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O que são direitos humanos e por que há quem acredite que seu propósito é a defesaroleta on'bandidos'?:roleta on
"São muitos direitos - civis e políticos, como o direito ao voto, à liberdade. E o direito ao devido processo legal", diz a advogada especialistaroleta ondireitos humanos Joana Zylbersztajn, doutoraroleta ondireito constitucional pela USP e consultora da Comissão Intramericanaroleta onDireitos Humanos na OEA (Organização dos Estados Americanos).
Para Maira Zapater, professoraroleta onDireito Penal da FGV e doutoraroleta onDireitos Humanos pela USP, "a democracia é praticamente sinônimo dos direitos humanos".
"A escolha do representante se dá pelo método da maioria. Para que essa escolha aconteça, há diversas premissas: o direito ao voto, por exemplo, e que as minorias tenham seus direitos resguardados", afirma. "É o único regimeroleta onque é possível assegurar os direitos humanos."
Direitos e impunidade
Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiroroleta onSegurança Pública,roleta on2016, apontou que 57% da populaçãoroleta ongrandes cidades brasileiras concorda com a frase "bandido bom é bandido morto". Na prática, a afirmação é uma violação aos direitos humanos. Significa que mais da metade da populaçãoroleta ongrandes cidades defende a justiça feita pelas próprias mãos, atropelando o devido processo penal do Estado democráticoroleta ondireito e defendendo o fim da vidaroleta onalguém, ou seja, violando o princípio mais básico dos direitos humanos: o direito à vida.
Zylbersztajn lembra que "uma pessoa que comete crime tem direito à defesa, ao devido processo legal, e que cumpra pena à qual ela foi julgada".
"Os direitos humanos não vão garantir impunidade, vão garantir que a pessoa tenha defesa, tenha um processo justo. Isso é difícilroleta onentender, às vezes", diz, citando os sentimentosroleta on"vingança",roleta on"não querer que criminosos tenham direitos protegidos".
"É natural para o ser humano sentir isso. Mas o Estado não pode oficializar o direitoroleta onvingança."
A proteção dos direitos humanosroleta oncriminosos garante que os direitos humanos sejam universais.
"Criminosos também têm esses direitos, o que não tiraroleta onresponsabilidade pelos crimes que cometeram. Eles têm direito à vida,roleta onnão ser torturados. Direitos humanos sãoroleta ontodos", diz Rogério Sottili, diretor-executivo do Instituto Vladmir Herzog que foi secretário nacionalroleta onDireitos Humanos nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT).
Zylbersztajn cita um estudo da Secretariaroleta onDireitos Humanos da Presidência da República feito há dez anos que mostrou que a percepção negativa dos direitos humanos era algo muito mais "vociferado" do queroleta onfato percebido dessa maneira pelas pessoas.
Ou seja, direitos humanos serem coisaroleta on"bandido" seria muito mais um discurso do que uma crença verdadeira. Quando questionadas, as pessoas identificaram direitos básicos como o que sãoroleta onfato: saúde e educação para todos, entre outros.
História
Não há consenso sobre a origem dos chamados direitos humanos. Estudiosos citam diversos momentos da históriaroleta onque determinados direitos foram reivindicados ou garantidos por diferentes grupos. Mas há alguns momentos-chave citados pela maioria.
Filósofos da Idade Média e do início da Idade Moderna já falavamroleta onseus livros que humanos tinham direitos fundamentais, explica à BBC Brasil o americano Samuel Moyn, professorroleta ondireito e história da Universidade Yale e autor do livro The Last Utopia: Human Rights in History (A Última Utopia: Direitos Humanos na História,roleta ontradução livre).
Mas ele diz que só nas revoluções que levaram à independência dos Estados Unidosroleta on1776 e a Francesa,roleta on1789, normatizaram esse conceito.
Mais citado entre todos os especialistas, o documento que organizou e internacionalizou essas normas foi a Declaração Universalroleta onDireitos Humanos,roleta on1948, da ONU, criada depois da Segunda Guerra Mundial.
"No Holocausto, não era uma verdade que todas as pessoas tinham os mesmos direitos por serem pessoas. Os homossexuais, os negros, os judeus eram considerados como não pessoas e, portanto, não tinham direito à vida. Pelo simples fatoroleta onserem quem eram, deveriam ser retirados da sociedade", diz Zapater.
"É com a Declaração Universal dos Direitos Humanos que surge a noção contemporânearoleta onque determinados direitos não podem ser retirados das pessoas por ninguém sob qualquer pretexto", afirma. "Quando a pessoa é condenada por um crime, ela tem seu direitoroleta onir e vir restringido, mas não perde outros direitos porque não deixouroleta onser uma pessoa."
Disputa ideológica
Desderoleta onsistematização, porém, os direitos humanos sempre foram disputados por diferentes forças: a progressista,roleta onum lado, e a conservadoraroleta onoutro, por exemplo.
"Em todos os lugares, direitos humanos são usados para defender minorias. Eroleta ontodos os lugares direitos humanos são então tratados retoricamente como um plano partidário", afirma Moyn.
Ele explica que a esquerda e a direita, como ideias, têm origem na Revolução Francesa, quando os direitos humanos estavam associados à redefiniçãoroleta ono que significava ser um cidadão moderno. "Muitas pessoas prefeririam viverroleta onuma sociedaderoleta onque os direitos humanos não precisassem ser garantidos, porque interferem na hierarquia da sociedade", afirma.
No século 18, diz Zapater, surge o posicionamentoroleta onque o Estado não tem o direitoroleta ontirar a vida,roleta onrestringir a liberdade religiosa ou aroleta onir e vir. A defesa dessas liberdades era encampada pela direitaroleta onseu início. "Os liberais, que falam que o Estado não deve intervir, são aqueles que historicamente defendiam o direito à liberdade" - portanto, os que, no início, defendiam direitos humanos.
O papel do Estado na garantia dos direitos humanos divide, então, os campos ideológicos.
"A esquerda, alinhada com o marxismo do século 19 e 20, diz que o Estado tem sim que realizar intervenções porque o fatoroleta onas pessoas serem iguais perante a lei não quer dizer que vão ser iguais na prática. O Estado tem que assegurar os direitos, tais quais o direito à educação, tomando determinadas medidas."
Moyn diz que atualmente a revolução se dároleta onoutra forma. "Hoje, os direitos humanos atraem uma nova formaroleta onmobilização: não a revolução política, mas a informação sem violência e o ativismo legal", afirma.
O debate no Brasil
O debate sobre a expressão dos direitos humanos chega ao Brasil no fim da ditadura militar no país (1964-1985), quando se começa a denunciar a violação dos direitos dos presos políticos, segundo Zapater. A transição da ditadura para a democracia foi o períodoroleta onque se discutiu as limitações do uso abusivo da força policial. Foi quando ativistas passaram a reivindicar a proteção aos direitos humanos dos presos políticos.
E os direitos fundamentais, da vida, das liberdades civis, segurança, o direitoroleta onnão ser acusadoroleta onforma arbitrária, tudo isso foi incorporado à Constituiçãoroleta on1988.
Como a defesa aos direitos humanos, porém, se tornou no Brasil e outros lugares sinônimoroleta ondefesa a "bandidos"?
Especialistas têm diferentes hipóteses para explicar o fenômeno.
Na visão do sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleoroleta onEstudos da Violência da USP, eroleta onZapater, da FGV, essa associação se consolidou após o fim da ditadura.
Adorno diz que durante a transição, houve "uma verdadeira explosãoroleta onconflitos" no Brasil, "homicídios associados com quadrilhas que disputavam territórios no controle do crime organizado onde habitam trabalhadoresroleta onbaixa renda e a polícia".
"Foi gerando a percepção que a democracia não era suficiente para conter a violência. Com isso, aqueles que eram herdeiros da ideiaroleta onque havia segurança na ditadura mobilizaramroleta onmaneira eficaz a ideiaroleta onque direitos humanos era para bandidos, e não para cidadãos."
A consolidação dessa associação teria se dado no fim dos anos 1980 e ao longo dos 1990.
Zapater cita o papel da imprensa sensacionalista como propagadora da mensagem. "Quando se tem a democratizaçãoroleta on1985, se libera uma sérieroleta onprogramas (de TV) sensacionalistas, que exploram crime violentos com o discursoroleta onque 'direitos humanos são direitosroleta onbandidos', reformulando a ideia que já vinha se disseminando no senso comum nos anos 1970", diz.
A mensagem transmitida, segundo ela, era a seguinte: "Se os direitos dessa pessoa que roubou, matou ou estuprou não tivessem sido defendidos, ela não estariaroleta onliberdade, não teria praticado esse crime". Apresentadoresroleta onprogramasroleta onrádio sensacionalistas comumente se elegeram para cargos comoroleta onvereadores ouroleta onprefeitos encampando esse discurso, lembra ela.
"Se elegeram falando: 'Vou colocar a Rota (gruporoleta onoperações especiais da Polícia Militarroleta onSão Paulo) na rua' para dizer 'aqui a gente não dá direitos humanos para bandido'", diz, citando frase notória do ex-prefeitoroleta onSão Paulo, Paulo Maluf, hoje presoroleta onBrasília.
O discurso é convincente, segundo ela, porque explora o medo legítimo das pessoas. A ideia é: "Vou fazer o medo e aroleta onsensaçãoroleta oninsegurança diminuir, perseguindo os bandidos".
"As pessoas não entendem que a garantiaroleta onseu direito à vida depende do direito à garantia à vidaroleta ontodos, inclusiveroleta onquem é acusadoroleta onum crime. E que muitas vezes isso vai atingir quem não é acusadoroleta oncrime."
Sottili, do Instituto Vladmir Herzog, também cita a mídia como causadora dessa percepção. "A mídia brasileira é muito elitista, e acaba produzindo uma visão que privilegia um olhar. Seu controle social estabelece que determinados grupos não devem ter direitos. Qualquer pessoa ou movimento que tente defendê-los são discriminados", afirma.
'Amadurecimento'
Mas, ao longo dos anos 1990 e 2000, observa Adorno, houve um "amadurecimento da militância dos direitos humanos" frente ao discurso vigente, que passou a tratar também "dos temas ligados à segurança e polícia, condenando o uso abusivo da força, mas dizendo que era preciso ter condiçõesroleta ontrabalho adequadas aos policiais". Ou seja: articulando interesses sociais diferentes para "construir uma sociedade com controle legal da violência".
"Isso teve um impacto muito grande e confesso que até muito recentemente considerava essa questãoroleta on'direitos humanos são para bandidos' como algo superado", desabafa.
Marielle Franco, por exemplo, foi assessora da Comissãoroleta onDireitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rioroleta onJaneiro, onde prestou auxílio jurídico e psicológico a familiaresroleta onvítimasroleta onhomicídio ouroleta onpoliciais mortos.
"Com suas bandeiras, ela defendia muito mais nossos policiais do que nós fomos capazesroleta oncompreendê-lo eroleta onfazê-lo", escreveu no Facebook o coronel Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Rio. Marielle contava ter ingressado na militância por direitos humanos depois que perdeu uma amiga vítimaroleta onbala perdida num tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré, no Rio.
Questionado sobre as "prioridades" dos defensoresroleta ondireitos humanos -acusados, muitas vezes,roleta ondefender direitos humanosroleta oncriminosos mais do que defendem direitos humanosroleta onpoliciais-, Samuel Moyn, o professor da Yale especialistaroleta ondireitos humanos, diz que "a situação normal é que a polícia receba muita atenção e as vítimas menos, então é natural que as organizaçõesroleta ondireitos humanos procurem corrigir esse desequilíbrio". "Se a balança mudasse radicalmente, as organizaçõesroleta ondireitos humanos seguiriam essa tendência", afirma.
Direitos humanos a quem, se poucos os têm?
Há outras hipóteses para a percepção negativa dos direitos humanos. Adorno, por exemplo, observa que a sociedade não conseguiu universalizar os direitos fundamentais e que isso teria aprofundado o desgasteroleta onrelação ao conceito.
"Nas democracias consolidadas, há um fundoroleta onvalores que é comum, como a vida, que é direitoroleta ontodos", diz. "A nossa é uma sociedade que não se reconhece nos direitos universais. A classe média acha que os direitos que ela desfruta são prerrogativas enquanto mérito pessoal,roleta onclasse - e isso tem vem da história das sociedades modernas, tem a ver com o liberalismo, o individualismo."
Zylbersztajn tem opinião semelhante. Primeiro, ela diz achar que há um problema básicoroleta oncomunicação. "Se as pessoas não entendem o que são direitos humanos, é porque não se está explicando direito", opina.
Ela também lembra que é difícil identificar os direitos humanos como universais se o Estado não os garante para todos. "O Estado democráticoroleta ondireito não está presente na vidaroleta ontodo mundo o tempo todo", diz. "A população não gostaroleta ondireitos humanos porque não se identifica como sujeitoroleta ondireitos humanos. Mais do que isso, ela não identifica o que são direitos."
Para Sottili, uma questão central é que "a cultura da violência é baseroleta ontodas as relações sociais" no Brasil. "Há pessoas que experimentam no seu dia a dia a discriminação, a subalternidade, o preconceito, a violência física."
Por outro lado, diz ele, quem tem uma "condiçãoroleta onvida razoável acha que seus direitos estão garantidos". "Pelo processoroleta onprivatização, ela garante seus direitos, estuda na melhor escola da cidade, tem direito à cultura porque paga por isso. A pessoa mais pobre depende da atuação do Estado."
Para Zapater, há quem não acredite na universalidade dos direitos humanos por causa do "preconceito racional e econômico que falam bem alto".
"Existe a ideiaroleta onque pessoas negras, periféricas,roleta onclasse econômica mais baixa estariam automaticamente associadas ao crime. Então garantir direitos humanos a essas pessoas significa garantir direitos humanos a bandido" - que também deveria ter seus direitos garantidos,roleta ontodo modo.
Soluções
Se a causa do problema é diferente na percepçãoroleta onespecialistas, a solução é unânime: educação.
De acordo com Sottili, "é preciso uma construção cultural, um processoroleta onlongo prazo. (...) Depois da redemocratização do Brasil, as políticas públicas foram muito intensificadas, mas não conseguiram promover uma mudança cultural que pudesse mudar a percepção dos direitos humanos. Uma culturaroleta on500 anos você não desconstróiroleta oncinco, dez anos".
Zapater defende educação sobre direitos humanos desde o início, na escola, até a formação dos operadoresroleta ondireito para que eles também conheçam melhor a questão.
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