Qual é para cada religião o momento do início da vida — e como cada uma lida com aborto :jogo da roleta mágica
Em comum, a questão que geralmente baliza o debate é o momentojogo da roleta mágicaque a "alma" é concedida ao novo ser.
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Mas as interpretações variam dentro do cristianismo e, claro, quando comparamos também com outras religiões importantes mas menos difundidas no Brasil contemporâneo.
A reportagem ouviu especialistas e traz, a seguir, os entendimentos da Igreja Católica Apostólica Romana,jogo da roleta mágicaigrejas cristãs protestantes e evangélicas, das religiosidades indígenas e dasjogo da roleta mágicamatriz africana, do espiritismo kardecista, do judaísmo e do islã.
A partir desse entendimento, cada credo costuma traçarjogo da roleta mágicarégua moral para assuntos como sexo para fins não reprodutivos, métodos contraceptivos, aborto e relações homoafetivas.
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Ex-coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católicajogo da roleta mágicaSão Paulo (PUC-SP) e editor do jornal O São Paulo, da Arquidiocesejogo da roleta mágicaSão Paulo, o sociólogo e biólogo Francisco Borba Ribeiro Neto argumenta à BBC News Brasil que "no caso do catolicismo, o conceitojogo da roleta mágicaorigem da vida evoluiu com o desenvolvimento dos conhecimento sobre biologia fetal".
"O cristianismo sempre condenou o aborto, mas na Idade Média se supunha que a alma não se incorporaria plenamente ao feto já na concepção. Com a evolução do conhecimento científico, a Igreja Católica passou a assumir que a alma é infundida no corpo já no momento da concepção”, defende ele.
Para o sociólogo, a questão parte do conhecimento científico. E, segundo ele, é por isso que a Igreja condena o aborto.
"Em primeiro lugar, acho importante fazer um a distinção para entendermos o que realmente estájogo da roleta mágicadebate. Ninguém pode, hojejogo da roleta mágicadia, duvidar do fatojogo da roleta mágicaque uma nova vida se origina na concepção. Quando o óvulo e o espermatozoide se encontram, surge um novo código genético, que corresponde a um novo ser vivo. Este é um dado científico universalmente aceito. O debate real é se esse novo ser vivo, ainda desprovido das características próprias da condição humana, pode ser considerado uma pessoa humana portadorajogo da roleta mágicadireitos equivalentes aosjogo da roleta mágicauma pessoa já nascida", pontua.
"Esse caráter, pertencente constitutivamente à filosofia do direito, não interessa aos envolvidos no debate, por isso permanece camuflado", diz Ribeiro Neto.
"Aos que defendem o direitojogo da roleta mágicaescolha [ou seja, o direito ao aborto], não interessa a constataçãojogo da roleta mágicaque o feto já é um ser humano diferente, mesmo que seja apenas do pontojogo da roleta mágicavista biológico. Aos que defendem o direito à vida, não interessa destacar que pode existir uma diferença entre um novo ser vivo, no sentido biológico estrito) e uma pessoa dotadajogo da roleta mágicadireitos, que é uma questão filosófica e social."
Como a Igreja entende que a alma é concedida por Deus já no momento da concepção, qualquer método abortivo é visto, nas palavras do sociólogo, como "um atentado contra o direito à vidajogo da roleta mágicauma pessoa".
Mas há um senão. "Os métodos contraceptivos não são totalmente condenados pelo catolicismo. Ele [a Igreja] concorda com os chamados métodos naturais, que monitoram o ciclo reprodutivo da mulher e indicam que se mantenha relações sexuais nos diasjogo da roleta mágicaque ela está infértil, para evitar a concepção, ou nos dias férteis, no caso dos casais que desejam ter filhos”, explica ele. É a chamada tabelinha.
Por outro lado, Ribeiro Neto ressalta que preservativos, dispositivo intrauterino (DIU) e a pílula são contraindicados. Assim como procedimentos definitivos, como a laqueadura e a vasectomia. "Porque não dariam espaço à livre açãojogo da roleta mágicaDeus", afirma. "Todo ato sexual deve estar aberto à possibilidade da geraçãojogo da roleta mágicauma nova vida."
"O sexo não reprodutivo é plenamente aprovado pela Igreja, que reconhece que a sexualidade tem um valor unitivo, isso é, reforça a união entre homem e mulher. Contudo, justamente por representar essa unidade entre ambos, deve estar aberto à reprodução, que é o auge do amor entre dois seres humanos: a criaçãojogo da roleta mágicaum terceiro ser que é a fusãojogo da roleta mágicaambos", salienta ele.
Isso implica numa questão correlata: a maneira como o catolicismo vê as uniões homoafetivas. A não aceitação desses casamentos, conforme explica Ribeiro Neto, é porque,jogo da roleta mágicaúltima instância, eles "não podem, naturalmente, gerar um filho".
Igrejas protestantes e evangélicas
Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o teólogo, filósofo e historiador Gerson Leitejogo da roleta mágicaMoraes lembra que, "de maneira geral, o cristianismo, seja o católico, seja o protestante ou evangélico, trabalha com a ideiajogo da roleta mágicaque existe uma ordem controlada pelo criador, que comanda tudo".
"É preciso,jogo da roleta mágicaalguma forma, respeitar esse doador da vida. Isso está na tradição cristã que foi inicialmente pensada pela confissão católica e também na que teve sequência com os protestantes e evangélicos", afirma.
Ele lembra que as raízes desse entendimento estão na filosofia do teólogo Tomásjogo da roleta mágicaAquino (1224-1274), que definia como "pessoa" a "substância capazjogo da roleta mágicapensar".
"Assim, a pessoa é um ser racional, mas não que tenha recebido essa racionalidadejogo da roleta mágicamaneira natural, no sentidojogo da roleta mágicaherdar uma carga genética dos pais. O dom da vida, a racionalidade, ela é algo espiritual que foi infundida, associada a cada um por meiojogo da roleta mágicaum ato criador. Por isso que a vida acaba sendo um presentejogo da roleta mágicaDeus", contextualiza Moraes.
"A definição se torna bastante sofisticada porque coloca Deus na parada."
"Na tradição protestante é muito comum você escutar que os seres humanos criados são a joia da criaçãojogo da roleta mágicaDeus, por isso temos o direitojogo da roleta mágicaadministrar o cosmos, porque somos sujeitos racionais", completa.
Assim, para os cristãos não católicos a ideia é a mesma: a vida começa na concepção. "Porque,jogo da roleta mágicaalgum momento, Deus infunde a alma" diz o teólogo.
Mas se os católicos costumam se apoiarjogo da roleta mágicacatataus filosóficos e teológicos construídosjogo da roleta mágicaquase 2 mil anos, protestantes se fiam mais no que está na Bíblia por si só. E aí o principal fator a condenar o aborto é um trecho do Antigo Testamento que aparece no Salmo 139.
Ali diz que "os teus olhos [de Deus] viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quaisjogo da roleta mágicacontinuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia".
"Segundo esse texto, Deus conhecia a pessoa antes mesmojogo da roleta mágicaela existir", interpreta. "E Deus conhecida o plano eterno. Já via, com seus olhos, a substância ainda informe. Nesse sentido, a partir daquele bolojogo da roleta mágicacélulas, da fecundação, já há uma vida, uma pessoa conhecida por Deus."
Por outro lado, as igrejas protestantes costumam ser mais abertas ao usojogo da roleta mágicamétodos contraceptivos.
"Há uma liberdade maior. Não há problema quanto ao sexo não reprodutivo desde que dentro do casamento, porque se entende que o homem foi dado à mulher e a mulher foi dada ao homem. O sexo deve acontecer porque ambos foram abençoados por Deus numa relação legítima e essas duas pessoas estão unidas para se reproduzirem, criarem filhos mas também para se alegrarem, sentirem prazer e viverem uma vidajogo da roleta mágicafidelidade sem nenhuma imposição ou restrição sexual", comenta.
No caso do aborto, Moraes explica que tradicionalmente os protestantes sempre condenaram a práticajogo da roleta mágicamodo indiscriminado mas respeitavam o direitojogo da roleta mágicaescolhajogo da roleta mágicaseus fiéis, sobretudojogo da roleta mágicacasosjogo da roleta mágicaviolência contra a mulher, estupro ou mesmo quando a gestante corre riscojogo da roleta mágicavida ou o feto tem alguma má-formação. "A tradição sempre foi voltada ao pró-escolha", conta.
Isso mudou com a ascensãojogo da roleta mágicagrupos evangélicos fundamentalistas aliados a gruposjogo da roleta mágicaextrema-direita, segundo explica o professor.
"Em uma mimetização do que vem ocorrendo nos Estados Unidos desde os anos 1960, vemos no Brasiljogo da roleta mágicahoje lideranças evangélicas promovendo manifestações atéjogo da roleta mágicafrente a clínicas que praticam aborto", comenta.
Há variaçõesjogo da roleta mágicadenominação para denominação.
"É preciso lembrar quejogo da roleta mágicaoutras igrejas as coisas podem funcionarjogo da roleta mágicaforma diferente. Há igrejas pentecostais que são inclusivas, mas mesmo aí ainda prevalece algum moralismo. A igreja Cidadejogo da roleta mágicaRefúgio, por exemplo, é uma igreja inclusiva, mas proíbe o sexo antes ou fora do casamento. A Igreja Universal, no início deste século, não se opunha ao aborto. Passou a proibir o aborto posteriormente. Essa igreja defende o planejamento familiar com o usojogo da roleta mágicamétodos contraceptivos", exemplifica o sociólogo Edin Sued Abumanssur, professor da PUC-SP, onde lidera o Grupojogo da roleta mágicaEstudos do Protestantismo e Pentecostalismo.
Sobre a origem da vida, ele toma como exemplo duas igrejas evangélicas bastante disseminadas no Brasil, a Deus é Amor e a Assembleiajogo da roleta mágicaDeus. "[Para ambas] a origem da vida está no momento da concepção", esclarece.
"Para as duas igrejas o casamento é mandamento divino e as relações sexuais devem acontecer apenas no contexto do casamento. Sexo antes do casamento é proibido e implica disciplina para os faltosos. Sexo com outro que não o marido ou a esposa é adultério e implicajogo da roleta mágicaexclusão da igreja. O casamento é necessariamente monogâmico, heterossexual."
Há regras claras para o matrimônio. Na Deus é Amor, casamento só deve acontecer depois dos 16 anos para mulheres e 18 anos para os homens.
As mulheres entre 16 e 18 anos só podem casar com homensjogo da roleta mágicaaté, no máximo, 28 anos. Se tiver entre 18 e 21 anos pode se casar com homensjogo da roleta mágicaaté 36 anos. A partirjogo da roleta mágica21 anos pode se casar com homensjogo da roleta mágicaqualquer idade. Há preceitos para quando é o casojogo da roleta mágicao homem ser mais novo que a mulher", diz Abumanssur.
"Ambas as igrejas só reconhecem a família heterossexual. Qualquer relação homoafetiva é vista como pecado e passíveljogo da roleta mágicaexclusão da igreja. Para a Deus é Amor, métodos contraceptivos são proibidos a não ser por ordem médica ou quando o marido não for crente e exigir a operação para evitar filhos."
"Para ambas as igrejas o aborto é proibidojogo da roleta mágicaqualquer circunstância, mesmo naqueles casos previstos na lei. Para as igrejas pentecostais que conheço o aborto é sempre proibido", esclarece.
Judaísmo
De acordo com o historiador, hebraísta e rabino Theo Hotz, apresentador do podcast Torá com Fritas, são diversas as opiniões no judaísmo sobre o momento do início da vida. De acordo com a Lei Judaica, a vida humana se inicia no momento do nascimento.
"Feto e bebê são diferenciados a partir do ato do nascimento. Enquanto ainda na fase uterina, o feto é considerado como vidajogo da roleta mágicapotencial, mas ainda parte da mãe, como se fosse um órgão dela. Tanto os antigos sábios do Talmud, quanto os legisladores da Lei Judaica entendem que, após a cabeça do bebê ter saído, ele é considerado um ser humano completo. Outras autoridades entendem que somente após a maior parte do bebê ter saído ele deve ser considerado como um ser humano completo", esclarece Hotz.
A base do entendimento é bíblica e remonta ao livro do Gênesis, parte das escrituras tanto do judaísmo quanto das denominações cristãs. Ali diz que "Deus então soproujogo da roleta mágicasuas narinas o fôlego da vida, e ele se tornou um ser vivente".
"Assim, a respiração natural é vista como base para a determinaçãojogo da roleta mágicaquando a vida começa e termina. Como dentro do útero, cercado pelo líquido amniótico, o feto é incapazjogo da roleta mágicarespirar, seu potencialjogo da roleta mágicavida só é realizado a partir do momentojogo da roleta mágicaque tem contato com o ar e pode respirar por si só e naturalmente", explica o historiador.
Ele ressalta, contudo, que não há um consenso. A cabalá, ou seja, a mística judaica, tem o entendimentojogo da roleta mágicaque a vida se inicia a partir da entrada no quarto mêsjogo da roleta mágicagestação. "Daqui, por exemplo, surge o costumejogo da roleta mágicasomente se anunciar uma gravidez após a compleiçãojogo da roleta mágicatrês mesesjogo da roleta mágicagestação", conta.
"Há quem diga, porém, que tal costume se desenvolveu por puro empirismo, após a observação do fatojogo da roleta mágicaque era muito comum se perder uma gravidez durante o primeiro trimestre."
Segundo o historiador e rabino, a visão judaica não condena o aborto. "Entendendo a respiração natural como a realização total do potencialjogo da roleta mágicavida humana, o judaísmo entende que a gravidez pode ser interrompida a qualquer momento antes do nascimento. Desse modo, o aborto não é visto como algo fundamentalmente proibido pela Lei Judaica", contextualiza.
"Contudo, é importante compreender que o judaísmo, embora não proíba o aborto, tampouco o incentiva. Autoridades legais e mestres da filosofia judaica entendem que o objetivo do feto é realizar o seu potencialjogo da roleta mágicavida, assim, a gravidez não deveria ser interrompida por qualquer motivo", ressalta ele.
Um dos motivos vistos como razoáveis para a prática é quando a gestante corre riscos. "Neste caso, entende-se a mãe como potencial já realizado versus o feto potencial ainda não realizado. Deste modo, a vida da mãe estaria acima do potencialjogo da roleta mágicavida fetal", afirma.
Outros casos aceitáveis são quando a viabilidade da vida do potencial é baixa, como no casojogo da roleta mágicafetos com malformações e outras anomalias. “[Nestas situações], o aborto pode ser recomendado, não incorrendojogo da roleta mágicaqualquer culpa religiosa sobre os progenitores", diz Hotz.
O rabino explica que métodos contraceptivos são, "de maneira geral, não recomendados pelo judaísmo". "Mas as autoridades rabínicas são incentivadas a analisar caso a caso, podendo vir a autorizar seu uso ou recomendá-lo no caso, por exemplo,jogo da roleta mágicauma família pobre, que não tenha condiçõesjogo da roleta mágicacriar um filho naquele momento da vida".
Neste caso o fundamento é o mesmo, ou seja, da precária viabilidade da vida cujo potencial venha a ser realizado.
"De todo modo, num caso assim, muitas vezes não se recomenda o método contraceptivo, mas sim, que se entregue a criança nascida para adoção", comenta.
Islã
O islã tem o entendimentojogo da roleta mágicaque a vida começa 120 dias depois da concepção. Isto está presente no Corão, o livro sagrado da religião.
"Tem uma surata que fala da formação [do feto]. Primeiro, o coágulo, depois o pedaçojogo da roleta mágicacarne, os ossos", explica a antropóloga Francirosy Campos Barbosa, professora na Universidadejogo da roleta mágicaSão Paulo (USP).
No texto, há o chamado período do esperma,jogo da roleta mágica40 dias, seguido pelajogo da roleta mágicatransformaçãojogo da roleta mágicacoágulo, outros 40 dias, e então ao pedaçojogo da roleta mágicacarne, mais 40 dias.
"Então Deus manda um anjo até a criatura que está sendo gestada e assopra a vida. Esse anjo é ordenado a registrar para essa criança o sustento, as ações, quando vai morrer, se será uma pessoa bem-aventurada ou não… Esses pontos já se decidem ali, nesse momentojogo da roleta mágicaque a criança recebe a vida", afirma Barbosa.
Essa crença implicajogo da roleta mágicaduas consequências. A primeira é que o aborto, para o islã, é algo terminantemente proibido. Mas há o tal prazojogo da roleta mágica120 dias. "Se pensarmos claramente, não é ainda vida [para os que professam essa fé], então não teria determinados impedimentos", diz a antropóloga.
Contudo, mesmo assim, evita-se, conforme ressalta a professora. Porque não há um consenso entre os sábios da religião. "Há especialistas que dizem que se o aborto ocorre antes [dos quatro meses], não há problemas. Mas há quem discorda. O mais comum é aceitar nos casosjogo da roleta mágicaque a mãe está correndo riscojogo da roleta mágicavida", explica.
Sobre métodos contraceptivos, Barbosa conta que dentro do islã não há problemas desde que não sejam permanentes. Ou seja: laqueadura e vasectomia não são aceitos, mas os outros métodos não são vistos como problemáticos. "Na época do profeta [Maomé ou Muhammad, como preferem seu seguidores], se fazia uma prática conhecida como coito interrompido. Que ele e seus companheiros já realizavam", diz Barbosa.
Espiritismo kardecista
Como se tratajogo da roleta mágicauma doutrina reencarnacionista, a linha espírita kardecista parte da ideia "de que a alma é imortal e a gente tem várias existências, várias vidas", como explica a historiadora e socióloga Célia da Graça Arribas, professora na Universidade Federaljogo da roleta mágicaJuizjogo da roleta mágicaFora (UFJF) e autora do livro 'Afinal, Espiritismo é Religião?'.
"O princípio da vida, então, é pensado como uma espéciejogo da roleta mágicaevolução. Passamos por algumas existências, das plantas aos animais, até chegarmos aos seres humanos. Mas a ideia é que ninguém nunca regride", contextualiza. "O fundo da teoria espírita é a ideia da evolução."
A pesquisadora salienta que, embora o espiritismo seja praticadojogo da roleta mágicageral por pessoasjogo da roleta mágicaclasses sociais mais elevadas do que a que compõe a massajogo da roleta mágicaevangélicos neopentecostais no Brasil, a intransigência à possibilidade do aborto é uma pauta que une esses dois grupos.
"Embora haja espíritas progressistas que pensam no aborto a partir das lentes da saúde pública, o que predomina é uma visão muito forte contra qualquer tipojogo da roleta mágicaaborto. O pensamento hegemônico [dentro da doutrina] é conservador, então eles são completamente contrários à descriminalização do aborto", diz.
No entendimento deles, impedir o términojogo da roleta mágicauma gestão é impedir a vindajogo da roleta mágicaum espírito programado para reencarnar. "Alguém que tem objetivos, provas a cumprir na Terra. Ou seja, o aborto seria uma ação contrária às leis naturais e divinas. É um discurso alinhado com a perspectiva católica e evangélica, nesse sentido", argumenta a pesquisadora.
De modo geral, os espíritas kardecistas não se opõem aos métodos contraceptivos, desde que as relações sexuais sejam feitas com consentimento e responsabilidade. "A partir da ideiajogo da roleta mágicauma parceria fixa e do amor", esclarece Arribas. A exceção é o DIU. "Porque como ele não impede a fecundação, mas sim a absorção do zigoto no colo do útero para o começo da gestação, para muitos espíritas ali já estava implementado o espírito reencarnante", diz.
Uma informação interessante a respeito é que um dos proponentes do estatuto do nascituro,jogo da roleta mágica2007, foi o então deputado federal Luiz Carlos Bassuma, que segue o espiritismo. "[Trata-sejogo da roleta mágicauma proposta que] prevê que o feto tem direito à vida, à integridade física, a partir do momentojogo da roleta mágicaque é concebido. Na prática, qualquer aborto seria proibido, inclusivejogo da roleta mágicacasosjogo da roleta mágicaestupro", pontua a professora.
Povos originários
Dentre os tantos povos indígenas brasileiros, são muito diversas as crenças sobre o momentojogo da roleta mágicaque a vida se inicia. E, atualmente, esses entendimentos muitas vezes estão contaminados com preceitos cristãos, seja oriundosjogo da roleta mágicamissionários católicos, sejajogo da roleta mágicaevangélicos.
Professor na Universidade Federal do Amapá (Unifap), o historiador e antropólogo Giovani José da Silva explica que essas posturas costumam variar conforme "as narrativas míticasjogo da roleta mágicacada povo".
"Há os que acreditam que a alma adentra o corpo no momento do nascimento e aqueles que acreditam que o espírito já esteja presente no momento da fecundação. Os que sofreram influência religiosa cristã costumam entender que um fetojogo da roleta mágicaalgumas semanas já é um ser vivo", argumenta.
"E isso, claro, vai influenciá-los a aceitar ou não o aborto."
Ele cita, contudo, pesquisas realizadas na etnografia dos kadiwéus mbayá-guaikurú e os classifica como exemplosjogo da roleta mágicauma população que via com naturalidade a prática do aborto. "Seus ancestrais muitas vezes abortavam e, no lugar dessa criança abortada, costumavam raptar uma criançajogo da roleta mágicaoutro grupo", comenta.
Ao longojogo da roleta mágicaquase 10 anos, nos anos 2000, Silva participou da organizaçãojogo da roleta mágicaoficinasjogo da roleta mágicaeducação sexualjogo da roleta mágicacomunidades indígenas, principalmente visando a conter a propagaçãojogo da roleta mágicainfecções sexualmente transmissíveis. Ele constatou que diversos métodos contraceptivos e receitas abortivas, muitos deles ligados ao usojogo da roleta mágicaplantas específicas, eram utilizados pelas mulheres sem nenhum problema ou tabu.
"Há, nos povos [indígenas] a ideia e o sentimentojogo da roleta mágicase fazer sexo para fins não reprodutivos,jogo da roleta mágicadar prazer aos parceiros", comenta. "Evidentemente que a entradajogo da roleta mágicacenajogo da roleta mágicareligiões cristãs, sobretudo as evangélicas neopentecostais, com um discurso bastante moralista, provocou mudançasjogo da roleta mágicacomportamento."
Candomblé
De acordo com o sociólogo, antropólogo e babalorixá Rodney William Eugênio, autor de, entre outros livros, A Bênção aos Mais Velhos: Poder e Senioridade nos Terreirosjogo da roleta mágicaCandomblé, não existe na religião africana nada que impeça a interrupção voluntáriajogo da roleta mágicauma gravidez ou a decisãojogo da roleta mágicanão engravidar.
"Não há juízo moral no candomblé, sobretudo essa moral restritiva normalmente vinculada às religiões cristãs. Cada um exerce o direito e a responsabilidade sobre seu próprio corpo", salienta ele.
"Não há nenhum fundamento que condene o aborto, muito menos os métodos contraceptivos. Aliás, compreender o aborto dentrojogo da roleta mágicaum contexto histórico nos ajuda a incluir a prática como uma condição diante do contextojogo da roleta mágicaviolência do processojogo da roleta mágicaescravidão e da vulnerabilidade social que seguiu no pós-abolição. Usar qualquer história sagrada dos orixás para criticar o aborto, alémjogo da roleta mágicaleviano, seria uma grande hipocrisia. São as mulheres negras as maiores vítimasjogo da roleta mágicaprocedimentos mal-sucedidos. Portanto, deve ser uma preocupação dos terreiros que abortos, quando necessários, possam ser feitos sem riscos e com a devida assistência."
No entendimento do candomblé a vidajogo da roleta mágicacada um começa antes mesmo do nascimento na Terra.
"Resumidamente,jogo da roleta mágicaacordo com as histórias sagradas dos orixás, cada umjogo da roleta mágicanós escolhe no Orun, o mundo das divindades e ancestrais, um Ori, ou seja, cabeça, mente, consciência, para nascer no Aiyê, a Terra. Antes do nosso nascimento nosso Ori escolherá um Odu, o caminho, destino, e deve testemunhá-lo diantejogo da roleta mágicaExu Onibodê Orun, o guardião da grande encruzilhada que separa o Orun do Aiyê, e Orunmilá, o senhor dos oráculos", narra.
"Dizemos tudo que vamos realizar: vitórias, desafios, conquistas, dificuldades, encontros, guerras e até o tempojogo da roleta mágicaque vamos ficar na Terra. Quando atravessamos o portal, Exu nos faz esquecerjogo da roleta mágicatudo para que tenhamos direito ao arbítrio", prossegue.
"Sendo assim, o Orijogo da roleta mágicacada pessoa já determinou como serájogo da roleta mágicavida, seu tempo no Aiyê e como serájogo da roleta mágicamorte, inclusive no casojogo da roleta mágicamortes prematuras. Nós escolhemos a quem nosso destino vai se atrelar,jogo da roleta mágicaqual família nascermos, quem serão nossos pais ejogo da roleta mágicaque forma morreremos."
Sobre os que têm esse nascimento interrompido, também há uma explicação. "No Orun há uma sociedade dos Abikus, que são os predestinados a não cumprir seu odu na Terra, nascendo mortos ou nem chegando a nascer", esclarece Eugênio.