'Narcopentecostalismo': traficantes evangélicos usam religião na briga por territórios no Rio:hm poker

Fuzil embaixohm pokerpintura com bandeirahm pokerIsrael

Crédito, Reprodução/Twitter

Legenda da foto, Território foi batizadohm poker'Complexohm pokerIsrael' pelo chefe do grupo criminososo, segundo a polícia

O Complexohm pokerIsrael é emblemáticohm pokerum fenômeno que alguns pesquisadores têm chamadohm poker“narcopentecostalismo” — não apenas o surgimentohm pokertraficantes que se declaram evangélicos, mas a forma como isso influencia a atuação das facções na disputa por territórios no Riohm pokerJaneiro.

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“O termo neopentecostalismo tem sido empregado por diversos pesquisadores que analisam o fenômenohm pokernarcotraficantes que assumem,hm pokerforma explícita e aberta, religiões neopentecostais, inclusivehm pokersuas atividades criminosas”, explica a cientista política Kristina Hinz, pesquisadora do Laboratóriohm pokerAnálise da Violência da UERJ (Universidade Estadual do Riohm pokerJaneiro) e doutoranda na Free University,hm pokerBerlim.

Ou seja, além da conversão pessoal, a religião também tem um papel estratégico para manutenção do poder e na disputa por territórios, segundo os pesquisadores.

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A comunidade evangélica tradicional rejeita fortemente a ideiahm pokerque um traficante possa ser evangélico.

“Um pastor sério não vai aceitar que uma coisa que é ilegal na lei humana e imoral seja associada a Cristo”, diz o pastor Carlos Alberto, que atua há 17 anos como pastor na favela da Cidadehm pokerDeus e antes era, ele próprio, traficante. “O pastor tem que mostrar para a pessoa que ela pode se arrepender, mas para ser aceito como evangélico ela tem que largar tudo que é contrário aos princípios bíblicos, morais e éticos.”

No entanto, os traficantes considerados parte do neopentecostalismo não só se declaram membros na religião, mashm pokerfato têm uma vida religiosa, apontam pesquisadores.

O líder do tráfico no Complexohm pokerIsrael é alvo, por exemplo,hm poker20 mandadoshm pokerprisão por homicídio, tortura, tráfico, roubos e ocultaçãohm pokercadáver. Ao mesmo tempo, ele se declara evangélico, espalhou referências religiosas pela região e tem amigos pastores, aponta a polícia.

“São traficantes que ao mesmo tempo participam da ‘vida do crime’ e da vida religiosa evangélica, indo a cultos, pagando o dízimo e até mesmo pagando por apresentaçõeshm pokerartistas gospel na comunidade”, afirma Kristina Hinz.

Essa influênciahm pokerreligiões sobre as dinâmicashm pokerpoder do tráfico sempre existiu, dizem pesquisadores, e não é algo particular ao protestantismo. Mas a conversãohm pokertraficantes ao pentecostalismo é um fenômeno que tem características próprias,hm pokerum país que caminha para ter maioria evangélica na próxima década.

Cruzhm pokermaio a mato na favela Cidadehm pokerDeus

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Pesquisa feita pelo Datafolhahm poker2020 aponta que 31% da população era evangélica, com católicos compondo 50%

Mais evangélicos — como o Brasil

Nos últimos 30 anos, a sociedade brasileira tem se tornado mais evangélica como um todo — segundo o Instituto Brasileirohm pokerGeografia e Estatística (IBGE), o númerohm pokerevangélicos subiu 61% entre 2000 e 2010.

Dadoshm poker2020hm pokerpesquisa feita pelo instituto Datafolha apontam que 31% da população era evangélica nesta data, com católicos compondo 50%.

Se o crescimento continuar no ritmo atual,hm poker2030 os evangélicos chegarão a 40% da população, segundo uma projeção do pesquisador José Eustáquio Diniz Alves, doutorhm pokerDemografia pela UFMG (Universidade Federalhm pokerMinas Gerais).

Para a população das favelas, as igrejas pentecostais passaram a ter uma importância significativa. As redes evangélicas oferecem segurança e apoio material, espiritual e psicológico para os moradores, aponta a pesquisadora Christina Vital Cunhahm pokerOraçãohm pokerTraficante: uma etnografia.

Foi neste contexto que se deu a aproximação dos traficantes desta religião, diz o sociólogo Doriam Borges, professor da Universidade do Estado do Riohm pokerJaneiro (Uerj).

“Essa conversão ocorreu tanto pelo fatohm pokerparte dos traficantes terem nascidohm pokerlares evangélicos ou por terem familiares religiosos, bem como por estarem internados no socioeducativo ouhm pokerprisões e terem sido alvo dos projetos missionários evangélicos nessas instituições”, explica.

Bandeirahm pokerIsraelhm pokercolete à provahm pokerbalas

Crédito, Reprodução/Twitter

Legenda da foto, Traficantes usam símbolos atéhm pokercoletes à provahm pokerbala

Manutenção do poder

Nesta união do tráfico com a religião, doutrinas neopentecostais se misturam às estruturashm pokerpoder das facções.

Em muitos locais, como no Complexohm pokerIsrael, por exemplo, ela é “decisiva para a governança e a manutenção do poderhm pokergrupos criminosos”, diz Kristina Hinz.

“A apropriação pelo tráfico da gramáticahm pokerguerra reconhecida nas favelas e empregada por algumas igrejas neopentecostais proporciona uma narrativahm pokerlegitimidade religiosa para a expansão violenta do território”, afirma a pesquisadora.

A pesquisadora afirma que, na competição pelo mercadohm pokervendahm pokerdrogas, a adaptaçãohm pokeruma linguagem ehm pokersímbolos familiares para a população permite que os traficantes apresentem “confrontos armados com grupos concorrenteshm pokertráficohm pokerdrogas como ‘guerra espiritual’ ou mesmo como uma ‘guerra santa’ contra demônios e inimigos religiosos”.

O chefe do tráfico no Complexohm pokerIsrael é também um dos líderes do Terceiro Comando Puro (TCP), segundo a polícia.

O TCP é hoje o terceiro maior grupo armado do Rio, atrás das milícias e do Comando Vermelho (CV),hm pokeracordo com o estudo Mapa dos Grupos Armados do Instituto Fogo Cruzado e do Grupohm pokerEstudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O complexo faz parte do território do TCP, que é um rival histórico do CV. Na disputa por territórios, o TCP fez alianças com milícias, apontam as pesquisashm pokerHinz e Borges.

Os especialistas afirmam ainda que as estrelashm pokerDavid no Complexohm pokerIsrael ou a pichação “Jesus é o dono do lugar”hm pokerum terreirohm pokerumbanda destruído por traficantes são mais do que símbolos religiosos.

São uma “formahm pokerdelimitar espaçoshm pokerpoder ehm pokerdomínio do tráfico nos territórios”, como aponta Hinz.

“Quando esses traficantes evangélicos ordenam o fechamentohm pokerterreiros, além do racismo e intolerância religiosa, estão demonstrando seu poder, força e domínio no território. Ou seja, esse grupohm pokertraficantes utiliza a gramática evangélica como instrumentohm pokerdominação da população residente nas favelas.”

No entanto, Vital Cunha pontua que nem sempre o fatohm pokerum traficante ser evangélico resulta na retiradahm pokersantos católicos ou na perseguiçãohm pokerreligiõeshm pokermatriz africana.

Ela descreve emhm pokerpesquisa casoshm pokerque os próprios moradores fazem esse tipohm pokerconstrangimento e intolerância.

Favelahm pokerCidade Alta

Crédito, Reprodução/Twitter

Legenda da foto, A favelahm pokerCidade Alta é uma das dominadas pelo TCP

Rejeição dos evangélicos

Se a linguagem religiosa é familiar para a população, a rejeição da ideiahm pokerque traficantes possam serhm pokerfato cristãos é muito forte na comunidade evangélica mais tradicional, como explica a pastora e pesquisadora Viviane Costa, autorahm pokerTraficantes Evangélicos.

Alguém que vive do crime, nessa visão, não cumpriria os “requisitoshm pokeruma verdadeira conversão”, diz ela.

Para muitos cristãos, “ser evangélico” não significa só aderir às crenças da religião, mas ter atos e um estilohm pokervidahm pokeracordo com certos preceitos, explica o sociólogo Diogo Silva Corrêa, autor do livro Anjoshm pokerFuzil, resultadohm pokersua pesquisa sobre as relações entre o crime e a religião na Cidadehm pokerDeus, favela na Zona Oeste do Rio.

Ou seja, para alguém ser evangélico, não basta acreditar, é preciso viverhm pokeruma certa forma — a ideiahm pokerum criminoso evangélico seria, portanto, inaceitável.

"Se a pessoa não procurar mudar, não tem como se intitular cristão — e isso vale para todos, para o adúltero, para o brigão, para quem tem vício, não só para o traficante", diz à BBC o pastor Carlos Alberto,hm pokeruma igreja neopentecostal na Cidadehm pokerDeus.

"Durante muito tempo, os evangélicos foram respeitados justamente porque não existia aquela coisahm pokerser 'não praticante', como os católicos, o crente era até considerado chato, cafona", diz ele.

Os pastores coniventes com o tráfico são uma minoria, defende ele, mas é algo problemático porque é uma minoria que "tem forte influência sobre o rebanho".

"O pastor sabe que é errado, mas alguns aceitam por causa dos benefícios, o traficante paga por uma cruzada (evento religioso aberto), faz uma reforma na igreja", diz ele. "É uma visão erradahm pokerque Deus vai transformar uma maldiçãohm pokerbenção, um dinheiro malditohm pokeralgo positivo."

"Mas é algo que faz a igreja perder credibilidade", diz ele. "Se você percebe que o traficante quer proteção, quer usar a religião como um amuleto, mas não quer largar o crime, não pode se associar."

"Como você vai ficar conivente quando a lei do tráfico é muito rígida, é olho por olho, não existe compaixão?", diz.

Carlos Alberto afirma que o processohm pokeraceitar pessoas que só querem os benefícioshm pokerse dizer religioso mas não mudamhm pokervida é algo que acontece também no meio artístico, no futebol, no meio empresarial e na política.

"Pastores que aceitam aparecer com certos políticos, que são coniventes com certas práticas, não me representam."

No entanto, Viviane Costa explica que, conforme mais e mais brasileiros se tornam protestantes, a conversão nos moldes “mais tradicionais” é menos comum — e pessoas se consideram evangélicas mesmo que não se comportemhm pokeracordo.

Ela lembra do fenômeno das celebridades evangélicas citado por Carlos Alberto. “Mesmo alguns políticos e celebridades que se declaram cristãos reformados não seriam considerados verdadeiramente evangélicos levandohm pokerconta a expectativa mais tradicional”, diz.

“Fui bastante criticada por falarhm poker‘traficantes evangélicos’, mas não fui eu que os nomeei como evangélicos — é assim que o fenômeno é conhecido e como eles próprios se identificam”, diz Costa. “O livro é o resultadohm pokeruma pesquisa, e como pesquisadora eu estou descrevendo um fenômeno, não fazendo uma análise teológica se a pessoa realmente é convertida.”

O TCP é conhecido pelos desaparecimentoshm pokerpessoas que se opõem à facção,hm pokeracordo com a polícia.

Desde antes da criação do Complexohm pokerIsrael, moradores relatam à imprensa desaparecimentoshm pokerfamiliares e amigoshm pokerfavelas dominadas pela facção.

Muitas não procuram a polícia nem relatam oficialmente os desaparecimentos por medo, segundo observadoreshm pokercentroshm pokerpesquisa sobre violência.

Em alguns lugares, no entanto, alguns traficantes evangélicos têm um grande respeito por pastoreshm pokerigrejas nas favelas que dizem não aos grupos armados, diz Costa.

“São considerados verdadeiros homens santos, porque realmente aderiram ao caminho correto”, afirma.

Vital Cunha, uma das primeiras pesquisadoras a estudar o tema, descrevehm pokerseu trabalho como notou a aproximaçãohm pokertraficantes e pastoreshm pokerbuscahm pokerproteção espiritual.

Na favela do Acari ehm pokerSanta Marta, descreve elahm pokerseu trabalho, o rádiohm pokercomunicação dos traficantes apitava todos os dias às 5h30 com uma oração do chefe do tráfico.

Ele falava ao mesmo tempo com Deus, pedindo proteção, e dava orientação, pedindo para os subordinados matarem menos e dizendo para os líderes comunitários cuidarem das pessoas.

Estação Paradahm pokerLucas

Crédito, Reprodução/Twitter

Legenda da foto, Domínio da 'tropahm pokerArão' começou na favela Paradahm pokerLucas

'Narcoreligião'

A pesquisadora Viviane Costa, no entanto, é contra falarhm poker“narcopentecostalismo”. Ela diz que isso passaria a ideiahm pokerque a religião só passou a ser um fator importante na dinâmicahm pokerpoder do tráfico com o surgimento dos traficantes evangélicos.

Na realidade, diz ela, “a religião está presente na dinâmica do tráfico desde ahm pokergênese". Ela defende que o mais correto seria falarhm poker"narcoreligião".

Nas décadashm poker1980 e 1990, as facções do narcotráfico eram amplamente associadas a religiões afro-brasileiras como o candomblé e a umbanda, diz Doriam Borges.

Isso foi, inclusive, retratado no cinema: a passagem no filme Cidadehm pokerDeushm pokerque o traficante mudahm pokernome após ter o corpo fechadohm pokerum ritual religioso é uma das mais conhecidas.

“Dadinho é o c*, meu nome é Zé Pequeno!”, diz o personagem, anteshm pokeratirarhm pokeroutra pessoa.

Os traficantes construíam murais e altareshm pokerseus territórios, destaca Costa.

“Em alguns casos, quando um traficante derrubava um chefe do tráfico ou quando ia conquistar um outro território, a divindade do traficante que tinha sido derrotada também abria lugar para a divindade do que assumia. Ou seja, o elemento religioso já fazia parte da dinâmicahm pokerpoder.”

Reportagens do jornal O Globo na décadahm poker1990 descrevem casoshm pokerimagenshm pokerentidades ehm pokersantos decapitadas durante disputadas armadas — algo que acontecia pela mão dos traficantes rivais e também da polícia.

O preconceito contra as religiões afro-brasileiras já era presente desde então, explica Borges.

“As religiões afro brasileiras, desde suas origens, têm sido estigmatizadas. E os traficantes vinculados a essas religiões eram os personagens perfeitos usados pela sociedade e pelo Estado,hm pokerespecial as polícias, para a vinculação desse grupo com o Diabo, com o mal.”

Segundo o pesquisador, esses símbolos religiosos eram frequentemente destruídos durante as operações policiais.

Em Oraçãohm pokerTraficante, Vital Cunha descreve como as pinturashm pokersantos e entidades do candomblé passaram lentamente a ser substituídas por trechos bíblicos na favelahm pokerAcari, no Riohm pokerJaneiro, onde ela passou maishm pokeruma década fazendo pesquisa.

Ou seja, a dinâmica religiosa, que já existia, passou a ser modificada para incorporar a cultura neopentecostal que surgia.

Hoje, a criação do Complexohm pokerIsrael é exemplo dos contornos que essa relação entre tráfico e religião assumiu, diz Kristina Hinz.

Exemplo, aliás, que é copiado por outros traficantes: segundo a Polícia Civil, o chefe do tráficohm pokeruma favelahm pokerMadureira, na Zona Norte do Rio, pretende tomar os territórioshm pokerrivais para criar uma grande área sob seu domínio que chamaria “Complexohm pokerJerusalém”.