O recém-descoberto gene que protege povos amazônicos da doençaChagas e pode inspirar tratamentos:

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Legenda da foto, O inseto barbeiro é o transmissor do protozoário Trypanosoma cruzi, que causa a doençaChagas

"Queríamos saber se existia algum sinalseleção natural entre as populações da Amazônia", lembra.

"Vale lembrar que essa floresta é um ambiente hostil,difícil sobrevivência. A vegetação é muito alta, há pouca luz, temos a circulaçãodiversos patógenos… Ou seja, os primeiros habitantes dessa região tiveram que enfrentar uma sériedesafios", complementa.

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Será que viver num local como esse deixou marcas no DNA dos amazônidas? A resposta é sim, segundo uma pesquisa recém-publicada no periódico Science Advances, que tem Hünemeier como uma das autoras.

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Legenda da foto, A Floresta Amazônica era um ambiente hostil para os primeiros habitantes, que precisaram se adaptar (até do pontovista genético)

No trabalho, o grupocientistas avaliou o genoma118 pessoas, que fazem parte19 populações nativas diferentes espalhadas pela Amazônia. Essas informações genéticas foram comparadas com aoutros povos das Américas e da Ásia.

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Os resultados mostram que as populações que vivem há milênios na maior floresta tropical do mundo apresentam variaçõestrês genes específicos capazesgarantir uma resistência maior a Chagas.

Mas os pesquisadores foram além e decidiram ver como essas alterações no DNA funcionam na prática.

Para isso, eles selecionaram um dos genes adaptados — o PPP3CA.

No laboratório, os especialistas inseriram esse trecho genético comum entre as populações amazônicascélulas cardíacas (que são as mais afetadas pelo protozoário Trypanosoma cruzi).

"Nós vimos uma redução25% na cargaparasitas que conseguiam entrar nas células cardíacas com o gene PPP3CA adaptado", estima Hünemeier.

Ou seja, a mudança genética permite que menos patógenos causadoresChagas consigam se infiltrar nas células cardíacas — o que, porvez, resultamenos problemas à saúde.

Vale lembrar aqui que Chagas é uma doença que costuma ficar "dormente" por um longo período. Uma parcela considerável dos afetados só desenvolve os sintomas típicos da fase crônica — como as complicações cardíacas — anos ou até décadas depoisserem picados e terem contato com as fezes do barbeiro.

Hünemeier avalia que os experimentos feitoslaboratório recentemente corroboram aquilo que era observado na prática.

"Quando olhamos os dados sobre a doençaChagas, a Amazônia era basicamente um vazio epidemiológico, com pouquíssimos ou nenhum casoalgumas regiões", diz.

"Uma das hipóteses que tentavam explicar isso é o tipohabitação comum por lá, que dificultaria o contato com o barbeiro. Mas isso não parecia ser suficiente para entender a situação por completo. Agora detectamos uma associação genética que parece contribuir para essa maior proteção", completa.

Descoberta inédita

A pesquisa recém-publicada descreve o primeiro exemplo nas Américasseleção natural influenciada por um patógeno entre seres humanos.

No mundo, o fenômeno só foi observadooutras quatro circunstâncias.

A mais famosa delas envolve a resistência à malária entre algumas populações africanas (que, por causa dessa mesma adaptação genética, são mais propensas a desenvolver a anemia falciforme, uma doença que afeta as células vermelhas do sangue).

"Também temos o exemplo da tripanossomíase africana, além da peste bubônica e da tuberculose, ambas na Europa", acrescenta Hünemeier.

Segundo a geneticista, a adaptação genética à doençaChagas começou há cerca7,5 mil anos, ao longo das ondas migratórias que vieram da América Central e povoaram a América do Sul.

"Parte da população seguiu para os Andes e para a costa do Pacífico. E a outra parcela foi Amazônia adentro", explica.

Hojedia, as mudanças nos genes que conferem maior proteção contra Chagas só são observados entre os amazônidas — entre os andinos, essa doença é considerada endêmica e tem uma alta frequência.

Entre as populações amazônicas ancestrais, os indivíduos que carregavam essa versão genética capaz"barrar" o Trypanosoma cruzi tinham uma vantagemrelação àqueles que não traziam essa informação no DNA.

Por causa dessa resistência maior a Chagas, eles conseguiram sobreviver e geraram mais descendentes — e esses genes adaptados passaramgeraçãogeração ao longomilharesanos, até os diashoje.

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Legenda da foto, Até 4,6 milhõesbrasileiros estão infectados com o Trypanosoma cruzi, que são os filamentos roxos vistos nesta imagemmicroscópio

Esperança para o futuro

Por fim, Hünemeier avalia que a descobertatodos esses mecanismos biológicos renova as perspectivastratamentos modernos contra Chagas.

"Quando entendemos a base genéticauma doença, fica mais fácil pensarestratégias terapêuticas diferentes", diz.

"Ao sabermos como o patógeno entra nas células e quais são os mecanismosresistência, é possível desenvolver e testar soluções novas", reforça.

E a busca por vacinas e remédios contra Chagas é urgente e necessária: o Ministério da Saúde estima que entre 1,9 e 4,6 milhõesbrasileiros estejam infectados com o Trypanosoma cruzi.

Só2019, essa enfermidade provocou 4,2 mil mortes no país.

Na América Latina (incluindo o Brasil), são mais6 milhõescasos estimados da doença.

A geneticista conta que, além das regiões onde a doença é endêmica há séculos, a doençaChagas também começa a preocupar outras partes do mundo, como os Estados Unidos e a Europa.

E isso se deve a dois fatores principais. Primeiro, às mudanças climáticas, que facilitam o espalhamento dos insetos que transmitem o protozoário para regiões que antes eram frias, mas agora estão mais quentes.

Segundo, à imigração e à facilidade para viajar, pois indivíduos infectados podem se mudarpaís e estabelecer ciclostransmissão no novo local sem nem saber que carregam o agente infeccioso.

"Precisamos prestar cada vez mais atenção nas doenças tropicais e desenvolver soluções que atendam não apenas os norte-americanos e os europeus, mas principalmente as populações que são historicamente negligenciadas", conclui Hünemeier.

- Este texto foi publicadohttp://vesser.net/articles/c87vd031k33o