'Mochileiros Muçulmanos': a turnêroleta de profissõesquatro religiosos para explicar o Islã pelo Brasil:roleta de profissões

Os muçulmanos da periferiaroleta de profissõesSão Paulo passaram por várias cidades, entre elas, Salvador, Belo Horizonte, Recife e Aracaju

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Os muçulmanos da periferiaroleta de profissõesSão Paulo passaram por várias cidades, entre elas, Salvador, Belo Horizonte, Recife e Aracaju

Segundo Kaab, não havia um roteiro definido previamente. "Nós passamos pelas cidades, conhecemos as pessoas e (fomos) aceitando os convites que chegam para falar da nossa religião. Por incrível que pareça, as pessoas pedem que a gente vá até elas. Muitas têm curiosidade sobre o que é o Islã, se a gente acreditaroleta de profissõesJesus, se brasileiro pode ser muçulmano...", conta.

Nas ruas, os quatro abordaram os pedestres, entregaram livros e folhetos explicativos e deram pequenas palestras sobre a religião. A ideia surgiu do trabalho semelhante que eles já fazem no viaduto do Chá, no centroroleta de profissõesSão Paulo. Segundo Kaab, a viagem foi bancada por doaçõesroleta de profissõescomerciantes e outros fiéis da comunidade islâmica.

"Há uma imagem estereotipadaroleta de profissõesque todo muçulmano é um terroristaroleta de profissõespotencial, ou que tem ligação com o extremismo. Isso não é verdade. O Islã prega a paz e o amor, como o profeta Jesus também fazia", explica César.

"O Islã fala que quando você tira a vidaroleta de profissõesum inocente é como se tivesse assassinando toda a humanidade. E, ao contrário, quando você salva o inocente, é como se salvasse todo mundo."

No Brasil, os adeptos da religião não chegam nem a 0,5% da população, segundo pesquisa Datafolha. Ficam abaixoroleta de profissõescatólicos (50%), evangélicos (31%), religiões afro-brasileiras (2%) e ateus (1%), entre outras.

Em Belo Horizonte, os paulistas encontraram uma fiel para ajudar a dar palestras sobre o islamismo

Crédito, Rafiq Aires

Legenda da foto, Em Belo Horizonte, os paulistas encontraram uma fiel para ajudar a dar palestras sobre o islamismo

Escolhas e preconceitos

Outro membro do grupo, o estudanteroleta de profissõesdireito Otávio Augusto Vieira, 25, também conhecido como Hamza, conta que encontrou quem acredite que o islamismo é imposto aos fiéis — ou seja, não haveria liberdaderoleta de profissõesescolha para seguir ou não a religião.

"A mensagem do Islã é que não há imposição na religião. Às vezes, parece que fomos forçados a segui-la, ou que é ruim ser muçulmano. Mas não é isso: foi uma escolha que fizemos para nossa vida", explica ele, que passou a seguir o Islã recentemente, depoisroleta de profissõesconhecer Kaab.

Hamza conta que por vezes esbarraroleta de profissõespiadas sobre a religião quando veste indumentária típica, como túnicas ou a taqiyah (uma espécieroleta de profissõeschapéu). "Todas as dificuldadesroleta de profissõesser muçulmano estão relacionadas ao preconceito", afirma.

"A gente sempre enfrenta brincadeiras ou piadinhas sem graça. Mas nada que o diálogo e a informação não resolva. Se você tem oportunidade, dialoga com a pessoa, fala a verdade. Se não, você deixa pra lá, pois, às vezes, é melhor evitar enfrentamentos desnecessários", explica.

Seu colega Antônio Marcos Abdullah, 21, pensaroleta de profissõesforma parecida. "Não podemos reagir (ao preconceito) com o instinto, com raiva. Se a gente revidar, alguém pode dizer: 'o Islã incentiva o revide'. E não é verdade. Então, precisamos exercitar a paciência", diz.

Muçulmano explicando religião para pedestre

Crédito, Rafiq Aires

Legenda da foto, Eles contam que a viagem foi bancada com dinheiro próprio e doaçõesroleta de profissõesamigos e fiéis

Professorroleta de profissõesáraberoleta de profissõesEmbu, ele se converteu no inícioroleta de profissões2015, ainda adolescente, depoisroleta de profissõesler livros e reportagens sobre a religião. "Inicialmente, minha família achou estranho, porque a primeira coisa que falei foi que eu não iria mais comer carneroleta de profissõesporco ou derivados. Somos uma família pobre: salsicha e linguiça eram sempre os alimentos mais baratos. Mas, depois, eles se acostumaram", diz.

A turma conta ter enfrentado alguns episódiosroleta de profissõespreconceito durante a turnê por causa das barbas e roupas tradicionais. "Um dia, a gente passouroleta de profissõesfrente a um barzinho, e um cara falou: 'olha os homens-bomba aí, os iranianos'", afirma Kaab. "Até um policial chegouroleta de profissõesnós e perguntou: 'tem alguma bomba escondida aí?'."

Ele conta que,roleta de profissõesSão Paulo, é comum pessoas se afastarem ou até deixarem o ambiente quando ele entra. "Acho que a única arma contra o preconceito é a informação", diz.

Outro ponto sempre criticado é a forma como o islamismo trata as mulheres. Há quem diga que a religião aborda as liberdades individuaisroleta de profissõesmulheres e homensroleta de profissõesmaneira desigual. O véu usado pelas fiéis, por exemplo, é um dos pontos controversosroleta de profissõesdiversos lugares.

"Costumo dizer queroleta de profissõesoutras religiões também há restrições, como algumas igrejas evangélicas, onde as mulheres também utilizam véu, não podem cortar o cabelo, precisam usar saias e se sentam separadas dos homens na igreja. Mas pouca gente reclama. As mulheres muçulmanas usam véu não para agradar o homem, mas porque está escrito no Alcorão (livro sagrado do Islã). Eu recomendo que as pessoas conversem mais com as mulheres muçulmanos sobre essas questões, pois é sempre bom ouvi-las", diz.

Publicações falsas

César Kaab Pugnaz explicando o Islã para pedestre

Crédito, Rafiq Aires

Legenda da foto, César Kaab Pugnaz (à direita) ganhou um processo na Justiça pelos ataques que sofreu nos últimos anos

César Kaab conta que, depoisroleta de profissõessua conversãoroleta de profissões2005, sofreu vários episódiosroleta de profissõespreconceito e islamofobia.

Ele entrouroleta de profissõescontato com o Islã nos anos 1980 depoisroleta de profissõesconhecer a trajetóriaroleta de profissõesMalcolm X, famoso ativista americano pelos direitos civis e também muçulmano. Até hoje, César gostarroleta de profissõesandar usando camisetas com a imagem do ativista.

Na juventude, o religioso fez parteroleta de profissõesvários gruposroleta de profissõesrap da periferia paulistana, como o Tribunal Negro e o Diagnóstico. "Existia uma grande repressão nas periferias. Toda pessoa que fazia rap era considerada bandido, pois as pessoas falavam que era músicaroleta de profissõesladrão", diz.

A partir principalmenteroleta de profissões2001, após os atentadosroleta de profissões11roleta de profissõessetembro nos Estados Unidos, o islamismo ganhou grande atenção no mundo — visões mais extremistas da religião, que defendem a jihad ("guerra santa"), costumam ganhar o noticiário.

Nessa época, Kaab passou a procurar textos e livros a respeito. "Eu já conhecia o Malcolm e quis saber mais o que era aquela religião que estava todo mundo falando".

Sua conversão foi um choque até para a família — hoje,roleta de profissõesmulher e os quatro filhos também são muçulmanos.

Muçulmano paulista explicando islã

Crédito, Rafiq Aires

Legenda da foto, Viagem durou um mês e percorreu 8 mil quilômetros pelo país

"Na favela ninguém me entendia. As pessoas perguntavam se eu tinha virado terrorista. Mas, no começo, ninguém via minha mudança: pareiroleta de profissõesbeber,roleta de profissõesfumar,roleta de profissõesfrequentar bares até altas horas. Passei a cuidar maisroleta de profissõesmim, da minha alma e da família", explica.

Líder comunitário, ele criou a primeira biblioteca gratuita no bairro e, depois, uma mussala (salaroleta de profissõesreuniões para discutir a religião). Com o aumento do númeroroleta de profissõesconvertidos na favela, a mussala evoluiu para uma mesquitaroleta de profissõesfato — hoje frequentada por 60 pessoas.

A história chamou a atenção da comunidade islâmica no país, mas também trouxe problemas.

"Um dia,roleta de profissões2016, uma pessoa me ligou e disse que um xeique árabe estava no Brasil visitando várias mesquitas, e ficou sabendo da nossa. Falei: 'tudo bem, traga ele aqui'. Eu nunca tinha ouvido falar do xeique. Como não falo árabe, até usamos um tradutor para ajudar. Ele ficou pouco tempo e foi embora, mas eu não imaginava o que essa visita iria se transformar", conta.

O xeiqueroleta de profissõesquestão era o saudita Muhammad Al-Arifi, bastante famoso no país. Sunita, ele já fez declarações machistas e extremistas contra a vertente xiita da religião. Em 2014, foi proibidoroleta de profissõesentrar no Reino Unido por supostamente ter pregadoroleta de profissõesuma mesquista onde estavam três jovens que depois viajaram à Síria para lutar pelo Estado Islâmico — o xeique negou o caso, dizendo ser "veementemente contra os métodos brutais" do grupo.

Muçulmano paulista explicando islã para pedestre

Crédito, Rafiq Aires

Legenda da foto, A ideia da turnê é explicar o Islã para pessoas comuns, usando folhetos e livros

Dias depois da vista, uma revista semanal publicou uma reportagem com uma fotoroleta de profissõesAl-Arifi ao ladoroleta de profissõesCésar Kaab. Também associava o religioso árabe ao Estado Islâmico, afirmando que ele pregava "intolerância e violência".

Para o brasileiro, o breve encontro teve repercussão negativa nos meses seguintes.

"De repente, virei o 'homem da favela' que tinha sido aliciado pelo Estado Islâmico", conta. "Recebi dezenasroleta de profissõesmensagens com ameaçasroleta de profissõesmorte e xingamentos, me chamavamroleta de profissõeshomem-bomba. Também divulgaram fotos da minha família nas redes sociais."

Em seguida, um texto com uma fotoroleta de profissõesCésar Kaabroleta de profissõesuma comunidade também viralizou. A publicação afirmava que o muçulmano estava "recrutando adolescentes para o Estado Islâmico" no Morro da Maré, no Rioroleta de profissõesJaneiro — porém, a favela que aparece na imagem era a Cultura Física,roleta de profissõesEmbu da Artes, onde vive até hoje.

Recentemente, a Justiça condenou o donoroleta de profissõesum site que publicou essa imagem e outros textos associando Kaab a grupos extremistas a indenizar o religioso por causaroleta de profissõespublicações falsas.

'Trabalhoroleta de profissõesformiga'

Tirando alguns episódiosroleta de profissõespreconceito, a turnê para divulgar o Islã pelo país foi bem sucedida: a grande maioria das pessoas se mostrou receptiva e curiosa sobre a religião, segundo os mochileiros.

Eles contam que,roleta de profissõesum restauranteroleta de profissõesSalvador, um casal se aproximou do grupo para questioná-los. "Foi incrível. Nós explicamos o que é a religião e como eles poderiam se converter", conta Cesar.

Para Rafiq Aires, 28, outro membro do grupo, o preconceito contra muçulmanos "não é culpa das pessoas", mas simroleta de profissõesum processoroleta de profissõesestigmatização que já dura alguns anos. "As pessoas se tornam preconceituosas porque têm mais acesso a opiniões preconceituosas, muitas vezes divulgadas pela própria mídia. Nossa viagem teve o papelroleta de profissõesinformar eroleta de profissõesmostrar que o Islã não é tão diferente do que elas já conhecem", diz.

Já Kaab afirma que uma das tarefas dos fiéis é falar do islamismo para as pessoas. "Nossa esperança é que outros façam o mesmo. Não precisa andar o país como nós, mas conversar com o amigo, com o vizinho, com a família. É um trabalho pequeno,roleta de profissõesformiga, mas já ajuda", diz.

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