'Doutor é quem tem doutorado': os médicos e advogados que preferem não ser chamadosroleta de timedoutores:roleta de time

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, 'É um título que deve ser usado somente no ambiente acadêmico', diz a ginecologista Melania Amorim, que tem doutorado

Nem sempre o pedido da profissional é atendido, pois, segundo ela, a tradiçãoroleta de timeutilizar o termo para denominar os médicos faz com que muitos pacientes não consigam.

"Eu não vou fazer uma confusão enorme com os pacientes, porque eles já vêmroleta de timedeterminada cultura, com determinados saberes populares. Se a pessoa continuar chamandoroleta de timedoutor, tudo bem. De todo modo, é importante fazer a defesa do fim do uso do doutor e explicar sobre o assunto para tentar construir uma nova cultura", declara a médica.

Ela conta que poucos médicos pedem para não ser chamadosroleta de timedoutores. "Eu diria que a minoria aderiu a isso, porque a maioria não participa dessa discussão, apesarroleta de timeser um tema meio antigo", afirma.

Melania admite que é um assunto polêmico e discutir sobre ele é arrumar problemas dentro da própria classe médica. Mas ela acredita que o númeroroleta de timeprofissionais que queiram deixarroleta de timeser "doutores" para os pacientes pode aumentar com o passar dos anos.

Outra área na qual é comum que os profissionais sejam chamadosroleta de timedoutores, mesmo sem doutorado, é o Direito. No segmento, também há profissionais que pedem para não ser chamados dessa forma, como a promotoraroleta de timeJustiça Maísa Oliveira, que atua na Defesa da Cidadaniaroleta de timeOlinda (PE).

Crédito, Priscilla Buhr/AMCS

Legenda da foto, A promotoraroleta de timeJustiça Maísa Oliveira, que atua na Defesa da Cidadaniaroleta de timeOlinda (PE): 'Acho que o respeito pode ser expressadoroleta de timeoutras formas, sem a utilização desse termo'

Maísa, cuja árearoleta de timeatuação tem contato direto com a população na busca por melhorias na prestaçãoroleta de timeserviços, afirma que tem uma relação conflitante com o fatoroleta de timeser chamadaroleta de timedoutora. "Não sou doutora, porque não fiz doutorado. Mesmo que tivesse feito, não faria questãoroleta de timeser chamada assim. Acho que o respeito pode ser expressadoroleta de timeoutras formas, sem a utilização desse termo", diz.

No Brasil,roleta de timeáreas como a Saúde e o Direito, outros diversos profissionais também são chamadosroleta de timedoutores — alguns, por preferência, até ostentam o títuloroleta de timecartõesroleta de timevisita ou nas redes sociais — e outros por hábito da população.

O tema desperta discussões. Especialistas afirmam que devido à tradição, não é errado chamar médicos e advogadosroleta de timedoutores. Porém, frisam que não pode haver imposição para o uso do termo, pois na legislação brasileira não há nenhuma norma que determine que qualquer profissional sem títuloroleta de timedoutorado seja chamadoroleta de timedoutor.

Um dos principais argumentos para que os advogados sejam chamadosroleta de timedoutores é uma lei promulgada no Brasil há quase 200 anos. Porém, estudiosos questionam a validade desse decreto (entenda abaixo).

Principais entidades relacionadas a advogados e a médicos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Federalroleta de timeMedicina (CFM) não possuem posicionamento oficial sobre o tema polêmico.

A origem do termo

O títuloroleta de timedoutor foi formalizado por meio das primeiras universidades criadas no mundo, no fim do século XI, na Europa. Na época, o termo era relacionado a doutoresroleta de timeTeologia ou Filosofia, que eram os professores que, após estudos, eram considerados aptos a ensinar.

"Mais tarde, a Universidaderoleta de timeBolonha (Itália), passa a formar também estudiosos do Direito Romano, que eram os legistas e recebiam o títuloroleta de timeDoutorroleta de timeLeis, que também passaram a ser professores. Eles ainda se tornaram funcionários nas cortes europeias para estudar e redigir leis e outros documentos importantes", explica a professoraroleta de timeHistória e pesquisadora Tania Bessone, da Universidade do Estado do Rioroleta de timeJaneiro (UERJ).

A partirroleta de timeentão, o títuloroleta de timedoutor passou a se popularizarroleta de timetodo o mundo. No Brasil, se tornou muito comum por meio das primeiras escolasroleta de timeMedicina, no início do século XIX. "Na época, os médicos defendiam uma tese ao fim do curso e recebiam o títuloroleta de timedoutor. Esse hábitoroleta de timechamarroleta de timedoutor surgiu nesse período, inspirado nos modelosroleta de timefaculdadesroleta de timeoutros países", comenta Melania.

Assim como no Brasil, o costumeroleta de timechamar médicosroleta de timedoutores permaneceroleta de timeoutros países. Porém, Melania afirma que é importante frisar que há distinções nas formações acadêmicas. "Nos Estados Unidos, por exemplo, há um sistema diferente. Os estudantes fazem o college (iniciação ao ensino superior) antes do cursoroleta de timeMedicina. O médico, quando se forma, recebe o Medical Doctor (MD), que é um grau", explica.

Jároleta de timerelação aos advogados, Otávio Luiz Rodrigues, professorroleta de timeDireito da Universidaderoleta de timeSão Paulo (USP), afirma que é incomum que as pessoas usem termos equivalentes ao doutorroleta de timeoutros países para identificar tais profissionais. "Eles são chamadosroleta de timeconselheiros, licenciados (que seria algo como bacharelroleta de timeportuguês) ou diretamenteroleta de timeadvogados", detalha.

O decretoroleta de timeDom Pedro 1º

No centro da discussãoroleta de timeadvogados brasileiros que afirmam que devem ser chamadosroleta de timedoutores está um decreto assinado por Dom Pedro 1ºroleta de time1827. No documento, o então imperador definiu que aqueles que concluíssem os cursosroleta de timeciências jurídicas ou sociais no Brasil poderiam ser considerados doutores. Assim, o uso do termo doutor se tornou cada vez mais popular.

A queda do império, as mudanças na legislação do país e todas as alterações no Brasil desde 1827 não são considerados argumentos válidos para muitos que defendem que advogados ainda são, oficialmente, doutores. Isso porque justificam que o decretoroleta de timeDom Pedro 1º nunca foi revogado.

Segundo Otávio Rodrigues, no entanto, o decreto não tem validade atualmente. "Não houve revogação expressa do decreto. Mas pelas legislações posteriores, que trataramroleta de timetítulos acadêmicos, o títuloroleta de timedoutor passou a ser concedido somente a pessoas que possuem doutorado."

"Eles não possuem prerrogativa para serem chamados assim. É apenas uma questãoroleta de timetradição,roleta de timeum costume linguístico que não foi abandonado", declara o professorroleta de timeDireito.

O tema é polêmico até mesmo entre as instituições que representam as categorias. A OAB afirma que não há posicionamento do Conselho Federal da entidade sobre o tema.

Já o Conselho Federalroleta de timeMedicina (CFM) justifica que o "tratamento doutor com relação ao médico resultaroleta de timeuma tradição cultural". A entidade afirma que a decisãoroleta de timechamar um médicoroleta de timedoutor depende do tiporoleta de timerelação estabelecida entre o profissional e o paciente e "pode variarroleta de timefunção do grauroleta de timeproximidade, do temporoleta de timeconvívio e da diferençaroleta de timeidade" entre eles.

O CFM afirma que não há uma imposição para o uso do termo, mas também não há uma restrição. "Tudo deve acontecer dentroroleta de timeum ambienteroleta de timerespeito e cordialidade", conclui nota encaminhada à BBC News Brasil, assinada pelo vice-presidente da entidade, Donizetti Giamberardino.

'Não sou doutor'

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Aviso serve também como uma formaroleta de time'quebrar o gelo' no atendimento, diz o defensor público Renan Reis

Os profissionais que comumente são chamadosroleta de timedoutores e não querem ser definidos assim dizem que é complicado explicar a questão ao público.

"Prezados, o nome do defensor público é Renan. Não é doutor. Não é excelência. Não é senhor. É, simplesmente, Renan", diz um papel colado na porta da sala do defensor público Renan Reis, que atuaroleta de timeCodó (MA). Segundo ele, foi uma medida tomada para demonstrar que não existe relaçãoroleta de timehierarquia entre ele e as pessoas que atende.

"Esse aviso serve também como uma formaroleta de time'quebrar o gelo' no atendimento, porque as pessoas já chegam perguntando por que não quero ser chamadoroleta de timedoutor. Explico que estamos ali para ajudar, que somos iguais. Percebo que isso deixa a pessoa mais à vontade para contar seu caso", comenta o defensor público.

Para tentar humanizar o atendimento àqueles que o procuram, passou a usar roupas mais leves. Ele deixouroleta de timelado o terno, pois acredita que, assim como a retirada do "doutor", a mudança da vestimenta também colabora para melhorar o diálogo com o público que o procura.

"Durante os atendimentos, utilizo roupas mais casuais, como calça jeans e camisa polo, ou mesmo camiseta da própria Defensoria. Isso gera maior conexão com as pessoas", comenta.

Três anos atrás, Renan viuroleta de timeposturaroleta de timeinovar no atendimento ao público repercutir na internet. Isso porque uma fotografia com o aviso que consta na porta da sala dele viralizou nas redes sociais.

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Para tentar humanizar o atendimento àqueles que o procuram, Renan deixouroleta de timelado o terno que usava, pois acredita que, assim como a retirada do 'doutor', diz Renan

"Recebi inúmeras mensagensroleta de timepessoas compartilhando o aviso. Ao mesmo temporoleta de timeque achei interessante a repercussão, gerou um bom debate", conta. Ele revela que ficou surpreso ao notar que muitas pessoas defendem o uso do termo "doutor" no cotidiano.

"Fiquei um pouco desapontado de,roleta de timepleno século 21, ainda termos tantas formalidades que criam barreiras no relacionamento entre as pessoas."

Diferenteroleta de timeRenan, a promotora Maísa Oliveira, apesarroleta de timenão querer ser chamadaroleta de timedoutora, não costuma pedir para que não a chamem dessa forma. "Penso que corrigir as pessoas ou pedir que me chamemroleta de timeoutro modo pode gerar constrangimento. Então, não me importoroleta de timeser chamada assim. Mas sempre me apresento apenas com o meu nome. Em ambiente profissional, também cito o meu cargo, o que faz,roleta de timemuitos casos, com que as pessoas logo me chamemroleta de timedoutora."

"Deixo a pessoa à vontade para me chamar como achar melhor. Já me chamaramroleta de timetantas formas... 'dona promotora', por exemplo, acho que foi o mais curiosoroleta de timetodos. Penso que o ambiente jurídico já gera tensão nas pessoas, porque elas buscam a Justiça quando precisam solucionar um problema, por isso já chegam angustiadas e preocupadas. Não acho que a maneiraroleta de timetratar, desde que com respeito, seja uma grande questão. E eu também gosto muito do meu nome, então não há desrespeito algumroleta de timeme chamar somente por ele", completa Maísa.

A promotora, que conta ter seguido carreira no Ministério Público por se identificar com a atuação social do órgão, considera que muitos profissionais da árearoleta de timeDireito querem ser chamadosroleta de timedoutores por acreditarem que seja uma formaroleta de time"distinção social".

"Acredito que (a funçãoroleta de timeadvogado) é uma profissão historicamente valorizada comoroleta de timeum status superior, como Medicina ou Engenharia. Mas hojeroleta de timedia isso não faz mais sentido. Quando pensamos na importância do conjuntoroleta de timesaberes da humanidade, que precisam se comunicar e se complementar, acaba perdendo o sentido valorizar mais este ou aquele profissional", diz Maísa.

'Não existe certo ou errado'

O cirurgião Rodrigo Cabral acredita que não existe um modo correto ou erradoroleta de timechamar um médico. "Não tenho problemaroleta de timeser chamadoroleta de timedoutor, apesarroleta de timenão ter doutorado. Mas, do fundo do meu coração, prefiro que me chamem pelo meu nome ou sobrenome. Nem todos que chamamroleta de timedoutor sabem o seu nome. O respeito não está no termo doutor, mas no carinho do reconhecimento. Afinal, sou Rodrigo Cabral desde que nasci e me tornei médico há apenas 17 anos", diz.

Ele avalia que o fatoroleta de timemuitos médicos pedirem para ser chamadosroleta de timedoutores ou se definirem desta forma pode parecer egocentrismo. "Existe um status que acompanha cada formalizaçãoroleta de timetratamento. Isso não me incomoda, por isso não preciso ser chamadoroleta de timedoutor. Nascemos do pó e ao pó voltaremos", afirma o médico, que atuaroleta de timeSão Paulo (SP).

A endoscopista Giuliana Florenzano também não faz questãoroleta de timeser chamadaroleta de timedoutora. Ela justifica que seu objetivo ao cursar medicina foi cuidar das pessoas e, por isso, considera fundamental estabelecer uma relação confiança com os pacientes. Para isso, pede para ser chamadaroleta de timeGiu.

"Não me incomodoroleta de timeser chamadaroleta de timedoutora no consultório, porque sei que é uma questão cultural. Mas prefiro que me chamemroleta de timeGiu. Mesmo que tivesse feito doutorado não exigiria ser chamadaroleta de timedoutora", diz a médica.

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Giuliana se incomoda quando é chamadaroleta de timedoutora fora do consultório,roleta de timeTaubaté

Giuliana comenta que o principal incômodo referente ao termo doutora surge quando é chamada assim fora do consultório. "Como mororoleta de timecidade pequena, me chamam assim mesmo fora do trabalho, como na farmácia ou na portaria da minha casa", relata a médica, que moraroleta de timeTaubaté (SP). Ela conta que precisa pedir várias vezes até que as pessoas se acostumem a chamá-laroleta de timeGiu.

"Acredito que muitos médicos querem ser chamadosroleta de timedoutores porque se sentem respeitados assim. Para muitos, é uma formaroleta de timereconhecimento. Mas eu acredito que existem dois itens que podem dar respeito ao médico: conhecimento técnico e bom atendimento. Sendo assim, ser chamadaroleta de timedoutora não me soa importante", declara Giuliana.

Lembreteroleta de timefaixa na colaçãoroleta de timegrau

Para alguns profissionais, a crençaroleta de timeque não precisam ser chamadosroleta de timedoutores surgiu durante a universidade ou logo no início da carreira. Durante a colaçãoroleta de timegrau do advogado Daviroleta de timeSousa Oliveira,roleta de timejaneiroroleta de time2018, dois amigos levaram uma faixa com a mensagem: "Parabéns, Davi! Mas lembre-se: doutor é quem tem doutorado".

"Eu vi essa faixa quando fui chamado ao palco para pegar o canudo e eles a levantaram. Achei engraçado, mas segurei o riso naquele momento. A intenção deles era me constranger. Mas eles sabem que nunca fiz questãoroleta de timeser chamadoroleta de timedoutor, porque não acho necessário", diz o advogado, que se formouroleta de timePalmas (TO), na Universidade Estadual do Tocantins, e hoje moraroleta de timeBlumenau (SC).

Hoje, atua na área cível e trabalhista e costuma pedir para que os clientes o chamem diretamente pelo seu nome. "Quando o cliente tem que chamar o advogadoroleta de timedoutor, cria-se uma barreira. Alguns entendem como uma formaroleta de timerespeito, mas eu vejo como um distanciamento", declara.

"Os clientes mais jovens preferem chamar pelo nome diretamente. Já os mais velhos têm mais dificuldade e, mesmo que eu diga que não é necessário, continuam me chamandoroleta de timedoutor", conta.

Discussão relevante

Melania acredita que a discussão sobre o uso do termo doutor é um tema importante. Ela revela que passou a se questionar sobre o tema ainda na faculdade, quando um professor falou sobre o distanciamento gerado ao chamar um médico desta forma.

"Esse meu professor dizia que nossa principal função era corresponder aos anseios da população tão pobre e oprimida", diz.

"Não é uma batalha formal. O que me irrita, é quando a pessoa força issoroleta de timeser doutor para reproduzir essa hierarquiaroleta de timeuma relação que vem se mantendo há muito tempo, na qual o paciente estároleta de timeuma posição submissa", afirma.

Ela é professora na Universidade Federalroleta de timeCampina Grande e costuma comentar sobre o assunto com os alunos. "Explico isso para meus alunos e para os meus residentes, porque acho que como formadoraroleta de timeopinião, posso mudar a mentalidaderoleta de timevários. Mas a resistência dos 'doutores' já formados é bastante grande, porque sempre vêm com a históriaroleta de timeque estudaram e sofreram muito e fazem questãoroleta de timeserem chamados assim."

A médica cita que o termo também está presente nas ruas e é usado, principalmente, pelos mais pobres para definir os que consideram como superiores. "A população é muito subserviente por toda uma questão que remete à escravatura. São séculos e séculosroleta de timeopressão que as elites vêm exercendo sobre a população. Por isso, as pessoas que estãoroleta de timeposiçõesroleta de timeservir nas ruas ou nas praças, como flanelinha, o frentista ou o garçom, vão chamarroleta de timedoutor com a maior naturalidade do mundo", declara Melania.

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