'América Latina deveria ser região com menos fome no mundo', diz pesquisador:operário x sport recife
Borrell participou do Hay Festival Cartagena, promovido na Colômbia entre 26 e 29operário x sport recifejaneirooperário x sport recife2023. A seguir, leia os principais pontos daoperário x sport recifeconversa com a BBC News Mundo, o serviçooperário x sport recifeespanhol da BBC.
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operário x sport recife BBC News Mundo: Como os alimentos se tornaram uma questão geopolítica?
operário x sport recife Juan José Borrell: Os alimentos sempre foram importantes. O ser humano estruturouoperário x sport recifeexistênciaoperário x sport recifetorno da busca pelo abastecimento alimentar desde antes do Neolítico.
Mas podemos dizer que os alimentos se transformaramoperário x sport recifeassunto geopolítico depois da Segunda Guerra Mundial, com o grande salto dado pelos Estados Unidos no cenário internacional. No marco da doutrina da contenção, da ajuda humanitária e da criaçãooperário x sport recifeorganismos como a ONU, temas como a fome e a pobreza - que giramoperário x sport recifetorno da produçãooperário x sport recifealimentos - adquiriram alcance internacional.
Vivemos nas últimas décadas um interesse renovado por uma sérieoperário x sport recifefenômenos geopolíticos que voltaram a colocar o tema do fornecimentooperário x sport recifealimentos na agenda maior da política internacional. Por exemplo, o crescimento das novas economias, a concorrência pelos recursos, o aumento da população mundial ou os danos aos ecossistemas.
operário x sport recife BBC: É uma questãooperário x sport recifeEstado ouoperário x sport recifecorporações que concorrem pelas suas posições no mercado?
operário x sport recife Borrell: É uma pergunta muito interessante porque geralmente se aborda a questão a partiroperário x sport recifeuma dicotomia entre o público e o privado. E não é assim.
Por exemplo, um dos maiores produtores, comerciantes e consumidoresoperário x sport recifealimentos que surgiram nos últimos 20 anos é a China. E sabemos que a atividade do regime comunista chinês, que planeja a política econômica e exterior das corporações do país, pode ser equiparada àoperário x sport recifequalquer empresa ocidental privada, como Cargill, Monsanto ou Unilever.
Entidades, corporações e organismos internacionais fazem parte desta concorrência. Nas grandes potências, o setor privado trabalhaoperário x sport recifemãos dadas com o setor público.
operário x sport recife BBC: Quais são os países mais bem posicionados neste aspecto?
operário x sport recife Borrell: Quem cresceuoperário x sport recifeforma gigantesca nos últimos anos foi a China, com uma política eficienteoperário x sport recifeexpansão que a levou a buscar novos recursos e melhorar a alimentação daoperário x sport recifepopulação. O país mudou seus hábitos alimentares e consome mais proteína animal, aumentando a demanda nos países produtores do Cone Sul, por exemplo.
Com relação às potências alimentares, os Estados Unidos são o centrooperário x sport recifealgumas das maiores corporações que impulsionaram a “revolução verde”, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. E há também o Reino Unido.
No que antes se chamavaoperário x sport recifeTerceiro Mundo, podemos mencionar o Brasil e,operário x sport recifeum ponto mais distante, a Argentina, que foi submetida a uma exploração intensiva e monocultura, com perda da biodiversidade.
Casualmente, neste boom produtivo, os países da América Latina sofreram aumento da pobreza estrutural e da insegurança alimentar. É um paradoxo.
operário x sport recife BBC: Qual é o objetivo dos países nisso tudo? Garantiroperário x sport recifeprópria segurança alimentar ou ganhar influência político-econômica por meio dos alimentos?
operário x sport recife Borrell: Ambas. Os alimentos são um fatoroperário x sport recifepoder. Produção, sementes, patentes, insumos, comércio, portos, frota, preços ou produtos nas gôndolas dos mercados são uma enorme fonteoperário x sport recifepoder, capacidadeoperário x sport recifeinfluência e geraçãooperário x sport reciferiqueza.
As grandes potências concorrem por espaçosoperário x sport recifemercado, para ganhar renda e ter maior autonomia alimentar.
Outros países servem para extraçãooperário x sport reciferenda, como é o caso da Argentina. Não existe uma política alimentar estratégica que solucione o problema do acesso da população aos alimentos.
O fatooperário x sport recifeum país disporoperário x sport recifeum sistemaoperário x sport recifeprodução agrícola intensiva não garante que as necessidades alimentares daoperário x sport recifepopulação sejam automaticamente satisfeitas.
operário x sport recife BBC: Segundo um relatório da ONU, no ano passado, o mundo retrocedeu nos seus esforços para acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição. Por que existe cada vez mais fome se temos melhor tecnologia para produzir alimentos?
operário x sport recife Borrell: Existe um grande mito: ooperário x sport recifeque, graças à tecnologia, os rendimentos aumentarão e, consequentemente, maior quantidadeoperário x sport recifepessoas terá acesso a um maior fornecimentooperário x sport recifealimentos.
Ou, ao contrário, que existe fome onde faltam alimentos ou há excessooperário x sport recifepopulação.
O professor indiano Amartya Sen, ganhador do prêmio Nobeloperário x sport recifeEconomia, demonstrou que,operário x sport recifemuitas fomes históricas, havia fornecimentooperário x sport recifealimentos, mas a população não tinha formaoperário x sport recifeadquiri-los.
De fato, o sistemaoperário x sport recifeprodução intensiva não gera necessariamente alimentos. Ele gera uma matéria-prima que também pode ser empregada, por exemplo, para alimentaçãooperário x sport recifeanimais ou fabricaçãooperário x sport recifebiocombustíveis.
A Argentina é o maior produtoroperário x sport recifebiodieseloperário x sport recifesoja do mundo e os Estados Unidos fabricam etanol com maisoperário x sport recifeum terço daoperário x sport recifecolheitaoperário x sport recifemilho.
operário x sport recife BBC: Ou seja, o problema da fome não se deve necessariamente à quantidadeoperário x sport recifealimentos disponíveis...
operário x sport recife Borrell: Exato. Tem a ver, como demonstra a FAO, com a questão do acesso.
Maisoperário x sport recife85% da população mundial têm acesso aos alimentos disponíveis no mercado. Mas, se não tenho os meios econômicos para procurá-los, meu acesso será prejudicado.
operário x sport recife BBC: Que papel desempenha a América Latina no mapa agroalimentar global?
operário x sport recife Borrell: O que ocorre na América Latina e no Caribe representa um grande paradoxo.
Dentre as regiões que eram consideradasoperário x sport recifeviasoperário x sport recifedesenvolvimento, nosso continente é o que tem a menor quantidadeoperário x sport recifepessoas que sofremoperário x sport recifefome crônica. Os últimos relatórios do Banco Mundial calculavam,operário x sport recifemédia, cercaoperário x sport recife55 milhõesoperário x sport recifepessoas.
Mas, atualmente, a América Latina produz alimentos para 1,3 bilhãooperário x sport recifepessoas e tem capacidadeoperário x sport recifeproduzir ainda mais. (Veja ao fim deste texto mais dados sobre a fome no mundo)
A América Latina é um grande produtoroperário x sport recifealimentos, mas parte daoperário x sport recifepopulação não tem acesso ao abastecimento. A América Latina é o lugar onde deveria haver menos pessoas com fome no mundo. É talvez o continente mais ricooperário x sport reciferecursos, terras férteis, água potável, biodiversidade...
operário x sport recife BBC: Então, qual é o problema?
operário x sport recife Borrell: É a economia política, uma combinaçãooperário x sport recifepolíticas extremamente liberais e políticas extremamente socialistas. Ambas geraram aumento da pobreza, retrocesso dos setoresoperário x sport recifeclasse média e mudanças do tipooperário x sport recifealimentação.
Estamos observando um fenômeno que não existia meio século atrás. As pessoas que conseguem ter acesso ao abastecimento alimentar consomem alimentos com qualidade nutricional mais baixa. É um fenômeno que não fica circunscrito apenas à pobreza, mas também atinge a classe média.
Os setores da classe média que dispõemoperário x sport reciferecursos, automóveis, boa moradia, celulares e bem-estar sofremoperário x sport recifeexcessooperário x sport recifepeso, obesidade mórbida ou outros problemas, devido aos maus hábitos alimentares ou produtos industriais com baixa qualidade nutricional.
operário x sport recife BBC: O sr. vê a China como um ator que d maior liberdadeoperário x sport recifeação para a América Latina?
operário x sport recife Borrell: É uma pergunta delicada. A questão não éoperário x sport recifeliberdade.
O que a China vem fazendo é ganhar mercados. Precisamos entender que o tipooperário x sport reciferelações que a China estabelece também tem caráter assimétrico.
A China se transformaoperário x sport recifeum grande comprador e, ao mesmo tempo, impõe condições que reduzem a margemoperário x sport recifeação dos países da região.
As potências nunca estabelecem relações entre iguais com países mais fracos, vulneráveis ou periféricos.
operário x sport recife BBC: A Argentina já foi considerada o “celeiro do mundo”, mas cercaoperário x sport recifequatrooperário x sport recifecada 10 pessoas do país vivem abaixo da linha da pobreza. Como se explica esta contradição?
operário x sport recife Borrell: O títulooperário x sport recife“celeiro do mundo” é um grande exagero. Não existe apenas um, mas sim diversos celeiros do mundo. Tem mais a ver com uma retórica nacionaloperário x sport recifeum passadooperário x sport recifegrandeza que não é verdade.
A Argentina é um país ricooperário x sport reciferecursos, mas tem uma política econômica deficiente, que é uma fábricaoperário x sport recifegeraçãooperário x sport recifepobreza. Não será,operário x sport recifenenhuma forma, seu próprio celeiro, que dirá o celeiro do mundo.
A Argentina tem todas as condições para ser um grande produtoroperário x sport recifealimentos. Estimativas indicam que ela poderia produzir alimentos para 300 milhõesoperário x sport recifepessoas. Mas qual é o sentidooperário x sport recifeproduzir para tantas pessoas se a metade dos menoresoperário x sport recife14 anos da Argentina sofreoperário x sport recifefome crônica?
Toda uma geração está sendo privadaoperário x sport recifesuas possibilidadesoperário x sport recifedesenvolvimento, crescimento e trabalho, devido a uma sérieoperário x sport recifepolíticas econômicas das últimas décadas, tanto pela direita quanto pela esquerda, que geraram aumento da pobreza da população.
Fome no mundo
Atualmente, segundo a FAO, cercaoperário x sport recife828 milhõesoperário x sport recifepessoas passam fome no mundo. Esse índice seguia praticamente inalterado desde 2015, próximooperário x sport recife8% da população global. Mas com a pandemiaoperário x sport recifecovid-19 e a guerra na Ucrânia, o número saltou nos últimos anos.
A situação é particularmente preocupante na Ásia, onde cercaoperário x sport recife20% da população enfrentou a fomeoperário x sport recife2021 (os últimos dados disponibilizados pela ONU). No mesmo período, no continente africano, 9% da população sofriaoperário x sport recifefome, e na América Latina e Caribe, 8,6%.
No Brasil, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, conduzido pela Rede PENSSAN e divulgadooperário x sport recifejunho passado, 33,1 milhõesoperário x sport recifebrasileiros vivemoperário x sport recifesituaçãooperário x sport recifefome no país. No fimoperário x sport recife2020, eram 19,1 milhões.
Esta reportagem é parte do Hay Festival Cartagena, um encontrooperário x sport recifeescritores e pensadores realizado na Colômbia entre 26 e 29operário x sport recifejaneirooperário x sport recife2023.