Por que é mito dizer que escravidão na Antiguidade não foi ruim:greenbet go

Gravuragreenbet gorelevo ilustra uma filagreenbet goprisioneiros no Templo do Solgreenbet goAbu Simbel, no Egito

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Legenda da foto, Gravuragreenbet gorelevo ilustra uma filagreenbet goprisioneiros no Templo do Solgreenbet goAbu Simbel, no Egito

Algumas pessoas podem se lembrar das histórias bíblicas, como os irmãos ciumentosgreenbet goJosé, que o escravizaram e venderam. Outros podem referir-se a filmes como Spartacus (1960) ou ao mitogreenbet goque pessoas escravizadas teriam construído as pirâmides do Egito.

Como esses tiposgreenbet goescravidão ocorreram muito tempo atrás e não eram baseados no racismo moderno, algumas pessoas têm a impressãogreenbet goque eles eram menos rígidos, ou menos violentos.

Esta impressão abre espaço para que figuras públicas atuais, como o teólogo cristão e filósofo analítico William Lane Craig, defendam que, na verdade, a escravidão na Antiguidade era benéfica para as pessoas escravizadas.

Fatores modernos, como o capitalismo e a pseudociência racista, levaram ao longo e doloroso comércio transatlânticogreenbet gopessoas escravizadas. O trabalho escravo inspirou, por exemplo, teorias econômicas sobre o “livre mercado” e o comércio global.

Mas, para compreender a escravidão daquela época – ou para combater a escravidão atual –, também precisamos entender a longa história dos trabalhos forçados.

Como estudioso da escravidão na Antiguidade e no início da história do Cristianismo, costumo encontrar três mitos que dificultam a compreensão da escravidão antiga e do desenvolvimento dos sistemasgreenbet goescravidão ao longo do tempo.

Relevo funerário romano da família Decii,greenbet goantigas pessoas escravizadas do século 2º d.C. Marido e esposa aparecemgreenbet gomãos dadas com seu filhogreenbet gopé entre eles, segurando um pombo. A inscrição os identifica como A. Decius Spinther, Decia Spendusa e A. Decius Felicio

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Legenda da foto, Relevo funerário romano da família Decii,greenbet goantigas pessoas escravizadas do século 2º d.C. Marido e esposa aparecemgreenbet gomãos dadas com seu filhogreenbet gopé entre eles, segurando um pombo. A inscrição os identifica como A. Decius Spinther, Decia Spendusa e A. Decius Felicio

Mito n° 1: Existe uma espéciegreenbet go‘escravidão bíblica’

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O conjuntogreenbet gotextos que forma a Bíblia reúne séculosgreenbet godiferentes escritores espalhados pelo Mediterrâneo e pela Mesopotâmia. Eles se encontravamgreenbet gocircunstâncias frequentemente muito distintas, o que dificulta a generalizaçãogreenbet gocomo funcionava a escravidão nas sociedades “bíblicas”.

O ponto mais importante a considerar é que a Bíblia hebraica (chamada pelos cristãosgreenbet go“Velho Testamento”) surgiu pela primeira vez no antigo Oriente Próximo, enquanto o Novo Testamento veio a público no início do Império Romano.

As formasgreenbet goescravidão e trabalhos forçados no antigo Oriente Próximo –greenbet goregiões como o Egito, a Síria e o Irã – nem sempre significavam que as pessoas escravizadas eram consideradas mercadorias. Na verdade, algumas pessoas eram escravizadas temporariamente para pagamentogreenbet godívidas.

Mas este não era o casogreenbet gotodas as pessoas escravizadas no antigo Oriente Próximo – e, certamente, nem no final da República Romana e no início do Império Romano. Na verdade, milhõesgreenbet gopessoas foram traficadasgreenbet goRoma para trabalhos forçadosgreenbet goambientes domésticos, urbanos e agrícolas.

Por isso, os diversos períodos e culturas envolvidas na produção da literatura bíblica fazem com que não exista algo que possa ser considerado uma “escravidão bíblica” única. E também não existe uma “perspectiva bíblica” única sobre a escravidão.

O máximo que se pode dizer é que nenhum escritor ou texto bíblico condena explicitamente a instituição da escravatura ou a manutençãogreenbet gopessoas escravizadas como se fossem mercadorias.

Na verdade, os questionamentos mais vigorosos sobre a escravidão pelos cristãos começaram a surgir no século 4° d.C., com os textosgreenbet gofiguras históricas como o teólogo São Gregóriogreenbet goNissa, que viveu na Capadócia (hoje, parte da Turquia).

José é vendido pelos seus irmãos. Quadrogreenbet go1636-1641, da coleção do Museu Capitolinogreenbet goRoma, na Itália

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Legenda da foto, José é vendido pelos seus irmãos. Quadrogreenbet go1636-1641, da coleção do Museu Capitolinogreenbet goRoma, na Itália

Mito n° 2: A escravidão na Antiguidade não era tão cruel

Este mito, como o primeiro, costuma surgir da associação entre algumas práticasgreenbet gotrabalhos forçados do Egito e do Oriente Próximo, como a escravidão para o pagamentogreenbet godívidas ou com a propriedade das pessoas escravizadas, praticada pelos romanos.

Quando nos concentramosgreenbet gooutras formasgreenbet gotrabalhos forçadosgreenbet goculturas específicas da Antiguidade, fica fácil subestimar a prática disseminada da escravidão egreenbet gobrutalidade.

Mas,greenbet gotodo o antigo Mediterrâneo, existem evidênciasgreenbet gouma sériegreenbet gopráticas horríveis: marcação, açoitamento, desfiguração corporal, abusos sexuais, tortura durante julgamentos legais, encarceramento, crucificação e muito mais.

Existe uma inscrição latina na antiga cidadegreenbet goPuteoli (pertogreenbet goNápoles, na Itália) que indica qual o pagamento que os escravizadores poderiam oferecer aos encarregadosgreenbet goaçoitar ou crucificar pessoas escravizadas.

E os próprios cristãos não se isentaramgreenbet goparticipar desta crueldade.

Arqueólogos encontraram, na Itália e até o norte da África, colares que os escravizadores colocavam nos seus escravizados, oferecendo uma recompensa pelagreenbet godevolução,greenbet gocasogreenbet gofuga. E alguns desses colares incluíam símbolos cristãos, como o Chi-Rho (☧), que combina as duas primeiras letras do nomegreenbet goJesus Cristogreenbet gogrego.

Um dos colares encontrados chega a mencionar que a pessoa deve ser devolvida para o seu escravizador – no caso, Félix, o arquidiácono.

É difícil aplicar padrões morais contemporâneos às eras mais antigas, que dirá a sociedadesgreenbet gomilharesgreenbet goanos atrás.

Mas, mesmogreenbet goum mundo antigo no qual a escravidão sempre esteve presente, fica claro que nem todas as pessoas adotavam a ideologia da elite escravizadora. Existem registrosgreenbet godiversas rebeliõesgreenbet gopessoas escravizadas na Grécia e na Itália. A mais famosa delas envolveu o gladiador fugitivo Spartacus.

Mito n° 3: A escravidão na Antiguidade não era discriminatória

Detalhegreenbet gorelevo assírio mostra pessoas escravizadas trabalhandogreenbet gouma pedreira (acervo do Museu Britânico)

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Legenda da foto, Detalhegreenbet gorelevo assírio mostra pessoas escravizadas trabalhandogreenbet gouma pedreira (acervo do Museu Britânico)

A escravidão no Mediterrâneo antigo não se baseava na etnia, nem na cor da pele, como ocorreu com o comérciogreenbet gopessoas escravizadas através do Atlântico. Mas isso não significa que os sistemasgreenbet goescravidão da Antiguidade não fossem discriminatórios.

Grande parte da história da escravidão grega e romana envolve a escravizaçãogreenbet gopessoasgreenbet gooutros grupos. Os atenienses escravizavam pessoasgreenbet goforagreenbet goAtenas, os espartanos escravizavam pessoas que não eram espartanas e os romanos escravizavam pessoasgreenbet goforagreenbet goRoma.

Muitas vezes capturadas ou vencidasgreenbet goguerras, essas pessoas escravizadas eram transferidas à força para outra região ou mantidas nagreenbet goterra ancestral e forçadas a fazer trabalhos agrícolas ou domésticos para os conquistadores.

As leis romanas exigiam que a natio – o localgreenbet goorigem – dos escravizados fosse anunciada durante os leilões.

Os escravizadores do Mediterrâneo antigo priorizavam a “compra”greenbet gopessoasgreenbet godiferentes partes do mundo, por conta dos estereótipos sobre suas diversas características.

O acadêmico romano Varrão, que escreveu sobre a gestão da agricultura (Das Coisas do Campo, Ed. Unicamp, 2012), defendia que um escravizador não deveria ter muitas pessoas escravizadas da mesma nação ou que falassem o mesmo idioma, para evitar que eles pudessem se organizar e criar rebeliões.

A escravidão da Antiguidade ainda categorizava alguns gruposgreenbet gopessoas como “outros”, tratando-os como se fossem totalmente diferentes daqueles que os escravizaram.

O quadro da escravidão conhecido pela maioria dos norte-americanos foi profundamente moldado pelagreenbet goépoca, particularmente pelo capitalismo e pelo racismo moderno. Mas outras formasgreenbet goescravidão praticadas ao longo da história humana não eram menos “reais” do que aquela.

Compreender essas formas e suas causas pode nos ajudar a enfrentar a escravidão hojegreenbet godia e no futuro, especialmentegreenbet gouma épocagreenbet goque alguns políticos voltam a defender que a escravidão transatlântica, na verdade, teria beneficiado as pessoas escravizadas.

* Chance Bonar é pesquisadorgreenbet gopós-doutorado do Centrogreenbet goCiências Humanas da Universidade Tufts, nos Estados Unidos.

Este artigo foi publicado originalmente no sitegreenbet gonotícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão originalgreenbet goinglês.