Seita ou religião: o que escondem as terminologias por trás da fé:blaze investimento app
Como tantas outras integrantes do léxico religioso, contudo, séculosblaze investimento apphistória acabaram impregnando nela um significado um bocado enviesado.
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"Seita é um termoblaze investimento appconotação quase sempre pejorativa”, contextualiza à BBC News Brasil o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católicablaze investimento appSão Paulo.
"Refere-se a um grupoblaze investimento apppessoas que compartilham um conjuntoblaze investimento appcrenças religiosas ou filosóficas que diferem daquelas dos grupos hegemônicos. Na prática, a seita é uma crença ou uma religião que ocupa posição subalterna numa sociedade. Porblaze investimento appconotação pejorativa, o termo vem sendo cada vez menos empregado.”
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Na origem do cristianismo, portanto, os da “seita do nazareno” eram os dissidentes do judaísmo — esta, sim, já uma religião consolidada — que passaram as seguir os ensinamentosblaze investimento appJesus.
“Seita geralmente é uma dissidência. Do pontoblaze investimento appvista religioso, todo movimento que vira, entre aspas, uma igreja, antes passou pela experiência da seita”, explica à BBC News Brasil o historiador e teólogo Gerson Leiteblaze investimento appMoraes, professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ele lembra justamente da maneira como o cristianismo aparece no Novo Testamento para justificar seu argumento. "O cristianismo, enquanto religião, um dia foi seita do judaísmo”, ressalta. “Porque seita é sempre uma dissidência, uma nova interpretação, uma nova maneirablaze investimento appenxergar a realidade. Diferenteblaze investimento appuma igreja consolidada que vai batizando seus filhos, casando seus filhos, transmitindo [suas crenças e valores]blaze investimento appgeraçãoblaze investimento appgeração.”
É aí que reside outro aspecto peculiar às seitas, nota o professor: os apelos missionários. “A seita acaba precisando apelar para aspectos conversionistas, porque precisablaze investimento appnovos adeptos, precisa da persuasão”, argumenta Moraes.
"Precisa convencer os outrosblaze investimento appsua visãoblaze investimento appmundo,blaze investimento appsua cosmovisão. Todo movimento dissidente, sectário, é assim. Até que um dia pode se consolidar, estabilizar a virar uma igreja.”
Nesse ponto, explica o teólogo, quanto menos prepoderante ela for na sociedade onde se encontra, mais vai manter os apelos conversionistas. “Porque,blaze investimento appúltima instância, precisam dominar o campo religiosoblaze investimento appmaneira majoritária, vencendo a concorrência do mercado da fé. Quando uma igreja se torna hegemônicablaze investimento appdeterminado país, não há porque trabalhar aspectos missionários, conversionistas, porque automaticamente, ao nascer, você já se torna membro dessa igreja”, afirma.
Um exemplo trazido pelo pesquisador reside justamente no domínio que a Igreja Católica tinha no Brasil até décadas atrás. “Não precisava fazer o trabalho conversionista, porque as pessoas nasciam e eram automaticamente batizadas na Igreja Católica, já nasciam católicas, desde criança já se entendiam como católicas”, exemplifica.
“Nesse sentido, há uma diferença entre igreja e seita. A igreja vive uma experiência orgânica, naturalblaze investimento apptransmissão daquela fé dentro das famílias, comunidades. As seitas são dissidências que precisamblaze investimento appum apelo conversionista para poderem se consolidar dentro do campo. Enquanto não conseguem dominar o campo religioso todo, mesmo virando igrejas, acabam tendo a necessidadeblaze investimento appcontinuarem com os discursos conversionistas”, diz Moraes.
Além disso, uma igreja acaba institucionalizando a prática da fé,blaze investimento appforma a organizar e sistematizar melhor a maneira como os seus seguidores praticam a vivência.
“Igreja, para os historiadores e sociólogos da religião, acaba sendo entendida como uma assembleia, uma reuniãoblaze investimento apppessoas que se encontramblaze investimento apptornoblaze investimento appuma fé,blaze investimento appum conjuntoblaze investimento appprincípios que fazem sentido e que reconectam aquelas pessoas com o absoluto, com o sagrado”, define Moraes.
“A igreja acaba criando uma dinâmicablaze investimento appque as bênçãos, o legado e a espiritualidade geram uma aliança com seus filhos e com os descendentes destes”, afirma Moraes. “A construçãoblaze investimento appuma igreja se dá muito dentro dessa perspectiva orgânica: há uma fé, uma experiência dentroblaze investimento appuma comunidade, e os membros dessa comunidade batizam seus filhos dentro da mesma fé. E aquilo vai passando como herança,blaze investimento appgeraçãoblaze investimento appgeração.”
Religião
O teólogo usa o verbo “reconectar" para explicar o que é uma igreja e isto automaticamente remete a um dos significados atribuídos à palavra religião: a ideiablaze investimento app“religar",blaze investimento appse conectar, enquanto humanidade, à esfera divina.
“Do pontoblaze investimento appvista tradicional, religião é entendida a partir da ideiablaze investimento appreligar,blaze investimento appreconectar o ser humano a essa outra dimensão totalmente estranha a ele", argumenta Moraes. “Estamos falandoblaze investimento appum plano natural, onde os homens vivemblaze investimento apprealidade, e algo que transcende a este natural, um plano transcendente que envolve aspectos sobrenaturais. De forma muito profunda, religião seria o que dá um novo sentido para a vida, uma nova perspectivablaze investimento appexistência.”
O professor ressalta que esta característica é comum a todas as religiões, já que sempre há a ideia da “reconexão com a sacralidade”.
Tradicionalmente, é uma explicação. Mas está longeblaze investimento appser unânime. De acordo com o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa,blaze investimento appAntônio Geraldo da Cunha, religião é a “crença na existênciablaze investimento appuma força ou forças sobrenaturais, considerada(s) como criadora(s) do Universo, e que como tal devem(m) ser adorada(s) e obedecida(s). O mesmo verbete registra que a palavra está presente na língua portuguesa desde o século 13, ou seja, desdeblaze investimento appgênese, e é derivada do termo latino “religio”.
É aí que reside o problema etimológico, aliás. Na antiguidade, há pelo menos quatro pensadores que procuraram explicar esta palavra. O escritor e retórico Lucio Lactâncio (240-320) bancava essa tese do “religio” como palavra derivada do verbo “religare”, argumentando que a religião servia como um laço entre a humanidade e Deus.
Agostinhoblaze investimento appHipona (354-430), depois Santo Agostinho, traz outra explicaçãoblaze investimento appseu livro ‘De Civita Dei’. Para ele “religio” vinhablaze investimento app“religere”, ou seja, reeleger. Em outras palavras, Agostinho entendia que a religião era um instrumento para que a humanidade reelegesse Deus como centro da vida.
Em ‘De Vera Religione’, contudo, livro seu publicado um pouco mais tarde, o pensador recupera a versãoblaze investimento appLactâncio e também usa e ideiablaze investimento appreligar como explicação para a religião.
Mais ou menos na mesma época, o filósofo e filólogo Ambrósio Macróbio (370? - ?) apelou para uma explicação baseada na conversão para a palavra. Segundo ele, “religio” era substantivo derivado do verbo “relinquere”, ou seja, deixa para trás. A interpretação é que aquele que decide seguir uma religião deixa a vida mundanablaze investimento applado.
A explicação mais antiga que se tem conhecimento para a etimologia latina do termo é do filósofo e político Marco Cícero (106 a.C. - 43 a.C.). Em seu trabalho ‘De Natura Deorum’, o sábio associou religião a “relegere”, ou seja, reler. O entendimento é que aquele que segue determinada religião dedica-se a reler as escrituras. Pesquisadores tendem a ver essa analogia como formablaze investimento appvalorizar o aspecto intelectual da religião, além do caráter repetitivo presente nelas.
Autor do livro ‘Viva a Língua Brasileira’ e pesquisador contumazblaze investimento appetimologias, o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues já se deteve sobre o assunto. Em coluna publicada pela Vejablaze investimento appjulhoblaze investimento app2020, ele disse que “a origem da palavra religião é palcoblaze investimento appuma luta surda que chega pertoblaze investimento appse perder no tempo".
Rodrigues afirmou que, pessoalmente, ele se inclina à “visão mais tradicional e respeitável”, no caso o verbo latino “relegere”. “[…] isto é, ‘reler, revisitar, retomar o que estava largado’, [que] pode ser visto neste contexto como o atoblaze investimento appreler e interpretar incessantemente os textosblaze investimento appdoutrina religiosa ou, quem sabe, como a retomadablaze investimento appuma dimensão (espiritual) da qual a vida terrena tende a afastar os homens”, escreveu ele, recordando que a teseblaze investimento appCícero foi retomada no século 19 pelo latinista português Francisco Rodrigues dos Santos Saraiva (1834-1900).
Para o pesquisador, a popularidade contemporânea da ideia “provavelmente romântica”blaze investimento appexplicar a religião pelo verbo religar pode ser atribuída ao,blaze investimento appsuas palavras, “contestado etimologista brasileiro Silveira Bueno” (1898-1989). “A ideiablaze investimento appque caberia à religião ‘atar os laços’ que unem a humanidade à esfera divina tem láblaze investimento appforça poética, o que talvez explique o sucesso desta versão”, cravou ele. “Diga-se queblaze investimento appautores clássicos, porém, o verbo ‘religare' é estritamente prosaico, empregado com o sentidoblaze investimento appprender os cabelos ou enfeixar a lenha.”
Etimologias à parte, a sociologia define bem o significado do termo. “Religião normalmente é vista como um conjuntoblaze investimento appcrenças, práticas e valores relacionados à adoraçãoblaze investimento appum poder ou poderes sobrenaturais, como um deus ou deuses”, explica Ribeiro Neto. “É frequentemente associada a uma instituição organizada, com história e tradições estabelecidas.”
“Se quisermos ser rigorosos, muitas vezes teríamos que distinguir a religiosidade não institucionalizada, como a crença numa entidade superiora, sem nenhum vínculo institucional ou social, ou o cristianismo popular e sincrético das regiões mais interiores do Brasil, da religião, entendida como uma religiosidade que se institucionaliza”, detalha.
Eurocentrismo
Esta visão institucional é o que provoca, no entendimento dos especialistas, uma abordagem eurocêntrica da religião. As crençasblaze investimento apppovos tidos como periféricos para a história baseada na trajetória europeia — e da imposição colonizadora dos europeus — acabam sendo tratados como algo menor, como crendices.
“Crença, antesblaze investimento apptudo, refere-se simplesmente ao atoblaze investimento appcrer, uma atitude mental ou convicçãoblaze investimento appque algo é verdadeiro ou real. E nesse sentido nem mesmo precisa ter vinculação com a religiosidade”, ensina Ribeiro Neto. “Algumas vezes usa-se o termo crença para se referir a uma religiosidadeblaze investimento appparticular, um conjuntoblaze investimento appideias, ritos e práticas que se referem à relação do ser humano com o transcendente, partilhadas por um grupo social e sem muita institucionalidade. Quando usado nesse sentido, o limite entre a crença, a religiosidade e a religião fica impreciso e dependeblaze investimento appgrande parte dos critériosblaze investimento appanálise, numa reflexão rigorosa, ou aos preconceitosblaze investimento appquem fala, na linguagem diária.”
E aí como deveriam ser enquadradas as maneiras como os povos originários da América lidavam e lidam com o transcedental? E as crenças dos africanos? “Até que ponto o critérioblaze investimento appinstitucionalização que separaria as religiões das crenças ou das religiosidades difusas não é definido pelos padrões da racionalidade ocidental?”, provoca o sociólogo.
“Por exemplo, as religiões tribais seguem o graublaze investimento appinstitucionalizaçãoblaze investimento appsuas sociedades, não precisam da sofisticação das religiões ocidentais que se desenvolveramblaze investimento appsociedades complexas”, afirma Ribeiro Neto. “As religiões afrobrasilerias, na medidablaze investimento appque a discriminação não impede, vão se institucionalizando nos padrões das religiões ocidentais, para poder atender a seus fiéis numa sociedade complexa. Tinham uma organização mais simples por conta da perseguição social ou das necessidadesblaze investimento appsuas populações, não por uma incapacidade intrínseca.”
O teólogo Moraes admite que, “no final das contas, a gente acaba usando um repertório que a gente aprende com o tempo e às vezes nem percebe que aquilo é carregadoblaze investimento appsentido e, às vezes,blaze investimento apppreconceito”.
“Desde sempre, graças a uma visão eurocêntrica implantada na América, as religiosidades ou religiões dos povos originários sempre foram vistas como inferiores”, complementa ele. “O objetivo era que fossem destruídas, banidas. Representavam, no entender do colonizador, a mentira.”
“Nesse sentido, a gente ainda carrega algum tipoblaze investimento apppreconceito ao falarblaze investimento appreligião. Quais eram as religiões dos indígenas? Talvez não houvesse uma sistematização, porque isso não foi uma preocupação para eles. Mas eram religiões demonizadas desde muito cedo [pelo europeu colonizador]. Todas as experiênciasblaze investimento appreligiosidade que eles tinham eram vistas como equivocadas. E talvez esse preconceito ainda permaneça quando a gente se refere às crenças dos povos originários.”
Moraes entende que é um processo similar o ocorrido com os africanos. “Mas, aos poucos, acredito que a gente vá corrigindo essas situações. Estamos imersosblaze investimento appum processoblaze investimento appque é necessário reavaliar uma sérieblaze investimento appcoisas. E o campo das próprias ciências da religião vai fazendo essa autocrítica e percebendo que é necessário uma correçãoblaze investimento approta”, diz.