Por que Montevidéu está prestes a ficar sem água :

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Legenda da foto, A água que sai da torneiraMontevidéu tem uma quantidade maiorsódio e cloreto do que o indicado pela regulamentação uruguaia desde o finalabril, o que fez centenasmilhares a beber água engarrafada

Nesta semana, ela estava com apenas 3% da capacidade, mas já chegou a ficar com 1,7% no iníciojulho.

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Um país próximo a um dos rios mais largos do mundo e que acreditava que suas reservaságua eram infinitas enfrenta a pior seca desde 74 anos, e suas consequências não são vistas apenas na produção agrícola, mas também no dia a dia vidamais da metadeseus 3,5 milhõeshabitantes.

O Uruguai, que foi o primeiro país do mundo a incluir emConstituição que o acesso à água potável é um direito humano fundamental, agora encontra dificuldades para cumprir o que determina o documento.

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Legenda da foto, Manifestações populares pela água também são vistas nas ruasMontevidéu

Água salgada na torneira

O governocentro-direitaLuis Lacalle Pou estava confianteque a escassezágua seria resolvida com as chuvas, mas isso não ocorreu.

"(A ação foi tomada) pensando que era uma questão temporária e que as chuvas viriam", declarou o vice-ministro do Meio Ambiente, Gerardo Amarilla,entrevista ao canal local 12meadosmaio.

Questionado sobre se essa era a razão pela qual não tinha sido feita anteriormente uma represa para transferir águaoutro rio para a bacia que alimenta o abastecimento da capital, o governante reconheceu que sim.

Naquela época, o governo adotou medidas transitórias - por 45 dias - para flexibilizar os requisitosqualidade da água encanada.

"Vamos torcer para que não precisem ser prorrogados", disse Lacalle Pou na ocasião.

Setenta dias depois, a qualidade da água não melhorou.

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Legenda da foto, A plantapurificação localizada na cidadeAguas Corrientes tem mais140 anos e abastece a capital uruguaia e arredores

Com pouca água doce na represa Paso Severino, o governo autorizou26abril que a Companhia NacionalAbastecimentoÁgua (OSE, estatal) utilize a água do rio da Prata, que tem maior concentraçãosal e cloreto, e a misture com os outros estoques.

Uma semana depois, o governo permitiu que a proporçãosódio para cloreto fosse ainda maior na água que as autoridades dizem ser "própria para consumo humano".

Com essas disposições, o Uruguai garantiu que a água não parassesair quando a torneira fosse aberta.

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Legenda da foto, A reserva Paso Severino estava praticamente seca

Apesar disso, a água que hoje sai da torneiraMontevidéu pode ter, segundo autorização do governo, mais que o dobrosódio e quase o triplocloretorelação aos valores máximos da definiçãopotabilidade do país sul-americano.

Em alguns dias, porém, esses novos tetos foram ultrapassados, segundo registros oficiais.

A água também contém maior quantidadetrialometanos, compostos químicos que se formam no líquido quando ele é tratado com cloro para desinfecção.

Diante do agravamento da crise hídrica, o governo decretou estadoemergência hídrica19junho e adotou uma sériemedidas extraordinárias, como a construçãouma barragememergência euma barragem temporária, a comprauma dessalinizadora e a instalaçãouma tubulaçãocerca13 quilômetros para levar águaoutro rio até a estaçãotratamentoágua.

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Legenda da foto, O Uruguai vive a pior secasua história e isso afetou o abastecimentoágua potável.

Investimentos adiados repetidamente

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A causa imediata da crítica situação hídrica no sul do Uruguai é a faltachuva.

Nos últimos três anos e meio, choveu 25% a menos que a média histórica, e, se for considerado apenas o primeiro semestre2023, a queda foi43%relação à média.

A faltachuvas no sul do país é ainda maior e, segundo o Instituto UruguaioMeteorologia, “o período atual é o mais seco” desde 1947.

Mas os especialistas consultados pela BBC Mundo consideram que a atual situaçãoemergência foi alcançada também pela faltaplanejamento dos sucessivos governos uruguaios.

O reservatório Paso Severino foi inauguradooutubro1987 e foi o último grande projeto realizado pelo Uruguai para aumentarcapacidadeabastecimentoágua.

Sua construção havia sido planejada após um estudo realizado1970, que recomendou várias medidas adicionais a serem adotadas, como a construçãooutra barragem na cidadeCasupá, a 110 quilômetrosMontevidéu, para ter um segundo reservatóriogrande vazão.

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Legenda da foto, Onde antes havia água doce reservada para contribuir com o abastecimento quando o fluxo do rio Santa Lucía não era suficiente, agora há terra seca e rachada

A conclusãouma segunda obraabastecimentoágua foi adiada, governo após governo.

Cinco episódiosestiagem nas décadas1990 e 2000 trouxeram o tema à tonaforma intermitente, mas como essas crises não foram suficientemente severas para afetar o abastecimentoágua potável, logo o investimento voltou a ser adiado.

Em 2013 e após o aparecimentocianobactérias na água, o governo uruguaio disse que deveria ser construído um novo reservatório; um ano depois, anunciou o início do projeto Casupá.

O tempo passou, o presidente José Mujica entregou o governo ao seu sócioesquerda Tabaré Vázquez e, quase no final do mandato,dezembro2019, o então presidente apresentou os estudos preliminares para o governo Lacalle Pou iniciar a construção do reservatório.

O projeto estabeleceu um cronogramaobras com conclusãojunho2024 e exigiu um investimentoUS$ 100 milhões (cercaR$ 470 milhões).

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Legenda da foto, Um grupomanifestantes protestouMontevidéu no finalmaio pelo que consideram ter sido o saquerecursos naturais por grandes agroindústrias.

Outro projeto

O governoLacalle Pou decidiu ir por outro caminho diante da propostaum grupoinvestimentos para construir uma estaçãotratamentoágua na cidade costeiraArazatí, a oesteMontevidéu, para tirar água do rio da Prata a um custocercaUS$ 280 milhões (cercaR$1,3 bilhão), mais juros, pagáveis ​​em 20 anos.

Isso politizou a discussão pública sobre a solução, e atualmente os partidosoposição defendem o projeto Casupá, enquanto os governistas apoiam a iniciativa na costa uruguaia.

Até mesmo funcionários do governo declararam que continuam a beber água da torneira, enquanto os opositores afirmam que ela pode ser usada para quase nada.

“Suponha que (...) tivéssemos decidido pela barragemCasupá, (...) teríamos feito tudo certo enovembro ela estaria pronta; aquela represa [hoje] não tinha água”, disse Lacalle Pouentrevista coletivamaio.

“O que o governo decidiu?” perguntou o presidente, e ele respondeu: “Uma fonte inesgotávelágua como o projeto Arazatí, que tira água do rio da Prata”.

O chefeEstado disse que o projeto que lhe foi deixado pelo governo anterior não está descartado.

O gerente geral da OSE afirmou algum tempo depois que os dois projetos deveriam ser executados. "Você tem que fazer Arazatí o mais rápido possível e também tem que fazer Casupá", disse ele.

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Legenda da foto, Uruguai construiu às pressas uma nova barragem para conter água doce, mas devido aos materiais utilizados não será permanente.

"Total faltavisão"

Para o diretor do InstitutoEcologia e Ciências Ambientais da FaculdadeCiências da Universidade da República do Uruguai, Daniel Panario, houve uma “total faltavisão”.

"Acreditamos firmemente que nada acontece aqui", disse ele à BBC Mundo.

Panario, que também é doutortecnologia ambiental e gestão hídrica, entende que, para evitar essa crise, deveria ter sido feito um investimento pontual tanto na geraçãouma nova fonteágua quanto no reparotubulações.

No Uruguai, metade da água transportada pela OSE é perdida, enquanto a médiavazamentos nos paísesdesenvolvimento é35%, segundo o Banco Mundial.

“Os diferentes governos decidiram que era mais barato tornar a água potável do que consertar os canos ”, diz ele.

Sobre a dicotomia do que deveria ser a nova fonterecursos hídricos para o sul do país, Panario sustenta que "não poderia ser nenhum dos dois" projetosdiscussão, mas que o mais adequado é oCasupá porque supõe um custo mais baixo.

O especialista alerta ainda que no passado a distribuiçãoágua corrente no sul do país era descentralizada para várias fontes locais, e que ao longo das décadas a unificação dependenteuma única bacia agravou a crise atual.

Diego Berger, doutorengenharia ambiental e administraçãorecursos hídricos, concorda que o acesso à água potável no Uruguai era considerado seguro e que faltava planejamento.

“É preciso entender que é um bem finito e que no futuro haverá mais flutuações, mais anosseca e mais anosenchente”, disse à BBC Mundo.

“Nenhuma presidência vai colher frutos [de planejar e investir]seu governo porque as políticaságua implicam trabalhar no longo prazo, emuitos lugares não querem fazer isso porque transcende a administração”, acrescenta.

Berger é o coordenadorprojetos especiais no exterior da empresa israelenseágua Mekorot, contratada pela OSE antes desta crise para consultoria.

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Legenda da foto, As obras para instalar uma adutora que leva águaoutro rio até a bacia que abastece Montevidéu não foram feitas com antecedência porque o governo estava confianteque iria chover, reconheceu o vice-ministro do Meio Ambiente.

No ano passado,entrevista à mídia local, Berger disse ser um "milagre" que o sul do Uruguai tenha "água todos os dias" porque dependeuma única fonteabastecimento.

O especialista acredita que o mais conveniente é construir primeiro a estaçãotratamentoágua do rio da Prata, para garantir uma segunda fonteágua , e que o projeto Casupá seja desenvolvidouma segunda etapa, porque depende da mesma bacia que nesses anos foi afetado.

Berger também acha que é preciso conscientizar a população sobre o consumoágua.

De acordo com um relatório do Ministério do Ambiente publicado a 7julho que inclui previsões meteorológicas e projeções baseadasdiferentes modelos, a normalidade na bacia que alimenta o abastecimento ao sul do país poderá ser alcançadadezembro.

As chuvas dos últimos dias pouco ajudaram a resolver a crise hídrica do Uruguai, país que terá que buscar soluçõeslongo prazo para evitar o temido "dia zero"que falta água.