Desmatamento dispara no Xingu, um dos principais 'escudos' da Amazônia:

Bacia do rio Xingu

Crédito, Planet Labs

Legenda da foto, Porção sul da bacia do Xingu,Mato Grosso,imagemsatélitejunho; região serve como corredor ecológico e barreira para o avanço do agronegócio na Amazônia

Quando se compara o desmatamentomaio e junho no Xingu com o do bimestre anterior, o aumento foi81% para toda a bacia e405% para unidadesconservação.

Garimpoouro

Crédito, ISA

Legenda da foto, Garimpo ilegalouro na Terra Indígena Kayapó, no Pará; atividade se tornou principal vetordesmatamentoáreas protegidas do Xingu

Política ambientalBolsonaro

É normal que o índicedestruição cresça no meio do ano, quando o clima mais seco facilita as derrubadas, mas o tamanho do aumento foi considerado alarmante pelos autores do estudo.

Para eles, o crescimento se explica por ações do governo Jair Bolsonaro que fragilizaram o combate a crimes ambientais e por declarações do próprio presidente que estariam encorajando atividades ilícitas, especialmente o garimpo.

Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, têm pregado uma mudança na política ambiental que reduza a ênfasepunições e considere o impacto econômicoatividades nocivas à natureza.

"O que acontece hoje no Brasil, infelizmente, é o resultadoanos e anos e anosuma política pública da produçãoleis, regras,regulamentos que nem sempre guardam relação com o mundo real", disse Salles numa reunião com madeireirosRondônia,julho.

Bacia do rio Xingu

Crédito, Xngu+

Legenda da foto, Bacia do Xingu, no Pará e Mato Grosso (trechoamarelo corresponde às áreas protegidas)

Há duas semanas, a BBC News Brasil publicou uma reportagem sobre o avanço do garimpo ilegalterras indígenas da Amazônia2019. Uma das áreas mais impactadas pela atividade fica na bacia do Xingu, a Terra Indígena Kayapó.

Bolsonaro defende liberar a mineraçãoterras indígenas e costuma dizer que "o índio não pode continuar sendo pobrecimaterra rica". A medida dependeaval do Congresso.

Várias das principais associações indígenas brasileiras são contrárias à atividade, temendo seus impactos sociais e ambientais.

Segundo os autores do Sirad X, "o garimpo tem se destacado como o principal vetor do desmatamento"áreas protegidas do Xingu.

Território Indígena do Xingu

Crédito, Funai

Legenda da foto, O Território Indígena do Xingu abriga algumas das áreas mais preservadas da bacia

Quem desmatou mais

Altamira (PA), onde fica a hidrelétricaBelo Monte, foi o município da bacia que mais desmatou, com 18 mil hectaresfloresta destruídosmaio e junho.

O Pará foi responsável por 82% do desmatamento ocorrido na bacia no bimestre, enquanto o Mato Grosso respondeu por 18%.

A unidadeconservação mais impactada foi a ÁreaProteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no Pará, palco38%todo o desmatamento ocorrido na baciamaio e junho.

Segundo o boletim, a reserva já perdeu 36%suas florestas, o que os autores atribuem à "ausênciazoneamento que defina as áreas destinadas à conservação" e à "faltaoperaçõesfiscalização e monitoramento ambiental in loco".

A BBC questionou o Ibama e o ICMBio sobre o aumento nos índicesdesmatamento no Xingu e sobre as críticas à postura do governo quanto a crimes ambientais. Não houve respostas.

Questionada23julho sobre o aumento do garimpoterras indígenas, a Funai respondeu oito dias depois. Em nota, o órgão diz ter apoiado 444 ações preventivas oufiscalização241 terras indígenas entre janeiro e julho2019 - e que tem buscado ampliar suas parcerias com órgãos ambientais e policiais estaduais.

"Para tal, está sendo realizado um conjuntoreuniões junto ao Ibama, à Polícia Federal, às Secretarias EstaduaisSegurança Pública, entre outros. Tais esforços já foram realizados nos EstadosRondônia, Roraima, Pará e Mato Grosso", diz a Funai.

Importância para zoologia

Para Miguel Trefaut Rodrigues, professorzoologia da USP e um dos maiores especialistasrépteis e anfíbios do mundo, a bacia do Xingu tem uma importância central nos estudos sobre a dispersão e diferenciaçãoespécies que habitam as florestas brasileiras.

Isso porque a região engloba alguns dos últimos trechos preservados onde o bioma amazônico se encontra com o Cerrado - áreas que no passado provavelmente serviram como corredores para espécies que se deslocavam entre a Mata Atlântica e a Amazônia, tornando-as ambientes megadiversos.

Trefaut diz que entender como se deu esse deslocamento é um dos maiores desafios da zoologia moderna - mas que os estudos, ainda incipientes, dependem da preservação da mata.

"Derrubar essa área vai acabar com os resquícios e evidênciascontato (entre a Amazônia e a Mata Atlântica) que houve no passado", ele afirma à BBC.

O zoólogo diz ainda que, quando um trecho da floresta é desmatado, há um impacto irreversível para a fauna daquele ponto, pois a grande maioria das espécies não tolera as temperaturas mais altasambientes sem cobertura vegetal.

"A fauna vai embora: desaparecem todos os roedores, lagartos, sapos, cobras e a maior parte das aves. Um ou dois bichinhos podem tolerar ambientes abertos, mas a maior parte dos bichos amazônicos some para sempre."

raya

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