Como uma foto mudou nossa visão dos chimpanzés:
Foi uma imagemGoodall registrada naquela época que capturouabordagem inovadora, desafiou as normas científicas e passou a ser uma das fotografias mais conhecidas do mundo.
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Seu marido, o fotógrafo holandês Hugo van Lawick (1937-2002), viajou para Gombe1962.
Lá, ele tirou milharesfotografiasJane Goodall. Mas foi1964 que ele tirou aquela que se tornaria a foto mais emblemática da pesquisadora, com um filhotechimpanzé conhecido como Flint.
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Flint foi o primeiro chimpanzé a nascerGombe após a chegadaGoodall.
Na foto, ela aparece agachada, esticando seu braço direitodireção ao filhote, que também estende seu braço esquerdodireção a ela.
Jane Goodall relembra à BBC que aquela era uma época muito anterior à fotografia digital. Por isso, ela precisava esperar algum tempo para poder ver as imagens impressas.
"Levou dois meses ou mais até surgir uma forma seguraenviar os filmes revelados para a [National] Geographic para que fossem processados e, depois, havia mais uma espera enquanto eles enviavam as impressõesvolta para Kigoma [a cidade mais próxima]", ela conta.
"Quando eu a vi, não imaginei que se tornaria simbólica, mas ela realmente me fez pensar na pinturaMichelangelo, com Deus esticando o braço para o Homem", segundo Goodall.
A foto tirada1964 foi publicada pela primeira vez na revista National Geographicdezembro1965.
Outra fotoGoodall estudando os chimpanzésGombe ilustrou a capa da revista e foi publicada como parteuma sériefotografiasvan Lawick intitulada New Discoveries Among Africa’s Chimpanzees ("Novas descobertas entre os chimpanzés da África",tradução livre).
Naquele mesmo ano, a National Geographic lançou o documentário Miss Goodall and the Wild Chimpanzees ("A Srta. Goodall e os chimpanzés selvagens",tradução livre), o primeiromuitos filmes divulgando as pesquisasJane Goodall.
A foto com Flint e o documentáriovan Lawick People of the Forest: The Chimps of Gombe ("Pessoas da floresta: os chimpanzésGombe",tradução livre) "forçaram a ciência a abandonar a ideiaque os seres humanos seriam os únicos seres sencientes, com personalidade, mente e emoções", afirma Goodall. Esta noção era ensinada quando ela estudou na UniversidadeCambridge, no Reino Unido,1962.
"Por isso, [esta imagem] abriu toda uma nova formacompreensão sobre quem são os animais e mostrou que nós, seres humanos, somos uma parte do reino animal e não separados dele."
'Desbravadora'
Jane Goodall foi a primeira pessoa a observar que os chimpanzés arrancavam folhasgrama rígidas e as usavam para cutucar buracos nos cupinzeiros, capturando e comendo aqueles insetos. Acreditava-se até então que o usoferramentas era um fator que diferenciava os seres humanostodos os outros animais.
O diretorciências da organização ambientalista WWF, Mark Wright, afirma que Jane Goodall foi "uma verdadeira desbravadora"muitos sentidos. Mas, para ele, esta fotografia ajudou as pessoas a reconhecer a importância da perspectiva feminina na comunidade científica.
"Ela era uma jovem afirmando que as mulheres eram igualmente aptas a fazer pesquisascampo verdadeiramenteprimeira categoria", destaca Wright.
"Até então, era um ambiente bastante dominado pelos homens. Depois, houve uma sucessãomulheres altamente qualificadas fazendo este tipotrabalho."
O ex-presidente da National Geographic Society, Gilbert M. Grosvenor, também defende que "o caminho desbravado por Goodall para outras mulheres primatologistas, sem dúvida, é o seu maior legado".
"Durante o último terço do século 20, mulheres como Dian Fossey, Birute Galdikas, Cheryl Knott, Penny Patterson e muitas outras seguiram seus passos", escreveu ele na biografia da primatologista do Instituto Jane Goodall.
"Na verdade, as mulheres agora dominam os estudoslongo prazo sobre o comportamento dos primatastodo o mundo."
Quando a foto simbólica foi tirada1964, Goodall estava imersa na vidaGombe. Ela começava a entender os chimpanzés que vinha estudando e acumulava lentamente suas observações sobre o comportamento dos primatas.
Esta experiência presencial sempre foiprioridade, segundo Wright. "Esta foto nos relembrou que,grande parte deste trabalho, não há alternativa a não ser estar no campo."
"Muitos dos estudos eram feitoszoológicos ou parquesanimais, [mas] você precisa estar no campo para realmente entender o comportamento natural", prossegue ele.
"E você precisa fazer issolongo prazo, não pode apenas aparecer por duas semanas. Ela reforçou este ponto."
Goodall viajou para o leste africano sem nenhuma qualificação formal e viveuGombe por maisduas décadas, dedicandovida ao estudogeraçõeschimpanzés.
Para Wright, a foto transmite uma mensagem poderosa para as pessoas que não estudaram ciências, mas, mesmo assim, querem participarpesquisas científicas: aque, às vezes, uma mente aberta é o melhor começo.
"Não era alguém usando jaleco, ela pôde ser empática", afirma Wright.
"E, como ela não tinha a sobrecarga do grande aprendizado formal, ela conseguiu chegar como livre pensadora e interpretar [o que via]."
Disposta a abrir o mundo das pesquisas científicas para todos, Jane Goodall inspirou muitas pessoas a estudar primatologia no campo.
Desde 1960, mais482 estudos científicos e teses de graduação sobre a saúde e o comportamento dos chimpanzés foram publicados pelo CentroPesquisaGombe Stream, onde já estudaram centenascientistas.
Ao lado do seu imenso acervodocumentários, livros e artigos para a National Geographic, as fotografiasJane Goodall com Flint destacaram a importância da conservaçãoanimais individuais.
"Antes, tudo era sobre salvar as espécies – os indivíduos não tinham importância", ela conta. "O pensamento científico mudou."
Em 2021, uma análise do antropólogo norte-americano Michael Lawrence Wilson resumiu as muitas descobertas científicas realizadasGombe e analisou o impacto das pesquisas pioneirasGoodall com os chimpanzés.
"Gombe é um exemplo do que se tornou um método padrãoestudocampo dos primatas: pesquisas colaborativas, coletando informações sistemáticas sobre os indivíduos identificados, que são acompanhados ao longotoda avida", conclui ele.
'Os melhores dias da minha vida'
Atualmente, a foto deixa Jane Goodall com saudades.
"Ela me lembrauma época mágica, quando eu conhecia cada chimpanzé individualmente como os membros da minha família", ela conta.
"Acompanhei o desenvolvimentoFlint desde que era um minúsculo bebê até se tornar um moleque mimado, sempre apoiado pelairmã mais velha ou por um dos irmãos mais velhos, se outro jovem o machucasse acidentalmente (ou, às vezes,propósito!). A imagem me faz pensar nos melhores dias da minha vida."
A proximidade entre Goodall e Flint na fotografia também reflete a cultura da época, segundo Wright. Ele ressalta que os cientistas agora se mantêm à distância dos animais que estão observando.
"Mas ela estava fazendo algo que realmente não havia sido feito antes. Tiro meu chapéu para ela. Seu trabalho foi absolutamente revolucionário."
Para Wright, acimatudo, a foto mostra o verdadeiro amorGoodall pelo animal.
"Existe um carinho e afeição pela espécie que ela está estudando. E há também um amor por Gombe – ela encontrou o seu lugar."
Para Jane Goodall,simples conexão com Flint é o que torna esta imagem tão cativante.
"Suspeito que foi o apelo daquele pequeno bebê estendendo os braços com tanta confiança – uma conexão real entre o humano e o chimpanzé. Pelo menos, é por isso que ela é tão poderosa para mim."
* O Instituto Jane Goodall salienta que não é mais considerado apropriado o contato físico com animais selvagens e que "não recomenda o manuseio, a interação ou o contato próximo com chimpanzés ou outros animais selvagens".
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.