Coronavírus: ONG leiloa tocha olímpicablaze m2016 para alimentar famílias que sofrem com pandemia na periferiablaze mSão Paulo:blaze m

Maisblaze mduas décadas depois,blaze mmeio a uma pandemia que já matou maisblaze m346 mil pessoasblaze mtodo o mundo, a morte voltou a cercar a vizinhança.

Somadas, as mortes causadas pelo novo coronavírus nos três bairros que compunham o "triângulo da morte" já passamblaze m400, bem maiores que as registradasblaze mbairrosblaze malta renda do centro expandido.

Foram 140 óbitos no Jardim São Luís, 141 no Capão Redondo e 130 no Jardim Ângela até o dia 20blaze mmaio cuja causa confirmada foi a covid-19,blaze macordo com dados da Prefeiturablaze mSão Paulo. Em Pinheiros, Itaim Bibi e Moema, por exemplo, houve no mesmo período, 36, 53 e 37 mortes causadas pela doença.

'Lutando há décadas'

Mesmo antes da pandemia, os efeitos da vulnerabilidade social já eram evidentes nos dadosblaze mmortes por doenças respiratórias.

Em 2018, Jardim Ângela, Jardim São Luís e Capão Redondo já apareciam entre as regiões com maior indicadoresblaze mmortes por doença pulmonar obstrutiva crônica, alergias, hipertensão pulmonar e asma.

Mas a realidade da região, conta o empreendedor social, havia avançado muitoblaze mrelação ao que era quando ele era criança. "A gente vem lutando há duas décadas, desde aquela época da qual eu me considero um sobrevivente, pra fazer esse lugar reconhecido não por ter um cemitério, mas pela resiliência, pela potência que é", diz.

"O Jardim São Luís, Capão e Ângela, mesmo tendo indicadores vulneráveis, estavam muito melhores. Mas dá uma sensaçãoblaze mimpotência muito grande. A pandemia denunciou uma outra face dessa perversidade que a periferia vem passando, com condições abaixo do mínimo, casas insalubres, mãesblaze mfamília ganhando 200 reais, o pessoal saindo para ganhar o dinheiro do almoço e da janta do dia. Não dá."

Sem comida e sem produtosblaze mlimpeza

Junto com o vírus, a fome voltou a ser realidade para os moradores que, na maioria, viviam do trabalho informal e bicos como catar papel, ou mesmo pedir dinheiro na rua.

Nos três bairros, quase 30% das moradias sãoblaze mfavelas, ocupações irregulares ou assentamentos informaisblaze máreasblaze mrisco, segundo os dados do Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo.

À frente da ONG Obras Recreativas Profissionais Artísticas e Sociais (Orpas), que fundoublaze m2005 no quarto da casablaze mqueblaze mmãe costumava usar para passar roupas, o empreendedor socialblaze m40 anos suspendeu as atividadesblaze meducação para crianças e adolescentes e passou a arrecadar e distribuir alimentos e produtosblaze mlimpeza para as famílias mais necessitadas.

A meta inicial era garantir, pelo tempoblaze mque durassem as medidasblaze misolamento social, o básicoblaze malimentos e produtosblaze mlimpeza.

Arrecadaram maisblaze mdez toneladasblaze malimento, e perceberam que a tarefa era mais difícil do que imaginava. "O númeroblaze mpessoas que solicitaram ajuda foi muito maior do que imaginava que podia ser", afirma Faria, fundador da ONG Obras Recreativas Profissionais Artísticas e Sociais (Orpas).

Diz que, agora, só voltarão a doar produtosblaze mlimpeza quando houver comida para todas as maisblaze m1.200 famílias que pediram ajuda pelo site da ONG, mas ainda não foram atendidas. "Minha meta mudou, agora é zerar a fila. Precisaríamos entre 30 e 40 toneladasblaze malimentos pra isso".

"Embora a gente saiba a importância do produtoblaze mlimpeza, entre dar uma cesta com produtos para uma família e dar outras duas ou três com arroz e feijão, temos escolhido aumentar a ofertablaze mcomida. Só chegaremos no produtoblaze mlimpeza se todo mundo estiver comendo."

Para acelerar a arrecadação, decidiu leiloar o que, na visão dele, é seu bemblaze mmaior valor financeiro. A tocha olímpica que foi convidado a carregarblaze m2016.

"Um dos momentos mais importantes da minha vida foi ter sido escolhido, pelo trabalho social que eu realizo, para carregar a tocha olímpica da Olimpíadablaze m2016. Um momento único, um momento emocionante. Uma joia", diz o empreendedor no vídeoblaze mapresentação do leilão, disponível no site da Orpas.

Cenas tristes têm feito parte da rotina da voluntária Vânia Catarino, 37 anos, moradora do Jardim São Luís. Todos os dias, junto com Daniel, ela se dedica a fazer os telefonemas, lives e contatos com empresas parceiras e conhecidos,blaze mbuscablaze mdoações.

Fazem a triagem dos pedidosblaze majuda que chegam pelo site, e dizem que, na grande maioria dos casos, as queixas sãoblaze mpessoas que pediram e tiveram o benefício emergencial do governo federal aprovado, mas que nunca chegou.

Além do trabalho social, Vânia se virablaze mbicos e gerencia o restaurante social da ONG, como formablaze mganhar algum dinheiro. O pouco que consegue tem repassado direto ao proprietário da casa onde mora, como tentativablaze mpagar o aluguel.

Combinou com ele que, se não tiver o dinheiro suficiente, ele vai usar os três mesesblaze mdepósito que ela fez como garantia no começo da locação.

"Nas avenidas principais da periferia parece que não tem muito movimento, mas nas entregas das cestas, quando entramos pelas vielas das favelas para chegar onde as pessoas pedem, dá para perceber que está todo mundo lá, na rua, com narguile, com churrasco. É bem tristeblaze mver, porque você fica pensando: será que vai morrer todo mundo aqui?"

Um corpoblaze mcasa, 24 horas depois

Embora esteja tomando todos os cuidadosblaze mcasa, protegendo os filhosblaze mcasa com máscaras e álcool gel, a doença já chegou bem pertoblaze mVânia. Seu irmão Sebastião,blaze m47 anos, morreu com suspeitablaze mcovid-19 no dia 17blaze mabril, três dias após começar a sentir os primeiros sintomas.

"Na quinta-feira ele já não conseguia levar comida à boca, porque estava muito fraco. Minha irmã que morava com ele, vendo a mobilidade dele, ajudou ele a se alimentar. Na sexta ele não acordou bem, e chamaram a ambulância. Quando a ambulância chegou, ele já tinha falecido."

Uma outra ambulância levou a irmãblaze m54 anosblaze mVânia, que sentiu-se mal após a morte do irmão. Fazia bicosblaze mdiarista e se recuperavablaze mcasablaze muma pneumonia que tratava há dois meses. Está internada desde aquele dia no hospital do M'Boi Mirim.

O corpoblaze mSebastião, que morreu na cama, ficou 24 horas no mesmo lugar,blaze mcasa com a família. Foi recolhido pela funerária apenas no dia seguinte, sábadoblaze mmanhã, e colocado no caixão dentro do quarto e levado direto para o cemitério.

Até hoje a família não recebeu o resultado do teste que confirmaria ou não se foi a covid-19 que matou Sebastião.

blaze m ' blaze m Dói na alma blaze m '

Por causa da distribuiçãoblaze mcestasblaze mportablaze mporta, para evitar aglomerações e alcançar exatamente as pessoas que mais precisam, Daniel decidiu se isolar da família durante a pandemia. Morandoblaze mum dos quartos da casa, já faz meses que ele não beija nem abraça Kairu, 8, Kamille, 6, e Kinaya,blaze m1 ano. As outras duas filhas mais velhas, Keila e Débora, moramblaze mcasas separadas.

"Desde o começo estou isoladoblaze mum quarto da minha casa. Tenho contato distante, mas não abraço, não beijo meus filhos", diz. "Dói na alma", afirma, acrescentando que é mais difícil explicar a situação para Kairu, que já sente a distância.

Do quarto,blaze mlonge, ele conversa com os filhos e a mulher, e já fez até churrasco no quintal, sempre afastado deles. "É o novo normal, a gente se adapta", ri.

Acrescenta, no entanto, que o afastamento vai valer a pena, tanto para eles quanto para as outras famílias do Jardim São Luís. "Por outro lado é uma renúncia que eu faço agora para que as muitas crianças da quebrada possam ter pais e mães para abraçar no futuro".