Por que o futuro do agronegócio depende da preservação do meio ambiente no Brasil:bonus afun

Crédito, Paulo Whitaker/Reuters

Legenda da foto, Desmatamento afeta o regimebonus afunchuvas e o clima local e no continente como um todo

Eles dizem as notícias sobre o setor ambiental no Brasil não são animadoras: se o ritmobonus afundesmatamento na Amazônia continuar como está, atingiremosbonus afunpouco tempo um nívelbonus afundevastação sem volta. Junho foi o mês com mais desmatamento na Amazônia, 920,4 km², desde o início do monitoramento com sistemabonus afunalerta pelo Inpe (Instituto Nacionalbonus afunPesquisas Espaciais),bonus afun2015. Foi um aumentobonus afun88%bonus afunrelação ao mesmo mês no ano passado.

Ao mesmo tempo, as pressões e cobranças internacionais chamam atenção para a agenda ambiental do governo Bolsonaro, que tem flexibilizado a legislação ambiental e diminuído a fiscalização.

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Legenda da foto, A Floresta Amazônica é questão central no debate ecológico internacional

Crise iminente

Atualmente, o agronegócio é responsável por 21,6% do PIB brasileiro, segundo o Ministério da Agricultura.

Preocupados com questões como logística, estrutura e desafios comerciais como o vaivém das commodities no mercado internacional, a questão da sustentabilidade acaba não sendo prioridade para o setor como um todo.

"A questão da sustentabilidade, no sentido amplo, é uma preocupação. Masbonus afunprimeiro lugar vêm a estrutura e a logística e as questões comerciais", afirma o agrônomo Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura (2003-2006) e coordenador da áreabonus afunagro da Fundação Getúlio Vargas.

No entanto, os riscos gerados pela devastação ambiental na agricultura são uma ameaça muito mais iminente do que se imagina, segundo o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa.

Alguns estudos, como um feito por pesquisadores das Universidades Federaisbonus afunMinas Gerais e Viçosa, projetam perdasbonus afunprodutividade causadas por desmatamento e mudanças climáticas para os próximos 30 anos. Outros não trabalham com tempo, mas com nívelbonus afundevastação, como o estudo Efeitos do Desmatamento Tropical no Clima e na Agricultura, das cientistas americanas Deborah Lawrence e Karen Vandecar, que afirma que quando o desmatamento na Amazônia atingir 40% do território (atualmente ele estábonus afun20%), a redução das chuvas será sentida a maisbonus afun3,2 mil kmbonus afundistância, na bacia do Rio da Prata.

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Legenda da foto, O agronegócio corresponde a maisbonus afun20% do PIB brasileiro

Para Assad, que também é professor da FGV Agro e membro do Painel Brasileirobonus afunMudanças Climáticas, os efeitos da destruição do ambiente e das mudanças climáticas já começam a ser sentidos.

Ele cita, por exemplo, o relatório da Associação dos Produtoresbonus afunSoja (Aprosoja) que mostra a perdabonus afunmaisbonus afun16 milhõesbonus afuntoneladas na safrabonus afunsoja deste ano devido a seca que atingiu as principais regiões produtoras desde dezembro. "Já há evidênciasbonus afunque as mudanças climáticas aumentaram o númerobonus afuneventos extremos, como secas e ondas e calor", afirma Assad.

Há duas ameaças principais, segundo Lawrence e Vandecar. A primeira é o aquecimento global, que acontecebonus afunescala global e que é intensificado pelo desmatamento. A outra são os riscos adicionais criados pela devastação das florestas, que geram impactos imediatos na quantidadebonus afunchuva e temperatura, tantobonus afunnível local quanto continental.

bonus afun Deficiência hídrica e temperatura

A maior parte da produção agrícola brasileira depende das chuvas – só 5% da produção total e 10% da produçãobonus afungrãos são irrigados. Isso significa que mudanças na precipitação afetam diretamente nossa produção.

O regimebonus afunchuvas é afetado por uma sériebonus afunfatores – desde a topografia até as correntes marítimas. Um fator importante é a dinâmicabonus afunevaporação e transpiração terrestres, ou seja, a umidade produzida pela respiração das árvores e plantas, explica o agrônomo da USP Gerd Sparovek, professor da Esalq (Escola Superiorbonus afunAgricultura Luizbonus afunQueiroz) e presidente da Fundação Florestal do Estadobonus afunSão Paulo.

Esse fenômeno, chamadobonus afunevapotranspiração, é especialmente altobonus afunflorestas tropicais como a amazônica – elas são o ecossistema terrestre que mais movimenta água, transformando a água do solobonus afunumidade no ar e diminuindo a temperatura da atmosfera sobre elas.

"Ao cortar a vegetação natural que, durante o ano inteiro joga água na atmosfera, umas das principais consequências é a formaçãobonus afunmenos nuvens no período seco", explica Assad, da Embrapa. "Um estudo que acabamosbonus afunfinalizar mostra um aumento significativobonus afundeficiência hídrica do Nordeste ao Centro-Oeste", diz.

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Legenda da foto, A destruição da vegetação nativa e as mudanças climáticas vão prejudicar diretamente o agronegócio no Brasil.

Isso afeta as chuvas potencialmente até no Sudeste, já que há correntesbonus afunar que normalmente empurram essas nuvens para sul.

A destruição da vegetação nativa afeta até a duração das temporadasbonus afunchuvas e estiagem, segundo o estudobonus afunLawrence e Vandecar, que faz uma revisão da literatura científica e foi publicadobonus afun2014 na revista Nature.

O corte da vegetação nativa também altera a temperatura e clima local, e potencialmente também obonus afunregiões mais distantes, explica Sparovek, da Esalq. "As alterações, nesse caso, são sempre desfavoráveis."

E isso vale não só para a Amazônia: a remoção do Cerrado, onde hoje se encontra a principal expansão da fronteira produtiva, também eleva a temperatura local.

Esse problema é reforçado pelo aquecimento global, que torna o clima mais instável e aumenta a frequênciabonus afunextremos, como ondasbonus afuncalor e estiagens e chuvasbonus afunexcesso. E o desmatamento só intensifica esse processo.

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Legenda da foto, Risco para o agronegócio é maior quando altas temperaturas são concomitantes com períodosbonus afundiminuição das chuvas

O risco para o agronegócio é especialmente grande quando altas temperaturas são concomitantes com períodosbonus afundiminuição das chuvas – isso diminui a produtividade das lavouras e pode comprometer safras inteiras, diz o biólogo.

Um efeito adicional do comprometimento da disponibilidadebonus afunágua tem a ver com a produçãobonus afunenergia elétrica, que também é importante para o agronegócio, aponta Sparovek. Um clima mais seco ou maiores períodosbonus afunestiagem podem comprometer a vazão dos rios e dos reservatórios, afetando diretamente a produçãobonus afunenergia, já que nossa matriz energética é embonus afunmaioria dependentebonus afunhidroelétricas.

Perdabonus afunárea produtiva

A retirada total das florestas também gera outros problemas relativos aos recursos hídricos além da chuva, explica o biólogo Jean Paul Metzger, professor da USP e doutorbonus afunecologiabonus afunpaisagem.

A retirada da vegetação nativa retira a proteção do solo, que não é reposta mesmo se a área virar uma plantação, já que as raízes das plantas cultivadas são muito superficiais. O solo cultivado também tem pouca permeabilidade.

Isso dificulta a infiltração da água no solo, o que gera dois problemas. Um é a faltabonus afunreposição da água nos lençóis freáticos. A outra, é um processobonus afunerosão e poluição dos rios.

"A chuva vai escoando superficialmente e levando o solo junto, há uma perda da camada mais fértil, vai tudo para o rio" diz Metzger. "E a partirbonus afunum certo momento você não tem como reverter, há uma perdabonus afunárea produtiva via erosão."

A melhor formabonus afunevitar esse processo é manter a vegetação nativa – inclusive nas propriedades rurais, onde a cobertura florestal pode fazer uma filtragem das enxurradas antesbonus afunchegarem ao rio. Metzer aponta que as propriedades produtivas devem ter cercabonus afun30%bonus afuncobertura florestal, na média, para que o ciclo hidrólógico e os chamados serviços ambientais funcionem normalmente.

Serviços ambientais são benefícios trazidos ao cultivo pelo ecossistema, como, por exemplo, a polinização e o controle naturalbonus afunpragas.

Crédito, Larissa Rodrigues

Legenda da foto, O processobonus afunrespiração e transpiração das árvores afeta diretamente o regimebonus afunchuvas

"Paisagens onde há produção agrícolabonus afundesequilíbrio com o ambiente são poucos favoráveis à produção. Os inimigos naturais das pragas e doençasbonus afunplantas desaparecem, e a produção passa a depender cada vez maisbonus afunagrotóxicos", diz Sparovek, da Esalq.

Daí, dizem os pesquisadores, vem a importância da manutenção das reservas legais – áreasbonus afunmata nativa dentrobonus afunpropriedades rurais cujo desmatamento é proibido por lei. O índicebonus afunproteção exigido ébonus afun80% na Amazônia,bonus afun35% no Cerrado ebonus afun20% nos outros biomas.

O assunto estevebonus afunpauta nos últimos meses, graças a um projeto do senador carioca Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, que quer acabar com as reservas legais, citando o "direito à propriedade". Pela Constituição, no entanto, nenhum direito à propriedade é absoluto no Brasil – a construçãobonus afunpropriedades urbanas, por exemplo, fica restrita às leisbonus afunzoneamento municipais.

Agrotóxicos

O uso indiscriminadobonus afunagrotóxicos também é um problema ambiental que acaba se voltando contra o próprio agronegócio.

Ele afeta principalmente os cultivos que dependem da polinização, já que os animais polinizadores - abelhas, besouros, borboletas, vespas e até aves e morcegos – são fortemente afetados por alguns tiposbonus afuninseticidas e até por herbicidas usados contra pragasbonus afunlavouras, sofrendo desde morte por envenenamento a desorientação durante o voo.

Das 191 culturas agrícolasbonus afunproduçãobonus afunalimentos no país, 114 (60%) dependembonus afunpolinizadores, segundo o Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produçãobonus afunAlimentos no Brasil, da Fapesp (Fundaçãobonus afunAmparo à Pesquisa do Estadobonus afunSão Paulo). Em resultadobonus afunsafra, cercabonus afun25% da produção nacional é dependentebonus afunpolinização, segundo Assad, da Embrapa.

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Legenda da foto, Desmatamento e agrotóxicos prejudicam culturas que dependembonus afunpolinização

Além disso, o uso excessivobonus afunagrotóxicosbonus afunespécies resistentes se torna um problema para produtores vizinhosbonus afuncultivos que não tem a mesma resistência. Produtoresbonus afunuva do Rio Grande do Sul têm registrado milhõesbonus afunreaisbonus afunprejuízo por causa do herbicida 2,4-D, usadobonus afunplantaçõesbonus afunsoja. Ao se espalhar para as propriedades produtorasbonus afunuva, ele chegou a reduzir a colheitabonus afunuvabonus afunaté 70%, segundo produtores do Estado.

O Instituto Brasileiro do Vinho chegou a defender a proibição do uso do agrotóxico na região. O noroeste gaúcho é campeão nacional no usobonus afunagrotóxicos, segundo um mapa do Laboratóriobonus afunGeografia Agrária da USP com dados do IBGE (Instituto Brasileirobonus afunGeografia e Estatística).

Questão da Produtividade

Até hoje, olhando a série histórica, a produtividade do agronegócio no Brasil só aumentou. A produção do milho, por exemplo, subiubonus afun3,6 ton/habonus afun2009 para 5,6 ton/habonus afun2019 (previsão),bonus afunacordo com dados da Conab (Companhia Nacionalbonus afunAbastecimento).

"O aumento da produção muitas vezes é usado como argumento pra dizer que não está acontecendo nada (em termosbonus afunefeitos da mudança climática). Mas a produtividade aumenta porque antes era muito baixa, porque estamos implementando as diversas tecnologias existentes", afirma Assad, que também é membro do Painel Brasileirobonus afunMudanças Climáticas. "O tetobonus afunprodutividade do milho, por exemplo, ébonus afun10 toneladas por hectare considerando a tecnologia existente."

Isso não quer dizer, diz ele, que os efeitos da devastação não terão um impacto na produtividade.

Segundo cálculos no modelo feito por cientistas das Universidade Federaisbonus afunMinas Gerais e Viçosa,bonus afun30 anos as perdas na produçãobonus afunsoja podem irbonus afun25% a 60%, dependendo da região, graças ao desmatamento da Amazônia.

Até a pecuária pode ser afetada, com a produtividade do pasto caindobonus afun28% a 33% e alguns lugares deixandobonus afunser viáveis para a atividade.

Expansão?

Mas por que ainda há resistênciabonus afunaceitar a visãobonus afunque a devastação do meio ambiente prejudica o agronegócio?

Segundo Sparovek, da Esalq, narrativas que defendem a necessidadebonus afunexpandir a fronteira agrícola não têm embasamento científico. Ele afirma que "quando se analisa a necessidadebonus afunexpansão do agronegócio brasileiro prevista pelo próprio setor até 2050, não se vê necessidade algumabonus afundesmatar e expandir a fronteira agrícola."

"Temos áreas abertas o suficiente para produzir a demanda projetada e ainda restaurar a vegetaçãobonus afunuma quantidade enormebonus afunterras", diz o agrônomo.

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Legenda da foto, Agrotóxicos afetam polinizadores e podem prejudicar lavouras vizinhas que não são resistentes a eles

Só na Amazônia, há 17 milhõesbonus afunhectares cortados, desmatados e abandonados, segundo Assad, da Embrapa.

Além das terras abertas existentes, há uma enorme possibilidadebonus afunincremento da produtividade atravésbonus afunimplementação tecnológica, afirma o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.

Assad, da Embrapa, afirma que soluções boas para a produção e para o ambiente – como técnicasbonus afunagriculturabonus afunbaixa emissãobonus afuncarbono e boas práticasbonus afunmanejobonus afunsolo e água – têm se tornado cada vez mais acessíveis, e que uma maior organizaçãobonus afuncooperativas agrícolas é necessária para aumentar o acesso dos pequenos produtores a tecnologias e avanços.

Sparovek afirma que a expansão da fronteira, especialmente na Amazônia, não interessa diretamente, não ajuda a produzir – especialmente com o avanço tecnológico que exige um terreno mais plano pelo tamanho e velocidade das máquinas. "Isso é uma agenda muito mais ligada à valorização imobiliária das terras e à grilagem. Quem se beneficia disso é o especulador do mercadobonus afunterras, lícito ou criminoso."

Segundo Rodrigues, o Brasil é um país gigantesco que não tem "uma agricultura ou um agricultor", mas diversos grupos com interesses diferentes. A existênciabonus afunagricultores que não têm preocupação nenhuma com sustentabilidade ou com o longo prazo é "um pouco uma questãobonus afuneducação, cultura e formação técnica adequada."

"Temos 4,4 milhõesbonus afunprodutores que seguiram o Código Florestal e fizeram o Cadastro Ambiental Rural (mecanismosbonus afunregulação das práticas agrícolas)", diz Assad. "É 1 milhãobonus afunagricultores que fazem essa confusão toda. É só um povo que produz como na idade média (que tem interesse no desmatamento)."

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