‘Tenho medopix futebolmorrer na própria aldeia’: como ‘cacique-modelo’ da Amazônia se tornou alvopix futebolíndios madeireiros:pix futebol

Almir Suruí

Crédito, Maria Fernanda Ribeiro

Legenda da foto, Almir Suruí na Terra Indígena Setepix futebolSetembro, entre Rondônia e Mato Grosso: alertapix futebol"megainvasão"pix futebolmadeireiros ilegais e garimpeiros

O episódio na estrada é sinal do agravamento dos conflitos na TI (Terra Indígena) Setepix futebolSetembro, localizada entre Rondônia e Mato Grosso e que nos últimos anos foi considerada a grande promessapix futeboluso da tecnologia para proteger a floresta na Amazônia.

"Tenho medopix futebolmorrer. É um risco que corro a todo o momento. As pessoas acham que me matando vão poder explorar madeira numa boa. Sou alvo não só pelos madeireiros e garimpeiros, mas também pelos índios madeireiros", afirmou Almir à BBC Brasil.

Ele é um dos chefes indígenas mais viajados do país - já rodou por países distantes como Turquia e Indonésia, acumulou prêmios e distinções enquanto faz lobby por parcerias internacionais para preservar os recursos naturais na reserva dos paiter-suruís.

Almir Suruí no exterior

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Almirpix futebolato contrta barragens na Amazôniapix futebolParispix futebol2011 epix futebolencontro com príncipe Charles da Inglaterrapix futebol2009 no Reino Unido: chefe se tornou referência internacionalpix futebolprojetospix futeboldesenvolvimento sustentável na Amazônia

Nesse trabalho, costurou acordos com grandes empresas daqui epix futebolfora, ONGs ambientalistas e políticospix futebolBrasília.

Ganhou famapix futebol2008, quando fez um acordo com o Google para monitorar o desmate na terra indígena - índios ganharam celulares para registrar extração ilegalpix futebolmadeira, capturar fotos e vídeos geolocalizados e fazer upload no Google Earth.

Em 2012, os paiter-suruís se tornaram a primeira nação indígena do mundo a fechar contratos nos quais eles faturam ao evitar desmatamentospix futebolseu território - houve acordos com Natura e Fifa, que renderam ao menos R$ 1,2 milhão.

Nos últimos anos, contudo, discordâncias sobre o uso dos recursos reacenderam divisões históricas entre os suruís e situação saiupix futebolcontrole na Setepix futebolSetembro - uma áreapix futebol2,4 mil km² (ou duas vezes a cidade do Riopix futebolJaneiro) e 1,3 mil índios espalhados por 25 aldeias.

O desmate ilegal dentro da TI Setepix futebolSetembro saltoupix futebol85 hectarespix futebol2013 para 496 hectares (cercapix futebol500 campospix futebolfutebol)pix futebol2015, segundo a ONG Idesam (Institutopix futebolConservação epix futebolDesenvolvimento Sustentável da Amazônia).

Descontrole

A terra dos suruís (ou paiter, como se intitulam) ficapix futebolum dos principais focos do chamado "arco do desmatamento", regiãopix futebolque a fronteira agrícola avançapix futeboldireção à floresta e responde pelos maiores índicespix futeboldesmatamento da Amazônia.

Segundo Almir, hoje 15 das 25 aldeias da terra indígena estão envolvidaspix futebolexploração ilegalpix futebolrecursos naturais. Cinco se opõem à presençapix futebolmadeireiros e cinco estão divididas, afirma.

Exploração ilegalpix futebolrecursos na TI Setepix futebolSetembro

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Garimpo (à esq.) e extraçãopix futebolmadeira ilegais na reserva dos suruís; para Procuradoria, há riscopix futebol"descaracterização total" da área

"A floresta não precisa ser intocável, mas deve ser usada com planejamento e critério. Somos contra a forma como a madeira está sendo retirada", diz o líder dos paiter-suruís.

Índios contrários ao desmatamento estimam que 300 caminhões lotados com toraspix futebolmadeira deixem a Setepix futebolSetembro todos os meses - avaliação endossada pelo Ministério Público Federal, que acompanha o conflito na região.

As árvores mais procuradas hoje são cerejeira, cedro, ipê, caixeta, garapa e castanheira. O ipê é considerado o novo mogno, muito explorado nas décadaspix futebol1980 e 1990 e hoje praticamente extinto na floresta.

"A situação é frágil e delicada. Madeireiros assediam índios com coisas que o Estado não consegue suprir, como saúde e educação, e com outras que o Estado nem supriria, como dinheiro para carros e motos. Algumas lideranças se acostumaram com essa renda, o que torna o problema histórico", afirma o procurador da República Henrique Heck.

Histórico

De fato, a relação dos suruís com a exploração ilegalpix futebolmadeira não é nova.

Contatada pela primeira vezpix futebol1969, essa tribo amazônica chegou a perder 90% da população para a tuberculose e o sarampo antes mesmo do nascimentopix futebolAlmir,pix futebol1974.

A terra indígena foi homologadapix futebol1983, mas sofreu impacto, nos anos seguintes,pix futebolprojetospix futebolcolonização e também invasõespix futebolpequenos agricultores.

Os suruís passaram então a ser conhecidos pela vendapix futebolmadeira a extratores ilegais - situação que motivou divisões internas e desagregação social.

Almir Suruí com outros suruís na TI Setepix futebolSetembro

Crédito, Maria Fernanda Ribeiro

Legenda da foto, Almir com conterrâneos suruís; até 1969, povo ainda vestia tangas, caçava com arco e flecha e conhecia pouco do Brasil moderno

Aos 15 anos, ainda com pouco conhecimentopix futebolportuguês, Almir aceitou convite da Universidade Católicapix futebolGoiás para estudar Biologia Aplicada. Formou-sepix futebol1992 e foi eleito chefe dos Gameb (marimbondos pretos), um dos quatro clãs paiter-suruís.

Casou-se, teve filhos (três, hoje com 22, 21 e 19 anos) e passou a planejar programaspix futebolagricultura sustentável empix futebolaldeia.

"Mas líderes tribais mais velhos - a maioria com menospix futebol40 anos, como efeito das pragas devastadoras dos anos 1970 - tinham outros planos", afirma,pix futebolreferência aos interesses dos índios madeireiros, o jornalista americano Steve Zwick, que trabalhapix futeboluma biografiapix futebolAlmir.

Ao final dos anos 1990 Almir Suruí já era um líder indígena conhecidopix futebolRondônia. Gradativamente, começou a trabalharpix futebolum plano para uso das terras suruís nos 50 anos seguintes.

Acordo

O acordo com o Google trouxe novas perspectivas para a tribo, epix futebol2009 Almir costurou um pacto entre os quatro clãs para encerrar o histórico ciclo históricopix futebolexploração ilegalpix futebolmadeira dentro do território.

Em 2012, a redução acumuladapix futeboldesmatamento somava 511 hectares, o que permitiu as parceriaspix futebolvendapix futebolcréditospix futebolcarbono.

Almir Suruí e Rebecca Moore

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Almir Suruípix futebolencontropix futebol2012 com Rebeca Moore, então gerente do Google Earth; parcerias internacionais não conseguiram evitar agravamento da situaçãopix futebolreserva

Foi o primeiro projetopix futebolárea indígena a explorar o chamado Redd (Reduçãopix futebolEmissões por Desmatamento), instrumentopix futebolcompensação financeira pela manutençãopix futebolflorestas tropicais e redução do gás carbônico responsável pelo aquecimento global.

A promessapix futebolsolução, contudo, começou a incentivar velhas (e novas) divisões. Alguns líderes suruís reclamaram da gestão, por Almir, do chamado Fundo Paiter, criado para administrar o dinheiro desses projetos. Apontavam demora na liberação, centralizaçãopix futeboldecisões e ausênciapix futebolbenefícios para as comunidades.

O chefe suruí nega as acusações. "O dinheiro foi repassado corretamente para as associações (dos clãs suruís)pix futebolacordo com os projetos, conforme foram apresentados para nós. Nossa prestaçãopix futebolcontas é clara e transparente", afirma.

Em julho deste ano, a pedido do Ministério Público Federal, que atendeu a reclamações dos setores insatisfeitos, a Justiça chegou a bloquear a movimentação do fundo (que ainda tinha R$ 500 milpix futebolcaixa). Os recursos acabaram liberados após uma reunião entre os clãs.

Agravamento

A indisposição com o projeto levou parte dos suruís a retomar a exploração ilegalpix futebolmadeira, ouro e diamante, bem como o arrendamentopix futebolterras para fazendeiros.

Segundo relatos coletados pela reportagem, índios madeireiros esperavam obter mais renda ao interromper o ciclopix futeboldesmatamento, o que não ocorreu.

Desmatamento na TI Setepix futebolSetembro

Crédito, Google/Global Forest Watch

Legenda da foto, Nos pontos vermelhospix futeboldestaque, avanço do desmatamento na TI Setepix futebolSetembro; 300 caminhõespix futebolmadeira deixam área todos os meses, dizem índios

Resultado, segundo Almir: alémpix futebolmadeireiros e fazendeiros, há também garimpo na terra indígena. Com apoio dos índios, aliciados com armas e pagamentos mensaispix futebolaté R$ 5 mil, os grupos estariam atuandopix futebolao menos 20 pontos da área.

A suposta omissão dos órgãos públicos agrava a situação, afirma o líder. "Já fizemos várias denúncias e nada acontece. Dizem que não podem prender índio e os índios sabem disso."

Em razão desse quadro, a Procuradoria entrou na Justiça na semana passada contra Funai (Fundação Nacional do Índio), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e os Estadospix futebolRondônia e Mato Grosso.

A ação pede que os órgãos e governos sejam obrigados a realizar uma sériepix futebolaçõespix futebolfiscalização e apoio a atividades sustentáveis pelos índios, como coletapix futebolcastanhas.

Diz ainda que a "criminalidade recrudesceu" dentro da terra indígenapix futebolrazão da "fiscalização acanhada dos órgãos públicos".

Aponta que "muitos indígenas foram cooptados pelas madeireiras" e que a "sensaçãopix futebolimpunidade prepondera" no local, o que faz aumentar a adesãopix futebolíndios à atividade ilegal.

"Se a situação continuar assim, há possibilidadepix futeboldescaracterização total do territóriopix futebolmédio prazo", afirma Henrique Heck.

A reportagem entroupix futebolcontato com os governospix futebolRondônia e Mato Grosso para comentários sobre a ação da Procuradoria, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Em nota, a Funai disse ter conhecimento do cenário na Setepix futebolSetembro e que tem feito fiscalizações na região. Reconheceu, contudo, que o "grande desafio" hoje é integrar esferaspix futebolpoder e complementar monitoramento com políticaspix futebolsustentabilidade para índios e cidades do entorno.

"Sem alternativaspix futebolrenda no entorno para as populações não indígenas, a pressão sobre as terras indígenas cresce cada vez mais, ameaçando os recursos naturais e a segurança dessas comunidades", informou o órgão.

Almir Suruí

Crédito, Saul Loeb/Getty Images

Legenda da foto, Líder indígena se diz sitiado empix futebolprópria região: 'Se é explorar madeira o que o meu povo quer, tudo bem.'

Medo

Enquanto isso, hoje o "cacique tecnológico" Almir Suruí está praticamente sitiado empix futebolprópria região - mora com a famíliapix futebolCacoal, cidadepix futebol78 mil habitantes a 480 kmpix futebolPorto Velho, vizinha da terra indígena Setepix futebolSetembro.

Vive escoltado pelos irmãos, nunca viaja sozinho e evita ir ao supermercado ou sacar dinheiro sem estar acompanhado.

"Não gostamos que o Almir vá a nenhum lugar sozinho, nem dentro da nossa própria terra, porque há uma parte grande do nosso povo contra o trabalho dele. A gente também vive com medopix futebolbranco matar o Almir. Branco madeireiro, fazendeiro, garimpeiro. É muita preocupação", diz o irmão Mopiri Suruí,pix futebol56 anos.

Almir chegou a contar com proteçãopix futebolagentes da Força Nacionalpix futebolSegurança entre 2012 e 2013, mas desistiu. "Era uma proteção e não uma solução. A solução é acabar com a exploração ilegal."

Com 98 quilos distribuídospix futebol1,68 m, fãpix futebolRaul Seixas e tubaína, torcedor do Flamengo, apreciadorpix futebolcamionetes e membropix futebol23 grupos do WhatsApp, ele diz ter desenvolvido gastrite ao conviver com ameaçaspix futebolmorte.

E às vezes ameaça desistirpix futeboltudo e se dedicar somente à família. "Se é explorar madeira o que o meu povo quer, tudo bem."

Por força da deterioração da situação na terra indígena que um dia foi modelopix futebolrecuperação sustentável, organizações internacionais articulam uma campanha, com abaixo-assinado e pedidopix futeboldoações online,pix futebolque alertam para uma "situaçãopix futebolemergência" na terra dos paiter-suruís.

"Minha maior preocupação é que assassinem o meu filho. É muito difícil para mim como mãe. Ele vem trabalhando, defendendo a floresta para trabalharpix futebolforma sustentável, mas nosso próprio povo prefere o dinheiro fácil da madeira e do garimpo. Meu medo é porque sei que há pessoas contra ele e o trabalho dele. Só Deus para me aliviar. Só Deus", diz Weytanb, 88 anos, mãepix futebolAlmir.

Weytanb Suruí

Crédito, Maria Fernanda Ribeiro

Legenda da foto, "Minha maior preocupação é que assassinem o meu filho", afirma Weytanb Suruí,pix futebol88 anos