Cultura machista faz com que vítimas5_free_spinsestupro não reconheçam violência, diz psicóloga:5_free_spins

Crédito, Reuters
"A maioria das pessoas acha que estupro envolve o monstro, o beco escuro, a mulher jogada no chão ensanguentada. Por isso,5_free_spinsmuitos dos casos, a própria vítima não reconhece o que sofreu como violência."
Segundo a pesquisadora, uma cultura machista também dificulta o acolhimento das vítimas pela polícia britânica, que enfrenta críticas5_free_spinsculpabilização da vítima semelhantes à brasileira.
Confira os principais trechos da entrevista:
5_free_spins BBC Brasil: Quais são as principais diferenças e semelhanças que você encontrou entre Brasil e Inglaterra quando se trata5_free_spinsviolência sexual?
5_free_spins Scarpati: Enquanto no Brasil há uma cultura machista mais geral, que abarca qualquer faixa etária, aqui na Inglaterra o fenômeno parece mais forte nas universidades, que é o que eles chamam5_free_spins"lad culture".
Para fazer parte5_free_spinsum grupo na universidade e ser considerado um bom membro, é preciso fazer certas coisas. Isso inclui muita bebida e, frequentemente, abusar5_free_spinsmulheres5_free_spinsfestas. Há uma quantidade5_free_spinsviolência sexual altíssima e muitos desses casos não são reportados. Isso dá a impressão5_free_spinsque a violência sexual ocorre menos.
Tanto na Inglaterra quanto no Brasil a polícia ainda não está preparada para acolher bem essas vítimas. Aqui os casos andam mais rápido, os serviços funcionam melhor, mas o acolhimento inicial ainda é ruim.
Trabalhei como voluntária5_free_spinsum centro5_free_spinsacolhimento5_free_spinsvítimas aqui5_free_spinsCanterbury e muitas me diziam que preferiam não denunciar para não terem que ouvir perguntas como "que roupa você estava usando?", "será que você não provocou?" e "você vai denunciar mesmo, não quer voltar para casa e pensar melhor?'".
Por outro lado, o debate a respeito do assunto acontece há mais tempo por aqui e existe um sistema um pouco mais bem estruturado para dar assistência à vítima e tratamento ao agressor. Eu vejo muito, por exemplo, uma preocupação com o tratamento dos agressores - o que, infelizmente, a gente ainda negligencia no Brasil.
Além disso, aqui há diferenças culturais como menor desigualdade5_free_spinsgênero, índices menores5_free_spinsviolência e maior participação feminina no mercado, que se refletem na maneira como a violência é perpetrada aqui. Por exemplo: você nao vê - ou vê raramente - mulheres sendo "puxadas pelo braço ou pelo cabelo"5_free_spinsuma festa, ou cantadas nas ruas.
5_free_spins BBC Brasil: A comoção causada pelo caso da adolescente estuprada por diversos homens no Rio pode significar que a sociedade brasileira esteja menos tolerante à violência sexual?
5_free_spins Scarpati: A gente está começando a olhar para o fenômeno da violência sexual agora. Ainda não enxergamos muito do que acontece.
Quando você tem casos envolvendo menores, tem a atenção das pessoas. Quando há casos envolvendo muita brutalidade, eles também chamam a atenção do público5_free_spinsmodo geral, despertam indignação.
Mas para além desses casos, que envolvem grupos muito particulares, temos uma série5_free_spinscasos5_free_spinsviolência que acontecem cotidianamente. E nós negligenciamos tanto a vítima quanto os diferentes tipos5_free_spinsagressores.
Esse caso agora é definitivamente fora da curva. A violência contra a mulher no Brasil tem uma roupagem muito diferente. São principalmente mulheres que são vítimas5_free_spinsviolência e sequer são capazes5_free_spinsnomear como violência aquilo que elas vivenciaram.
5_free_spins BBC Brasil: A lei brasileira considera que quaisquer "atos libidinosos" não consentidos são crime5_free_spinsestupro. Por que existe essa dificuldade5_free_spinsreconhecer a violência sexual5_free_spinssuas diversas formas?
5_free_spins Scarpati: Porque a gente tem uma ideia na cabeça sobre o que é violência sexual, quem é o agressor e quem é a vítima.
São estereótipos que chamamos5_free_spins"mitos5_free_spinsestupro": o agressor é um monstro, a vítima é aquela que estava andando sozinha pelo beco escuro à noite, é atacada e deixada no chão ensanguentada ou é aquela que estava se vestindo5_free_spinsmaneira tida como vulgar, que estava bêbada ou que "provocou".
Qualquer coisa que fuja desse padrão a gente tem muita dificuldade5_free_spinsreconhecer. Por isso,5_free_spinsmuitos dos casos, a própria vítima não reconhece o que sofreu como violência e o agressor também não reconhece.
É comum que as pessoas não entendam como violência sexual uma situação5_free_spinsestupro dentro do casamento, por exemplo. Mas o que caracteriza o estupro é ausência5_free_spinsconsentimento. Se a mulher está com o marido e diz não, mas ele força e o sexo acontece, isso é estupro.
Não interessa se os dois foram para o motel, se estavam pelados. Se a mulher diz: 'não, para'. E o homem continua, isso é estupro. Mas muitos não acreditam.
E isso não é algo apenas dos homens. Homens e mulheres acreditam nesses mitos e os endossam.
5_free_spins BBC Brasil: O caso da adolescente no Rio gerou discussões, especialmente nas redes sociais, sobre o papel dos homens no combate ao que se chama5_free_spinscultura do estupro. Qual você acha que deve ser este papel?
5_free_spins Scarpati: Se um homem não enxerga como violência e se posiciona diante5_free_spinsuma piada sexista,5_free_spinsum comportamento machista,5_free_spinsum colega que diminui uma mulher, está indiretamente contribuindo para esta cultura5_free_spinsviolência.
Há pesquisas aqui no departamento na Universidade5_free_spinsKent que mostram uma relação entre aceitar piadas sexistas e concordar com "mitos do estupro".
E também há pesquisas mostrando que pessoas que concordam com mitos5_free_spinsestupro têm mais chances5_free_spinsvir a cometer algum tipo5_free_spinsviolência. Não é uma relação direta5_free_spinscausa, mas é uma correlação. São coisas que caminham juntas.
Por isso defendo que não é uma questão5_free_spinspatologia. Por causa5_free_spinsum ambiente muito propício - um caldo5_free_spinsnormas e5_free_spinsvalores,5_free_spinsdiscursos e práticas - as pessoas passam a naturalizar e legitimar determinados tipos5_free_spinscomportamento5_free_spinsrelação à mulher.
Quando há algo que você considera muito errado e você faz, você entra num debate consigo mesmo. Cognitivamente, você precisará entrar num acordo com5_free_spinsconsciência. Mas se a5_free_spinsação não é tida como equivocada, você não precisa lidar com a consciência. Faz e segue5_free_spinsfrente.
5_free_spins BBC Brasil: Se na maioria das vezes não é um caso5_free_spinspatologia, como você diz, o que passa pela cabeça5_free_spinshomens que cometem atos5_free_spinsviolência sexual?
5_free_spins Scarpati: Sabemos que,5_free_spinsmaneira geral, a maioria dos agressores carregam uma hostilidade contra mulheres e5_free_spinsalguma maneira apoiam "mitos5_free_spinsestupro".
Segundo as teorias mais aceitas atualmente: agressores geralmente trazem dentro5_free_spinssi o sexismo ambivalente, os "mitos5_free_spinsestupro" e o que chamamos5_free_spins"crença num mundo justo".
A "crença num mundo justo" é a ideia5_free_spinsque coisas ruins acontecem com pessoas ruins e coisas boas acontecem com pessoas boas. Então, cada um só tem o que merece. Isso é algo que ajuda a deixar esses homens tranquilos com aquilo que fizeram.
Outra coisa é o que chamamos5_free_spins"sexismo ambivalente". Ele tem uma face mais agressiva - a ideia5_free_spinsque mulher não presta,5_free_spinsque, se provoca o homem, merece apanhar mesmo e5_free_spinsque vale menos que o homem - e uma face benevolente - a ideia5_free_spinsque a mulher é a rainha do lar,5_free_spinsque é frágil e5_free_spinsque o papel do homem é cuidar dela.

Crédito, Arquivo pessoal
Essa face benevolente tem uma cara muito bonita, mas o problema com isso é que o homem, ao pensar assim, continua diminuindo a mulher. Ao dizer que ela é frágil, sensível e delicada, ele também está dizendo que ela não é capaz5_free_spinsfazer as próprias escolhas e que quando ela diz não, ela não sabe muito bem o que está dizendo.
Também está dizendo que o papel do homem é fazer as escolhas da mulher por ela. E que, se ela não tiver o comportamento5_free_spinsprincesa esperado, ele pode puni-la por isso.
O sexismo ambivalente dá margem a achar que a mulher deve se comportar5_free_spinsdeterminada forma: delicada, frágil, feminina, quieta.
Se alguma mulher não se comporta desse jeito, não merece cuidado. Assim, é mais fácil agir5_free_spinsmaneira agressiva com uma mulher que não se encaixa nesse padrão5_free_spinsmulher ideal. Por isso é frequente ouvir o discurso5_free_spins"se ela não se comportasse5_free_spinstal maneira, isso não teria acontecido".
5_free_spins BBC Brasil: Alguns dos suspeitos do crime disseram nas redes sociais que a garota teria pedido para ter relações sexuais com os homens, ainda que aparentasse não estar completamente consciente no vídeo. Seu perfil no Facebook também vem sendo criticado por referências a sexo e drogas. Que importância estas informações tem na compreensão sobre o que é estupro?
5_free_spins Scarpati: Quando a gente fala5_free_spinsviolência sexual tudo gira5_free_spinstorno da potencial vítima ou da vítima5_free_spinssi. A gente pensa na roupa que ela usando, no passado dela, se ela provocou ou não, se ela disse não claramente, se ela estava sob efeito5_free_spinsdrogas.
Em nenhum momento, paramos para discutir porque não estamos focando nas ações do agressor, ou nos homens5_free_spinsmodo geral.
Se ela estava sob efeito5_free_spinsdrogas, o homem precisa entender que ela não está 100% consciente e não é capaz5_free_spinsconsentir5_free_spinsverdade um ato. Se ela está alcoolizada, não tem condições5_free_spinsdizer sim ou não claramente.
Ao invés5_free_spinsdizermos aos meninos: "se a menina estiver alcoolizada, ao invés5_free_spinslevá-la para a cama, você chama um táxi e a leva pra casa". Ao invés5_free_spinsdizermos: "sexo envolve pessoas5_free_spinsplena razão para consentir que aconteça", tiramos toda a responsabilidade do homem e colocamos na mulher.
Ela tem que estar sã, consciente, capaz5_free_spinsdizer não e, mesmo quando diga não, tem que ser capaz5_free_spinsfugir ou5_free_spinsreagir se isso não for respeitado.
Esse tipo5_free_spinsestratégia (de falar do comportamento da vítima) é muito eficaz. É por isso que se continua utilizando até hoje, no Brasil e aqui na Inglaterra também. Uma série5_free_spinscasos que foram para a Justiça tiveram exatamente esse argumento: ela bebeu, ela provocou, ela não gritou, não reagiu.
E a vítima é submetida a outra forma5_free_spinsviolência: é desacreditada durante todo o processo. Para fechar com chave5_free_spinsouro, o agressor é absolvido.