Carl von Martius, o alemão que explorou as entranhas do Brasil e 'batizou' nossa natureza:
No livro, os autores contamdetalhes os preparativos para a expediçãovon Martius e Spix,Munique, no então reino da Baviera,1815, onde viviam e eram ligados a instituições dedicadas às ciências naturais, como a Real Academia das Ciências da Baviera e o Real Jardim BotânicoMunique. Na época, governantes europeus tinham interesseenviar expedições ao Brasil, então Reino UnidoPortugal e Algarves, por razões científicas e políticas.
"Tratava-seum projeto com o qual o Estado bávaro buscava mostrar-se ao mundo como uma nação culta e fortalecida, atravésum grande feito científico: uma expedição", diz um trecho do livro. "Buscava-se conhecer e explorar um país com famosas riquezas naturais, porém ainda envoltasauréolas misteriosas, e sobre as quais as informações eram cobiçadas pelas grandes instituições europeias."
Mas um projeto desses não era fácilexecutar e tampouco barato. Apesarcontarem com o apoio do rei da Baviera Maximiliano José I, a viagem só foi concretizada1817, ainda assim porque Maximiliano, que mantinha boas relações com a Áustria, conseguiu uma carona para os dois cientistas na comitiva que levaria ao Brasil a arquiduquesa Maria Leopoldina da Áustria, para casar-se com o príncipe Pedro I, futuro imperador do Brasil.
No Brasil, meteram o pé na estrada, ou melhor, pelos rios, estradas e caminhos abertos no meio da mata densa,uma expedição que duraria os três anos seguintes, coletando, estudando e registrando tudo o que viam pela frente. Eles partiram do RioJaneiro e passaram por Estados como São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas.
Esses relatos se transformariam depois no livro Viagem pelo Brasil, onde ambos narram a jornada, que na maior parte do trajeto pode ser considerada uma aventura. Se hoje não é fácil percorrer por terra mais14 mil quilômetros Brasil adentro, imagina naquela épocaque pouco se conhecia do interior, com instrumentos precáriosorientação e sobrevivência e sem muita noção do que iriam encontrar pela frente.
No sertão nordestino, por exemplo, von Martius descreveaflição ao atravessar a caatinga seca que, segundo ele, não passavauma região pobreáguas eflorestas ralas: "cactáceasformas esquisitas defendem os seus últimos hálitosvida com espinhos venenosos, bromélias cujas folhas afuniladas às vezes escondem um mísero goleágua turva." Ele não esconde a aflição ao atravessar "caatingas medonhas" entre os rios Paraguaçu e São Francisco, no começo1818, assediado pela faltaágua dia e noite.
"Eles aprenderam a viajar viajando, sem uma rota definida e percorrendo espaços que não tinham a menor ideia da existência", explica Diener. Mas a sensibilidade do naturalista sabia diferenciar, pelo clima e tipovegetação, quando adentravamregiões diferentes, o que ajudou na composição posterior dos "reinos da flora" do país, como von Martius chamou os biomas brasileiros. Enquanto a Mata Atlântica era "exuberante e luxuosa", a floresta amazônica, porimponência, tinha uma aspecto "intimidante". Em Minas Novas,Minas Gerais, adentraramuma região"árvores baixas,galhos retorcidos e folhagem larga", que depois seria conhecida como Cerrado brasileiro.
A rota era traçadamaneira empírica eacordo com o que iam encontrando pelo meio do caminho onde, além da flora e da fauna, também travaram contato com viajantes, comerciantes, populações locais e, claro, índios, que também foram estudados.
Uma passagem curiosa da comitiva é pelo distritoBento Rodrigues,Mariana (MG), palco da tragédia ambiental ocorrida após o rompimentouma barragemdejetos minerais2015. "Seguimos para o arraialBento Rodrigues e passamos a noite num rancho, onde, mais uma vez, desfrutamos da beleza da paisagem das montanhas do Caraça", descreveu von Martius.
De volta a Munique,1820, uma das grandes preocupações dos naturalistas bávaros era catalogar e publicar o quanto antes os resultados da viagem ao Brasil. A pressa era justificada: caso demorassem, outros naturalistas europeus, que também viajaram ao Brasil na mesma época, como o francês AugusteSaint-Hilaire, poderiam comprometer o pioneirismo dos bávaros.
Em 1823, a dupla lançou o primeiro volumeViagem pelo Brasil. Outros dois volumes seriam lançados1828 e 1831, mas sem a colaboraçãoSpix, já falecido. Pelo trabalho realizado na América do Sul, os dois naturalistas foram agraciados no seu retorno com títulosnobreza e incorporaram "von" aos seu nomes. Martius, então, tornou-se von Martius.
O mais importante trabalho publicadovon Martius viria depois com a Flora Brasiliensis (Flora Brasileira), uma monumental obra dividida15 volumes e 40 partes publicados a partir1840 e dedicados à flora brasileira. Parte da edição só tornou-se viável com ajuda financeira do imperador D. Pedro II, com quem von Martius trocava correspondência e era um conhecido entusiasta das ciências naturais. No total, são 22.767 espéciesplantas reunidas, descritas e analisadas.
No decorrer dos anosque estudou o Brasil, Martius contou com o auxílio65 cientistas,vários países, para a elaboração dos volumes do Flora, cuja última parte foi publicada bem depois damorte,1906. A trocainformações e correspondência com botânicos e estudiosos, inclusive do Brasil, o ajudaram a compor o mapa dos "reinosflora", os biomas brasileiros.
"Os cientistas o ajudaram com informações sobre lugares que ele conheceu pouco ou talvez nem conheceu, como os pampas", explica Diener. "Ele tinha uma capacidade imensareunir e associar informações sobre flora, fauna, clima, hidrografia e outros elementos da natureza para uma classificação natural dos espaços, que são os biomas", completa o coautorvon Martius.
"O interesse dele era enciclopédico e estrondoso para a época. Quase metade das plantas brasileiras que conhecemos hoje no Brasil foram classificadas por von Martius", explica Diener. No inventário elaborado pelo naturalista e os cientistas que o ajudaram na elaboração do Flora, Diener destaca os mais diversos tipospalmeiras. "A palmeira é a planta que define a paisagem do que ele chamaAmérica Tropical", completa o historiador.
A grandiosidade da obravon Martius e von Spix não o livrarampolêmicas, principalmenterelação ao que eles consideravam "superioridade" do povo europeu,especialcomparação com os índios e africanos. Essa pretensa superioridade, na visão deles, era decorrente do atrasoque viviam essas populaçõeslugares como a América remota e a África. Em diversas cartas enviadas à Europa eles expõem esse eurocentrismo, algo comum entre os viajantes na época,acordo com os especialistas.
Ao longo das décadasestudos e relatórios sobre o Brasil, von Martius, segundo os estudiosos daobra, foi perdendo aos poucos esse sentimento eurocêntrico, deixando grandes contribuições para o estudo dos índios brasileiros, inclusive classificaçõesidiomas dos nativos. "A primeira classificação e organização dos gruposlínguas indígenas do Brasil foi feita por Martius", diz Diener.
"É preciso compreender o contexto da épocaque eles viviam para acreditarem nessa suposta superioridade europeia. Era muito comum os cientistas da Europa na época fazerem essa classificaçãoraças, algo que hojedia, claro, não é aceito", explica o doutorHistória da Ciência Waldir Stéfano, professor do cursoCiências Biológicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ele compara o legadovon Martius aooutro naturalista famoso, o britânico Charles Darwin (1809-1882), pai da teoria da evolução e autor do livro A Origem das Espécies. "A importânciaMartius para a botânica é a mesmaDarwin para a origem das espécies", afirma Stéfano.
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