Por que é polêmico comparar as contas do governo com o orçamento doméstico?:esporte365 com

moedas e papelesporte365 comanotações

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Usada por políticosesporte365 comdiversas vertentes, a comparação das contas do governo com o orçamentoesporte365 comuma família pode ser didática, mas tem sérias limitações

A BBC News Brasil entrevistou economistas para entender por que é preciso cuidado ao comparar as contas públicas com o orçamentoesporte365 comuma família. Quem nunca ouviu um político fazendo isso?

Ex-ministro da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, Onyx Lorenzoni comparou o contingenciamentoesporte365 comgastos com educação à dificuldadeesporte365 comuma família para comprar um vestido para festaesporte365 com15 anos.

"É que nem o pai, que tem um salário e sabe que tem que comprar o vestidoesporte365 com15 anos da filha láesporte365 comoutubro, mas ele estáesporte365 commaio. Aí, ele vai vendo o que vai entrando, o que vai gastando, e diz: 'ih, pode ser quem não dê, então não vou sair para comprar churrasco, não vai ter cervejinha no finalesporte365 comsemana, eu não vou comprar o tênis do João", disse.

Bolsonaro e Onyx Lorenzoni

Crédito, Antonio Cruz/ Agência Brasil

Legenda da foto, Onyx Lorenzoni comparou o contingenciamentoesporte365 comgastos com educação à dificuldadeesporte365 comuma família para comprar um vestido para festaesporte365 com15 anos

Mas fazer essa relação não é moda lançada pelo atual governo.

Em 2016, o então presidente Michel Temer defendeu o ajuste das contas públicas citando uma fala da ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher. "Ela até dizia uma coisa trivial: o Estado é como uma casa,esporte365 comcasa, a casa daesporte365 comfamília, você não pode gastar mais do que aquilo que arrecada."

Antes disso, a ex-presidente Dilma Rousseff também comparava as contas públicas com o orçamentoesporte365 comuma casa.

"Nós precisamos também fazer ajustes. Eu faço ajuste no meu governo como uma mãe, uma donaesporte365 comcasa, fazem na casa delas. Nós precisamos agora dar condiçõesesporte365 coma gente retomar um novo cicloesporte365 comdesenvolvimento econômico para gerar mais emprego, para assegurar mais renda e para fazer que o Brasil continue a cresceresporte365 comforma acelerada", disse, enquanto era presidente.

Dilma Rousseff

Crédito, José Cruz/Agência Brasil

Legenda da foto, 'Faço ajuste no meu governo como uma mãe, uma donaesporte365 comcasa, fazem na casa delas', disse a então presidente Dilma Rousseff

Os economistas dizem que a comparação pode ter a intençãoesporte365 comsimplificar um tema complexo, mas apontam diversos problemas.

"A metáfora é útil, mas tem severas limitações", afirma a economista Monicaesporte365 comBolle, pesquisadora do Peterson Institute,esporte365 comWashington.

O economista Manoel Pires, que já foi secretárioesporte365 comPolítica Econômica do Ministério da Fazenda, diz que a comparação normalmente é feita para "passar uma mensagemesporte365 comque o governo,esporte365 comdeterminadas situações, tem que economizar recursos ou justificar determinada necessidadeesporte365 comfazer um ajuste fiscal para equilibrar as contas".

No entanto, Pires diz que "quando a gente vai levar essa comparação mais a sério, as diferenças são muito grandes".

"As pessoas fazem essa analogia dizendo 'o governo é igual uma família e por isso tem que gastar o quanto arrecada'. Nem as famílias gastam o quanto elas arrecadam. Essa comparação já é limitada logoesporte365 comcara, porque família também tem acesso a mercadoesporte365 comcrédito, se endivida para comprar um casa, um carro. Muitas vezes a pessoa perde o emprego e,esporte365 comsituação mais difícil, entra no cheque especial."

Em cinco pontos, entenda por que é polêmico comparar as contas do governo e o orçamentoesporte365 comuma família:

1. Criação ou aumentoesporte365 comimposto

Uma trabalhadora ou um trabalhador podem buscar um aumento salarial ou tentar lucrar mais com o próprio negócio, mas não têm o poderesporte365 comdeterminar qual seráesporte365 comrenda no fim do mês.

"As famílias não definem a própria renda — mas o Estados sim, por meio do tributo, por exemplo", diz Grazielle David, doutorandaesporte365 comdesenvolvimento econômico na Unicamp e assessora da Rede Latinoamericanaesporte365 comJustiça Fiscal.

O governo pode — embora possa desagradar setores específicos ou consumidores — criar novos tributos ou aumentar a alíquotaesporte365 comimpostos que já existem para tentar reforçar a arrecadação dos cofres públicos. As receitas, no entanto, também dependemesporte365 comoutros fatores, como crescimento econômico e a aprovaçãoesporte365 commedidas no Congresso.

Um exemplo recente foi a discussãoesporte365 comtorno da criaçãoesporte365 comum tributo sobre transações financeiras similar à antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), que enfrentou resistênciaesporte365 comparlamentares eesporte365 comparte da população.

Monica De Bolle

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Comparar orçamento público com o doméstico 'é útil, mas tem severas limitações', diz a economista Monicaesporte365 comBolle, do Peterson Institute

2. Imprimir dinheiro

Se a família não pode imprimir dinheiro para pagar a dívida, o Estado pode emitir moeda para pagar dívidasesporte365 commoeda nacional. Essa medida, no entanto, é considerada mais drástica porque pode desestabilizar a economia.

"O governo tem uma capacidade adicional, que obviamente famílias não têm: o poder e a responsabilidade únicaesporte365 comcriar e emitir essa moeda na qual as dívidas estão denominadas. Então,esporte365 comúltima análise, quando acontece uma situaçãoesporte365 comque as dívidas estão excessivamente elevadas, o governo pode pagar a si próprio emitindo moeda", diz Monicaesporte365 comBolle.

"Essa possibilidade do governoesporte365 comse autofinanciar por meio da emissãoesporte365 commoeda, evidentemente que num prazo maior pode gerar desequilíbrio muito severo. Pode gerar, por exemplo, situaçãoesporte365 cominflaçãoesporte365 comalta ou hiperinflação, como vimosesporte365 compaíses latinoamericanos que faziam isso nos anos 1970 e 1980."

3. Taxas e prazos das dívidas

Os governos têm a possibilidadeesporte365 comdeterminar como vão remunerar o endividamento — ou seja, determinar qual será o critério para pagar os juros a quem emprestou o dinheiro. Os títulos da dívida pública, que são uma formaesporte365 como governo se financiar, têm remunerações que dependem do prazo e podem estar baseadas, por exemplo, na taxa Selic ou na inflação.

Outro ponto importante é a rolagem das dívidas — ou seja, a conversãoesporte365 comuma dívida antigaesporte365 comuma nova dívida.

"Países como Estados Unidos, Japão, diversos países europeus têm dívidas muito elevadas e carregam essas dívidas há anos, sem que isso seja um empecilho. Isso acontece porque governos, diferentementeesporte365 comfamílias, têm domínio sobre quem vai absorver suas próprias dívidas", diz Monicaesporte365 comBolle.

"Quando uma família pega um empréstimo no banco porque gastou mais do que recebeu, ela não tem poderesporte365 cominfluência sobre o banco. O banco determinou um contratoesporte365 comcrédito com essa família esporte365 comque estão estipuladas as condições para que pagueesporte365 comvolta o empréstimo. No caso dos governos, eles exercem um poder sobre a economiaesporte365 commodo geral e, portanto, sobre os detentores finais da dívida pública."

Por isso, segundo a economista, os países conseguem "carregar dívidas elevadas" e "sustentar uma situaçãoesporte365 comdeficit grande".

Michel Temer,esporte365 com9esporte365 commarçoesporte365 com2017

Crédito, Antonio Cruz/ Agência Brasil

Legenda da foto, Em 2016, o então presidente Michel Temer defendeu o ajuste das contas públicas citando uma fala da ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher

4. Relação entre a receita e a despesa

Os diferentes efeitos do corteesporte365 comuma despesa são outro ponto frequentemente discutido.

"Se eu sou uma residência e faço um corteesporte365 comuma despesa minha, isso não necessariamente vai afetar a minha receita. Se eu deixaresporte365 comir ao cinema, por exemplo", diz Graziella David. "Mas essa lógica não é verdadeira para o Estado. Quando o Estado gera uma despesa pública, muitas vezes ele também gera uma receita para ele."

Ela diz que gastos públicos com saúde e educação, por exemplo, podem gerar retornos tambémesporte365 comtermosesporte365 comarrecadaçãoesporte365 comtributos e, no futuro, reforçar o caixa do governo. "Se eu diminuo gastoesporte365 comsaúde e educação, diminuo a capacidade arrecadatória, diminuo o crescimento econômico, diminuo a minha receita."

Neste ponto, há uma discussão entre as diferentes correntes da economia sobre quais os estímulos adequados para uma economiaesporte365 comcrise. Os keynesianos, por exemplo, defendem políticas anticíclicas para evitar um colapso econômico — ou seja, estímulos do governoesporte365 commomentoesporte365 comcrise, mesmo que isso signifique aumento da dívida — enquanto os liberais tendem a defender corteesporte365 comgastos nessas situações.

5. Títulos da dívida como poupança

Manoel Pires aponta que a dívida pública também tem um "papel macroeconômico importante", no sentidoesporte365 comque as pessoas que compram os títulos do governo usam isso como uma poupança — ou seja, para transportar seus recursos para o futuro.

"O governo não tem que ter dívida zero, porque essa dívida serve para outros propósitos, como as pessoas usarem títulos para poupar e para financiar políticas ao longo do tempo. O problema surge quando você fica muito refém dessa formaesporte365 comfinanciamento, que é o que acontece quando você tem uma crise fiscal", diz o economista.

"Eu vejo essa comparação (do orçamento público com as contasesporte365 comuma família)esporte365 comuma maneira muito restrita para um determinado fim didático. Ela serve ao propósitoesporte365 comdizer que governo também se depara com restrições, que muitas vezes resultamesporte365 comescolhas difíceis, como se fosse o chefeesporte365 comfamília resolvendo como alocar recursos no orçamento. Mas até onde isso vai, é limitado."

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