernaldina.

Ele diz que vai continuar fazendo as atividades que ela sempre quis preservar, como os trançados, os cantos, os remédios, as panelabetboo üye olbarro, atividades culturais.

Jairder conta que a comunidade da mãebetboo üye olRoraima sofreu muito com a pandemia, especialmente no início. "A gente teve uma onda bem difícil, perdemos muitos professores e anciãos", diz.

Reunindo um povo

Em meio à mais recente luta para que que seu direito à saúde seja garantido, os yawalapiti continuambetboo üye olbatalhabetboo üye oldécadas para preservação do seu povo, que já esteve próximobetboo üye oldesaparecer.

"A nossa história é muito longa, meu povo quase foi extinto", conta Tapi. "Morreram muitos e restaram só seis ou sete pessoas, pré-adolescentes, que foram morarbetboo üye oloutras aldeias."

A última aldeia desapareceu, e os yawalapiti que restaram crescerambetboo üye olmeio a outros povos, falando outras línguas no dia-a-dia.

"Eles ficaram muito tempo morando longe, acabaram não tendo mais contato. Então, havia o meu povo, mas ele estava espalhado", conta Tapi.

Com a chegada dos irmãos Orlando e Cláudio Villas Bôas, sertanistas que lutaram pela demarcaçãobetboo üye olterras indígenas no Xingu, veio também seu alertabetboo üye olque ameaças como os garimpos e o desmatamento estavam cada vez mais próximas.

Líderes indígenas então se atentaram para a importância da preservaçãobetboo üye olseus povos e tiveram ajuda dos irmãos Villas Bôas nessa tarefa.

Aritana Yawalapiti, líder do Alto Xingu, sentadobetboo üye olfrente a uma construção tradicional

Crédito, Tapí Yawalapiti

Legenda da foto, Aritana era uma liderança reconhecida pelos diversos povos do Xingu

Paru, avôbetboo üye olTapi e paibetboo üye olAritana, foi um dos líderes responsáveis por reunir novamente os yawalapiti espalhados e reativar a antiga aldeia.

Hoje, Tapi trabalha para concluir seu mestrado na Universidadebetboo üye olBrasília, para o qual estudou e relatou a língua yawalapiti com o pai. A defesa da dissertação teria sidobetboo üye olmaio, mas foi adiada para novembro por causa da pandemia. "Esse projeto será uma grande lembrança do meu pai", conta ele.

Alémbetboo üye olchefe da aldeia Tuatuari, Aritana era defensor do território indígena, ativista pelos direitos dos povos do Xingu e guardião da cultura para os kamayurá e yawalapiti — e até para outros povos que não faziam parte dabetboo üye olascendência.

"Meu pai era visto como uma liderança geral no Xingu", diz Tapi, que agora tem a missãobetboo üye olassumir o papelbetboo üye ollíder da etnia e defensor do Xingu que erabetboo üye olseu pai.

"O Xingu estábetboo üye olluto, mas eu recebi muita força, muita gente dizendo 'você agora assumirá o papel do seu pai'. É uma grande responsabilidade", diz ele.

"Nossa cultura é muito forte — os jovens dançam, pintam, estão cantando as músicas, mas o que está enfraquecido é a língua materna", afirma.

Faz partebetboo üye olseus planos produzir um livro didático para ensinar a língua para crianças e jovensbetboo üye olseu povo — muitas delas falam línguas como kamayurá.

O quanto o idioma é faladobetboo üye olforma fluente por gerações mais jovens e usado no dia a dia são alguns critérios para estabelecer o quanto ele estábetboo üye olperigo, explica o linguista Angel Corbera Mori.

"A preservação da língua é parte essencial da cultura, sem falantes, ela desaparece, e, com ela, se vão se aspectos muitos centrais."

A entradabetboo üye olmissionários religiosos nos territórios sem autorização, que visam converter os indígenas e fazem os jovens terem menos interesse pela cultura tradicional, é apontada por ele como uma das principais ameaças à preservação das culturas indígenas.

Mori ressalta que, no momento, no entanto, as preocupações são muito maiores. "A ameaça hoje é aos próprios falantes. A preocupação no momento é com a vida."

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