Como árvore dos Andes levou ao gin tônica, ao tratamento contra a malária e à cloroquina :site da lampions bet
A árvore, que tem maissite da lampions bet40 espécies, também deu origem ao gin tônica, um dos drinques preferidos dos ingleses.
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Fim do Matérias recomendadas
Trata-se da quina ou quina-quina, que na língua quéchua significa "casca das cascas".
Ela também é conhecida como "árvore" ou "pau da febre". Da casca dessa planta se faz um pósite da lampions betgosto amargo, mas sem cheiro — chamadosite da lampions betquinina, um alcaloide que tem propriedades analgésicas e antitérmicas (ou seja, combate a febre).
Por séculos, essa substância foi o único tratamento eficaz contra a malária, uma das doenças que mais mataram humanos ao longosite da lampions betmilharessite da lampions betanos. Ainda hoje, são registrados entre 300 milhões e 500 milhõessite da lampions betcasos por ano no mundo, com 2 milhões a 3 milhõessite da lampions betmortes.
De acordo com o historiador André Felipe Cândido da Silva, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a trajetória da quina é "fabulosa e ao mesmo tempo dramática" porque reflete a história do colonialismo, do capitalismo esite da lampions betáreas do conhecimento como a botânica, química e farmacologia.
Mas, lembra Silva, essa história "de modo algum se reduz" às ações da ciência europeia.
"Ela envolveu uma complexa interação entre agentes do colonialismo europeu e populações originárias da América do Sul, que utilizavam tradicionalmente cascassite da lampions betárvores no tratamentosite da lampions betfebres esite da lampions betoutros males", explica Silva, doutorsite da lampions bethistória das ciências e da saúde.
Quem descobriu: um nativo, um soldado ou uma condessa?
Ninguém sabe quando nem quem descobriu as propriedades da quinasite da lampions betcombater a febre. Há várias histórias a respeito, algumas das quais estão mais para lenda do que para fato.
Uma delas atribui a descoberta aos indígenas sul-americanos.
Esses nativos supostamente teriam notado que leões da montanha (dependendo da região onde vivem, também chamadossite da lampions betpumas, onças pardas ou suçuaranas) doentes mastigavam a cascasite da lampions betcertas árvores e ficavam curados. Os pacientes humanos com febre recebiam a mesma casca e melhoravam.
Outra história diz que um soldadosite da lampions betuma guarnição espanhola-peruana estava sofrendosite da lampions betuma crisesite da lampions betmalária e foi deixado por seus companheiros para trás para morrer.
Com muita sede, ele se arrastou até um pequeno lago, cercadosite da lampions betárvores, do qual bebeu muita água e adormeceu. Ao acordar, percebeu que a febre havia passado milagrosamente.
O soldado lembrou, então, que a água tinha um gosto amargo. Ao mesmo tempo, ele notou que um grande troncosite da lampions betuma das plantas, partido por um raio, havia caído no lago. Ao examiná-lo com mais cuidado, o soldado concluiu que a casca tinha a capacidadesite da lampions bettratar a malária.
Há um terceiro relato que, apesarsite da lampions better algumas passagens nebulosas, parece sersite da lampions betparte verdadeiro.
Ele envolve a condessasite da lampions betChinchón, mulher do vice-rei espanhol do Peru que ocupou o cargosite da lampions bet14site da lampions betjaneirosite da lampions bet1629 até 18site da lampions betdezembrosite da lampions bet1639.
De acordo com o químico Alfredo Ricardo Marquessite da lampions betOliveira, professor aposentado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a história registra que a condessasite da lampions betChinchón foi acometida por uma forte febre, chamada terçã, causada pela malária.
"Ao ingerir uma infusão da cascasite da lampions betquina feita pelos nativos, a condessa ficou curada", conta.
"Até hoje não sabemos como eles descobriram este efeito e menos ainda sobre como a doença (de origem africana) chegou ao oeste da América do Sul. Certamente, foi bem antes dos espanhóis, pois os indígenas tiveram tempo de, por observação e empirismo, descobrir a cura."
Conforme alguns relatos, entre os quais o do médico italiano Sebastiano Bado, que viveu no século 17, a condessa se chamava Anasite da lampions betOsório. Depoissite da lampions betcurada, ela teria distribuído o pó entre os nativos acometidos da maláriasite da lampions betLima, no Peru, que também se curaram.
Agradecidos, eles passaram a chamar o remédiosite da lampions bet"pó da condessa".
Aindasite da lampions betacordo com Bado, ao regressar à Espanha, Anasite da lampions betOsório teria levado consigo uma grande quantidadesite da lampions betcascasite da lampions betquina-quina, introduzindo o remédio na Europa, onde a doença era endêmica na época.
Mas um diário descobertosite da lampions bet1930 desmente o relatosite da lampions betBado. Segundo os escritos, Anasite da lampions betOsório morreu pelo menos três anos antessite da lampions beto rei Filipe 4º nomear o conde como vice-rei do Peru.
O botânico sueco Carl von Linné (1707-1778), o pai da moderna taxonomia (disciplina que classifica grupossite da lampions betseres vivos), nomeou o gênero a qual pertence a "árvore da febre"site da lampions betCinchón, da família das rubiáceas, a mesma do café e das gardênias.
O leitor atento deve ter percebido que no nome do gênero falta o “h” antes do “i”, comosite da lampions bet“Chinchón”. Ele deve ter sido influenciado por Bado, que “italianizou” o nome.
Mas, afinal, quem introduziu a cinchona na Europa?
"Padres jesuítas da missão espanhola no Peru levaram o pósite da lampions betquinina para lá", responde o químico Luiz Carlos Dias, da Unicamp.
"Ele ficou conhecido como 'pó dos jesuítas'. A esses religiosos também deve ser creditada a disseminação desse remédio no Velho Continente, já que Roma era a capital mundial da maláriasite da lampions betmeados do século 17."
Segundo Penny le Couteur e Jay Burreson, no livro Os Botõessite da lampions betNapoleão - As 17 Moléculas que Mudaram a História, o conclavesite da lampions bet1655, que foi convocado após a morte do Papa Inocêncio 10º e elegeu Fabio Chigi como Papa Alexandre 7º, "foi o primeirosite da lampions betque não se registrou nenhuma morte por malária entre os cardeais participantes".
De acordo com os autores, logo os jesuítas começaram a importar grandes quantidadessite da lampions betquina e a vendê-la por toda a Europa.
Mas nãosite da lampions bettodos os países, ressalve-se. Apesarsite da lampions betsua excelente reputação no Velho Continente, o "pó dos jesuítas" não era aceito na Inglaterra protestante, por exemplo, por ser considerado um "remédio católico".
Tanto que Oliver Cromwell, líder da guerra civil que culminou na execução do rei Charles 1º (1600-1649), recusou-se a ser tratado com o "remédio papista" e morreu devido à maláriasite da lampions bet1658.
Mas o rei Charles 2º (1630-1685), filhosite da lampions betCharles 1º, também foi acometido da febre terçãsite da lampions bet1679 e foi curado pelo "pó dos jesuítas" sem saber.
Contrabandosite da lampions betsementes
Ao longo dos três séculos seguintes a malária — além da indigestão, febre, perda do cabelo, do câncer esite da lampions betmuitos outros males— foi tratada comumente com casca dessa planta.
“Até 1820, apenas um pó feito com as cascas e raízes da quina-quina era comercializado”, explica Dias.
“Nesse ano, os químicos franceses Pelletier [Pierre-Joseph Pelletier, 1788-1842] e Caventou [Joseph Bienaimé Caventou, 1795-1877] isolaram este pó, um alcaloide com extrema atividade contra a doença, ao qual deram o nomesite da lampions betquinina".
"O isolamento permitiu a preparaçãosite da lampions betpílulas do remédio, mas o sabor desagradável e alguns efeitos colaterais como alterações visuais, zumbidos no ouvido, distúrbios gastrintestinais e icterícia dificultaram seu uso.”
Apesar disso, a substância continuou a ser usada para tratar a malária por maissite da lampions betum século.
Era preciso um suprimento grande e constante, porque países colonizadores como Inglaterra, França e Holanda queriam ampliar seus impérios nos continentes africano e asiático, onde a doença ocorriasite da lampions betforma endêmica.
“Isso os levou à tentativasite da lampions betobter sementes e mudas da quina, praticamente o único recurso terapêutico eficaz então conhecido no tratamento desse mal, mas que dependia do fornecimento provindo da América do Sul”, explica Silva.
A ideia era plantá-lassite da lampions betsuas colônias, para não depender do suprimento sul-americano.
Até porque, a exploração era tanta — estima-se que, no final do século 18, 25 mil quinas eram cortadas a cada ano — que as cinchonas corriam o riscosite da lampions betserem extintas emsite da lampions betregiãosite da lampions betorigem.
Além disso, como a receita gerada pela venda da casca da planta era grande, os governos da Bolívia, Colômbia, Equador e Peru queriam manter o monopóliosite da lampions betprodução e comercialização. Por isso, tais governos proibiram a exportaçãosite da lampions betárvores vivas esite da lampions betsuas sementes.
Mas eles não contaram com o contrabando — ou não conseguiram evitá-lo.
Couteur e Burreson relatam que,site da lampions bet1853, o holandês Justus Hasskarl (1811-1894) conseguiu levar para ilhasite da lampions betJava (Indonésia), então colônia holandesa, um sacosite da lampions betsementes da espécie Cinchona calisaya.
“Elas foram cultivadas com sucesso, mas, lamentavelmente para Hasskarl e os holandeses, essa espécie tinha um conteúdosite da lampions betquinina relativamente baixo”, escrevem os autoressite da lampions betOs Botõessite da lampions betNapoleão.
De acordo com eles, os britânicos tiveram uma experiência parecida com sementes contrabandeadassite da lampions betCinchona pubescens, que plantaram na Índia e no Ceilão [hoje Sri Lanka]. As árvores cresceram, mas a casca continha menos que os 3% do alcaloide necessários para uma produção minimamente lucrativa.
Uma curiosidade: o hábito inglêssite da lampions bettomar quinina como precaução contra a malária acabou desenvolvendo o drinque “gin tônica” – o gin era considerado necessário para tornar palatável a amarga quinina.
Nesse cenário surge um contrabandista australiano, que passara muitos anos negociando quina. Em 1861, Charles Ledger conseguiu convencer um indígena peruano (que depois foi torturado e morto por seu povo) a vender sementessite da lampions betuma espécie da árvore que supostamente tinha um conteúdo muito elevadosite da lampions betquinina.
Segundo Couteur e Burreson, o governo britânico não quis comprar as sementessite da lampions betLedger, talvez porque experiências anteriores com o cultivosite da lampions betcinchona os levaram a avaliar que o caminho não era economicamente viável.
O governo holandês, no entanto, comprou cercasite da lampions bet450 gramas delas, por cercasite da lampions bet20 dólares. Elas foram plantadassite da lampions betJava e cuidadosamente cultivadas. À medida que as árvores cresciam esite da lampions betcasca ricasite da lampions betquinina era retirada, a exportação nativa da América do Sul declinava.
“Essa comprasite da lampions bet20 dólares foi considerada o melhor investimento da história, pois se verificou que os níveis do alcaloide na planta chegavam a nada menos que 13%”, contam Couteur e Burreson.
Devido ao feitosite da lampions betLedger, a espécie foi batizada com seu nome, Cinchona ledgeriana.
Em 1930, maissite da lampions bet95% do quinina do mundo vinhasite da lampions betplantações dos holandesessite da lampions betJava.
“Diferentemente dos espanhóis, ingleses e holandeses lograram, depoissite da lampions betmuitos estudos, desenvolver variedadessite da lampions betcinchona com maior teor do alcaloide e otimizar os métodossite da lampions betextração e isolamento, ampliando consideravelmente a capacidadesite da lampions betprodução do quinino, utilizado no formatosite da lampions betsaissite da lampions betcomprimidos”, explica Silva.
De acordo com ele, a comercialização do quinino (sulfatosite da lampions betquinina), dominada pelos holandeses desde o século 19, levou à formação do que se pode chamarsite da lampions beto primeiro cartel farmacêutico global,site da lampions bet1913.
Fonte para a indústria farmacêutica
A situação iria mudar drasticamente com a Segunda Guerra Mundial. De acordo com os autoressite da lampions betOs Botõessite da lampions betNapoleão, o monopólio do cultivo da quinina quase rompeu o equilíbrio entre as partes na guerra.
Em 1940, a Alemanha invadiu a Bélgica e a Holanda e confiscou todo o estoque europeu do remédio armazenadosite da lampions betAmsterdã.
Em seguida,site da lampions bet1942, a conquistasite da lampions betJava pelos japoneses colocou ainda maissite da lampions betrisco o fornecimento desse antimalárico essencial.
Botânicos norte-americanos foram então enviados aos Andes para obter cascas da árvore, que ainda cresciam espontaneamente na área, mas nunca encontraram nenhum espécime da Cinchona ledgeriana que valera aos holandeses um sucesso tão espetacular.
A dependência desse mercado cartelizado, o impacto da maláriasite da lampions betconflitos bélicos (sobretudo nas duas guerras mundiais) e a observaçãosite da lampions betcasossite da lampions betresistência à quinina levaram à buscasite da lampions betformas alternativassite da lampions bettratamento.
Silva, da Fiocruz, explica que os laboratórios passaram a usar apenas partes da quinina, que servem como “modelos” para a fabricaçãosite da lampions betnovos compostos, totalmente sintéticos.
“De certa forma, é como se os pesquisadores ‘montassem’ e ‘desmontassem’ partes das moléculas e testassem o seu potencial terapêutico e toxicidade”, explica o pesquisador da Fiocruz.
Desse tiposite da lampions betpesquisa vão surgir, a partir dos anos 1920, milharessite da lampions betfórmulas, como da plasmoquina (1925), da atebrina (1930), da ressochina (1934) e da sontoquina (1939), que se tornaram efetivamente medicamentos comercializados.
De acordo com o físico Peter Schulz, da Universidade Estadualsite da lampions betCampinas (Unicamp), a busca pela quinina sintética foi uma aventura científica com muitos passos e contribuiçõessite da lampions betdiversos cientistas ao longosite da lampions betmaissite da lampions betum século a partir do isolamentosite da lampions betlaboratório.
“Primeiro foi descoberta a fórmula química, depois a estrutura da molécula”, explica. “Com isso, foi possível aos químicos alemães Paul Rabe (1869-1952) e Karl Kindler (1891-1967) propor,site da lampions bet1918,site da lampions betsíntese por meiosite da lampions betum processosite da lampions bet17 etapas.”
Mesmo com a síntese da quininasite da lampions bet1918, continuou sendo mais barato e eficiente extraí-las das árvores. Em 1934, tudo mudou, no entanto. Foi quando o pesquisador alemão Hans Andersag, a serviço da Bayer, desenvolveu a resochina.
“Dela, ele sintetizou um derivado com toxicidade ainda menor e ação terapêutica igualmente eficaz, a sontoquina”, conta Silva.
“No contexto da Segunda Guerra Mundial, a sontoquina chegou às mãos dos norte-americanos,site da lampions betum momento que a malária comprometia o movimento das tropas aliadassite da lampions betdiversas áreassite da lampions betcombate. Os japoneses haviam ocupado as zonas do sudeste asiático que cultivavam a quina, impedindo o acesso ao quinino.”
Diante disso, os americanos fizeram alguns ajustes pontuais na sontoquina, comprovaram que ela era eficiente no tratamento da malária humana e a rebatizaramsite da lampions betcloroquina.
“Uma ligeira modificação na cloroquina resultou na hidroxicloroquina, amplamente empregada contra a doença no pós-Segunda Guerra”, explica o pesquisador da Fiocruz.
“Mais tarde, apresentaram capacidadesite da lampions bettratamentosite da lampions betoutros males, como artrite reumatoide e lúpus, por exemplo.”
Essa capacidade não foi comprovada, porsite da lampions betvez, para a covid-19, como recomendou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Segundo Dias, da Unicamp, nem a cloroquina nem a hidroxicloroquina são usadas atualmente contra a malária causada pelo parasita Plasmodium falciparum, que começou a desenvolver resistência aos medicamentos.
Essa é a forma mais letal da doença, a que acomete principalmente populaçõessite da lampions betbaixa rendasite da lampions betpaíses africanos.
“A cloroquina só é empregada hoje para tratar a malária causada pelo Plasmodium vivax, menos letal e responsável por 92% dos casos da doença no Brasil”, conta Dias.
A planta existe no Brasil?
No Brasil, também chamamos algumas plantassite da lampions bet"quina", mas a farmacêutica Maria das Graças Lins Brandão explica que elas não são a quina verdadeira, do do gênero Cinchona.
As plantas brasileiras são consideradas sucedâneas, “ou seja, usadas como se fosse a quina verdadeira, que não ocorre no Brasil”.
A pesquisadora diz que dados históricos revelam que a coroa portuguesa chegou a oferecer, no século 18, um prêmiosite da lampions betdinheiro para quem encontrasse a quina verdadeira no Brasil.
“Foi daí que surgiu este montesite da lampions betfalsas quinas”, diz Brandão, doutorasite da lampions betquímicasite da lampions betprodutos naturais, professora aposentadasite da lampions betfarmacognosia e fitoterapia da Universidade Federalsite da lampions betMinas Gerais (UFMG).
“Encontrava-se uma árvore semelhante, com cascas amargas, e nomeava-se como ‘quina’.”
A farmacêutica é também fundadora do Instituto Cayapiá e do Dataplamt, uma basesite da lampions betdados bibliográfica sobre as plantas usadas pelos brasileiros.
“Quando se pesquisa nessa base por ‘quina’ se obtém referênciassite da lampions bet54 diferentes espéciessite da lampions betplantas brasileiras sucedâneas, como se fosse a verdadeira”, diz.
De acordo com ela, as "falsas quinas" brasileiras não tiveram papel algum no desenvolvimento das moléculas sintéticas da cloroquina e da hidroxicloroquina.
“Somente as quinas verdadeiras (as cinchonas peruanas), que produzem o quinino”, explica. “As falsas quinas começaram a ser usadas devido à intensa demanda que havia por essas cascas para tratar a malária no Brasil nos séculos 16 até o 20, e o monopólio comercial era da Espanha (a planta é nativa do Peru).”