Como jovens que nasceram nos primeiros minutos do ano 2000 chegam a 2020:
Naquele janeiro2000, quase 8 mil crianças nasceram vivas por dia no Brasil,média, segundo o Instituto BrasileiroGeografia e Estatística (IBGE).
Desde então, a geraçãoMaria Luiza e Thiago, conhecida também como Z (hoje com idadestorno10 e 24 anos), viu o Brasil ampliar o acesso à educação dos jovens, viver períodosbonança e recessão e enfrentar explosão da violência.
Durante a infância e o início da adolescência deles, o país vivia uma épocacrescimento econômico e avanços sociais. No fim da adolescência e início da vida adulta, porém, o Brasil começou a enfrentar períodocrise econômica, com piora do desemprego e do acesso à educação.
Para estudiosos, os jovens, como os nascidos no primeiro dia2000, são os mais atingidos pelas dificuldades que o Brasil tem enfrentado nos últimos cinco anos, principalmente a faltavagastrabalho e as mortes violentas. Em contrapartida, fazem parte da geração que mais teve oportunidadesestudos.
Os anos 2000
Apesartoda a expectativatorno do ano 2000, o terceiro milênio e o século 21 só começariam,fato,2001. Mas a data redonda e o eventual bug do milênio marcaram aquela viradaano.
Estimava-se que uma falhaprogramação poderia levar computadores ao redor do mundo a "acharem" que depois1999 viria 1900,razão das duas últimas casas numéricas. Mas aviões não caíram e contasbanco não desapareceram.
Os zeros, porém, interferiram no registro civilMaria Luiza. "Meus pais contam que tiveramregistrar minha certidãonascimento como se eu tivesse nascido meia-noite e um, porque não poderiam colocar vários zeros."
Tanto ela quanto Thiago dizem que a datanascimento gera bastante desconfiança alheia, e precisam mostrar documentos para provar.
"Bebê do bug", o jovem curitibano hoje ri da coincidênciasua áreaestudos envolver computadores.
Acesso à educação
O Brasil do início dos anos 2000 apresentou melhorasdiferentes aspectos,relação à década1990 — marcada por períodosinstabilidade política e econômica.
Ainda assim, nos anos 1990, o Brasil tomou iniciativas para garantir a universalização do ensino fundamental e a diminuição do analfabetismo, conforme o estipulado pela Constituição Federal1988.
A Pesquisa Nacional por AmostraDomicílios2001 apontou que 12,4% da população brasileira acima dos 15 anos, ou 14,9 milhõespessoas, não sabia ler ou escrever. Em 2009, a fatia representava 9,7%, ou 14,1 milhõespessoas, e2018, eram 6,8%, ou 11,3 milhõesbrasileiros. A meta do país é erradicar o analfabetismo até 2024.
O Brasil também passou no período por uma forte expansão do ensino superior. Houve a criaçãopolíticasfinanciamento estudantil, bolsasinstituições privadas, cotas sociais ou raciais, unificaçãoprocessos seletivos, criaçãouniversidades e ampliaçãovagas.
No ano passado, 25% das pessoas18 a 24 anos frequentavam ou haviam completado curso superior — entretanto, a mudançametodologia impede comparar esses dados com os2000, segundo o IBGE. A meta do país é chegar ao patamar33%, também até 2024.
Para Marta Teresa Arretche, professora da UniversidadeSão Paulo (USP) e autoraTrajetórias das Desigualdades - Como o Brasil Mudou nos Últimos Cinquenta Anos, "o Brasil progrediu nos índicesescolaridade ao longo dos últimos 20 anos, porque as taxasmatrículas aumentaram, mas não foi capazaumentar os níveis da qualidade da Educação na mesma velocidade".
Tanto Maria Luiza Schubert quando ThiagoAlmeida se beneficiarampolíticas públicasensino superior surgidas ao longo das vidas deles: ele passou por cotas destinadas a oriundosescolas públicas, e ela entrou numa universidadeoutro Estado por meio do Sisu, que reúne e distribui vagas a partir do desempenho dos alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Thiago sempre estudouescolas públicas. O jovem, que atualmente moraValinhos (SP), queria cursar EngenhariaTelecomunicações na Universidade EstadualCampinas (Unicamp), mas passou no vestibular apenas na segunda tentativa, após fazer cursinho. Emopinião, a formação escolar que recebeu até ali não havia sido suficiente para prepará-lo para passar no curso.
Maria Luiza, que está no primeiro anoFarmácia, somente conseguiu uma vaga na Universidade Federal Fluminense (UFF)razão do Sisu. Ela, que moravaSão Paulo com a família, não foi aprovadauniversidades paulistas. Por isso, usou a nota no Enem para tentar uma vagaoutra região.
"Eu queria estudaruma universidade pública. Como não passei nasSão Paulo, meus pais me disseram para optar por universidades que fossem mais próximasSão Paulo, para que não ficasse muito longe deles. Optei pela UFF", explica a jovem, que sempre estudouescola particular.
O paiMaria Luiza é empresário e a mãe, professoraioga. Eles são os responsáveis por arcar com as despesas da filhaNiterói. "Me incomoda saber que estou dando despesas, porque sei que se eles não estariam gastando tanto comigo se ainda estivéssemos morando juntos", afirma a jovem.
Na nova fase da vida, a estudante relata que a saudade que sente dos pais, que neste ano se mudaram para Sorocaba (SP), é uma das maiores dificuldades. Ela os visita a cada dois meses. "Foi muito difícil sair da casa deles, principalmente no começo. Mas acabei me adaptando", afirma ela, que morauma república com outras seis jovens.
Desemprego piora entre os jovens
Chegar à universidade não é sinônimoemprego garantido, mas pode levar a uma renda 2,5 vezes maior do que alguém com ensino médio, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, ou "clube dos países ricos").
Diferenças metodológicas não permitem comparações entre as taxasdesemprego registradas2000 e 2019, segundo o IBGE, mas quem nasceu no país há 19 anos viu a taxadesemprego cair gradativamente por uma década (2004-14) até o início da pior recessão econômica desde 1989.
Em 2010, o paiThiago foi demitido do postogerentevendasCuritiba. A família chegou a enfrentar algumas dificuldades, mas havia mais postos abertos do que hoje e ele se recolocou relativamente rápidouma cidade no interior paulista, Valinhos, para onde mudou a família inteira.
Nessa crise econômica recente, um brasileiro que perdia o emprego demoravamédia cercaoito meses para se recolocar — um mês a mais que no período pré-crise. O país, que agora vive uma lenta retomada econômica, fechou o ano2018 com taxadesocupação12,3%, ou 12,8 milhõesbrasileiros.
Uma característica do desemprego no Brasil, desde décadas anteriores, é atingir mais comumente os mais jovens. No terceiro semestre deste ano, 25,7% dos jovens18 a 24 anos estavam sem emprego, mais que o dobro do índice geral. Em novembro, o governoJair Bolsonaro criou um programa (Emprego Verde e Amarelo) para atacar esse flanco, ao reduzir a tributaçãoempresas que contratarem trabalhadores18 a 29 anos no primeiro emprego.
No fim2017, logo após concluir o ensino médio, Thiago passou três mesesbuscaum emprego. Ele conta que conseguiu uma vagavendedoruma loja somente após ser indicado por um conhecido, no começo2018. Naquele ano, passou quase os 12 meses trabalhando. Grande parte do salário que recebia era usada para pagar um cursinho pré-vestibular. "Precisava trabalhar para que pudesse me preparar para conseguir uma vaga na Unicamp."
"Eu trabalhava o dia inteiro, até as 18h. Depois, pegava um ônibus lotado para fazer o cursinho, que começava às 19h. Era bem corrido. Após a aula, chegavacasa e ficava até umas 2h da madrugada estudando, porque durante o trabalho não conseguia estudar", relata.
Ele saiu do emprego um mês antes do Enem, conseguiu uma vaga na Unicamp e hoje se dedica integralmente à universidade. Thiago conta que a conquista foi uma grande felicidade para a família. O único irmão dele, cinco anos mais velho, cursa Engenharia Ambiental na mesma instituição.
Thiago e o irmão moram com o pai, que é gerentevendas, e com a mãe, que é donacasa. O patriarca é o responsável pelo sustento da família. Para ter uma renda própria, Thiago, que anos atrás fez curso técnicoEletrônica, faz painéis luminosos junto com um amigo. Em geral, os serviços são feitos pelo jovem quando há tempo livre na universidade. "Mas não são todos os mesesque aparece serviço", diz o estudante.
Violência mata mais os jovens
A faltaemprego e a educação pública precária se refletem no aumento da violência, segundo a professora Marta Teresa Arretche, da USP.
"No contexto da crise econômica, da expansão da desigualdade e da pobreza, os jovens têm sido mais penalizados. Isso fornece espaço para o crescimento do crime organizado, que se torna uma alternativaocupação, pois oferece renda e ganhos rápidos para os jovens menos qualificados."
Segundo o Atlas da Violência 2019, mapeamento das mortes violentas no país feito pelo Ipea (InstitutoPesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum BrasileiroSegurança Pública (FBSP), o Brasil é um dos países mais perigosos para os jovens.
Foram registrados 65.602 homicídios2017. O número equivale a 31,6 mortes para cada 100 mil habitantes — a Organização MundialSaúde (OMS) considera epidêmicas taxashomicídio superiores a 10 homicídios a cada 100 mil habitantes.
Uma reportagem da BBC News Brasiljunho deste ano apontou que, se levarmosconta apenas os dados da violência contra os jovens, o cenário se torna ainda mais preocupante: entre os homicídios no Brasil2017, mais da metade — ou 35.783 — vitimaram pessoas entre 15 a 29 anos, o que leva o Ipea e o FBSP a falaremuma "juventude perdida por mortes precoces".
Considerando-se apenas essa faixa etária, a taxa brasileirahomicídios por 100 mil habitantes sobe para 69,9. É equivalente à taxahomicídios (70) que o Haiti, país mais pobre das Américas, registrou nessa faixa etária2015, segundo o dado mais recente da OMS.
Há riscos também para os jovens no trânsito. Segundo a ONU, os acidentes representam a maior causamortepessoas15 a 29 anostodo o mundo. No Brasil, foram registradas 35,3 mil mortes no trânsito2017, dado mais recente, das quais 36,75% das vítimas eram homens20 a 39 anos.
O futuro
Apesardados pouco animadoresrelação ao futuro, como os altos índicesdesemprego eviolência, os jovens dizem tentar manter as esperanças, ainda que esparsas. Para Arretche, um dos maiores desafios do Brasil atualmente é melhorar a qualidade da educação e a inclusão dessa faixa etária no mercadotrabalho. "A juventude tem sido o setor da sociedade brasileira que tem sido mais atingido pela crise e é importante incluí-la", diz a estudiosa.
Thiago se mostra pouco esperançosorelação ao futuro do Brasil. "Estou vendo que o país está regredindovários aspectos", diz o rapaz. Ele se mostra contrário à plataforma do presidente Bolsonaro, mas afirma não acompanhar muito as notícias sobre política.
Maria Luiza também faz críticas ao presidente, mas diz não ser muito atenta à política. "Ele se mostra, por meio dos comentários que faz, a favordiferentes tiposviolência, como o machismo, o racismo a homofobia. Mas acredito que ele sozinho no poder não é o problema, ele é apenas a ponta do iceberg", afirma.
Em meio às reflexões sobre o futuro do Brasil, os jovens nascidos1ºjaneiro2000 fazem os planos para os seus próximos anos. Thiago quer conhecer o mundo, se formarengenharia e usar os conhecimentos para trabalhar com automobilismo. "Gosto muito dessa área. Uma das minhas atividades preferidas é andarkart", diz.
Maria pretende seguir carreira acadêmica. "Quero ser professora, conseguir estabilidade financeira, poder ajudar os meus pais no que eles precisarem, ajudar causas sociais e viajar bastante", conta.
Uma característica se assemelha entre os jovens nascidos2000 e as gerações anteriores: a vontademudar o mundo. "Dizem que os nascidos nos anos 2000 são muito novos e já querem dominar o mundo. Mas eu não vejo assim. Acho que a minha geração enxerga formas para melhorar o planeta. O mundo passa por uma época meio estranha, onde há pessoas querendo reviver coisas antigas e ruins. Penso que minha geração nasceutemposmudanças, temos visões diferentes dos mais velhos e podemos melhorar muita coisa", afirma Thiago.
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