De agrotóxicos a atropelamentos: os riscos à existência do tamanduá-bandeira no Cerrado:barr vbet screw

Crédito, Bettina Ávila

Legenda da foto, O tamanduá-bandeira, cujo nome científico é Myrmecophaga tridactyla, é uma espécie consideradabarr vbet screwriscobarr vbet screwextinção

Ou seja, os tamanduás estão sendo atropeladosbarr vbet screwum ritmo tão acelerado que isso está atrapalhando a reprodução da espécie.

Entre 2017 e 2020, pesquisadores do projeto Bandeiras e Rodovias, do Institutobarr vbet screwConservaçãobarr vbet screwAnimais Silvestres (ICAS), monitoraram 14% das rodovias asfaltadas do Mato Grosso do Sul.

No período, encontraram 761 carcaçasbarr vbet screwtamanduás. "Mas esse número é bastante subestimado", aponta Erica Naomi Saito, bióloga e especialistabarr vbet screwecologiabarr vbet screwtransportes do projeto.

"Ele só se refere a uma pequena parte das rodovias do Estado e a apenas tamanduás encontrados na pista ou no entorno. Muitos se arrastam e morrembarr vbet screwoutros locais, ou são comidos por outros animais antes dos pesquisadores chegarem."

O estudo estimou que os acidentes reduzembarr vbet screw50% a taxabarr vbet screwcrescimento da população da espécie, sendo uma das principais ameaças ao animal no Mato Grosso do Sul.

Crédito, Bettina Ávila

Legenda da foto, Os tamanduás-bandeira comem maisbarr vbet screw10 mil formigas por dia
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Embora o foco fosse o tamanduá, milharesbarr vbet screwcarcaçasbarr vbet screwoutros bichos típicos do Cerrado e do Pantanal foram encontradas nas estradas, como antas, capivaras e onças.

Nos três anos do monitoramento, foram registrados 12,4 mil animais mortosbarr vbet screwacidentes - 40% deles erambarr vbet screwgrande porte.

Segundo especialistasbarr vbet screwconservação, comobarr vbet screwvárias regiões do Estado sobreviveram apenas pequenos fragmentosbarr vbet screwvegetação preservada, os animais costumam atravessar as estradasbarr vbet screwbuscabarr vbet screwcomida e outros recursos.

No caso do tamanduá, que se movimenta lentamente, tem hábitos noturnos e enxerga mal, os acidentes se tornaram constantes.

"Esse é um problema crítico e crônico. E não só para a fauna, mas também para a segurança nas estradas. Há casosbarr vbet screwfamílias que morrerambarr vbet screwacidentes como esses. É um problema que afeta direta ou indiretamente cada umbarr vbet screwnós que usa as rodovias, que têm familiares, amigos ou funcionários usando essas estradas e que diariamente estão expostos ao risco", explica Saito.

Para a bióloga, se políticas públicas não forem implementadas para diminuir o númerobarr vbet screwacidentes, a tendência é que a situação fique pior, para humanos e animais.

"Por causa do agronegócio, o Mato Grosso do Sul está expandindobarr vbet screwmalha viária nos últimos anos. O que está acontecendo é uma tragédia, para humanos e animais. Todos temos direito a estradas mais seguras", diz.

Em uma parceria com o governo do MS, o projeto desenvolveu um manual com ideiasbarr vbet screwpolíticas públicas que poderiam diminuir os acidentes nas 142 rodovias estaduais, que totalizam 13,3 mil quilômetros - 8,5 mil deles ainda não pavimentados.

Entre as propostas estão o cercamentobarr vbet screwrodovias próximasbarr vbet screwáreas naturais, melhor sinalização, redutoresbarr vbet screwvelocidade e até "viadutosbarr vbet screwfauna" (estruturas com vegetação quem atravessam por cima das pistas para que os animais tenham por onde passar com segurança).

A BBC News Brasil procurou o governo do MS na manhã da última sexta-feira para comentar o assunto, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Crédito, Aurélio Gomes/Divulgação

Legenda da foto, A populaçãobarr vbet screwtamanduás-bandeira diminuiu 30% entre 2003 e 2013

Filhotes órfãos

O cenário é parecido no Triângulo Mineiro, oestebarr vbet screwMinas Gerais. A região com 66 municípios, uma das mais ricas do Estado, passou por forte expansãobarr vbet screwplantaçõesbarr vbet screwcommodities nas últimas décadas.

A ondabarr vbet screwmortesbarr vbet screwanimais silvestres nas estradas motivou a criação do TamanduASAS, uma parceria do Instituto Estadualbarr vbet screwFlorestasbarr vbet screwMinas Gerais (IEF) com o Ibama, universidades, ONGs e empresários.

Nos últimos sete anos, biólogos e veterinários do projeto estão recolhendo e tratando os filhotesbarr vbet screwtamanduá que sobrevivem aos atropelamentos.

Crédito, Bettina Ávila

Legenda da foto, Os veterinários e biólogos do projeto TamanduASAS resgatam e reabilitam tamanduás que sobrevivem aos acidentes nas estradas

"A mãe carrega um único filhote nas costas por vários meses. Alguns conseguem escapar dos acidentes, mas, como eles dependem muito da presença materna nos primeiros mesesbarr vbet screwvida, acabam morrendo depois", explica a veterinária Juliana Magnino, analista ambiental do IEF e uma das coordenadoras do projeto.

Magnino conta que recebe,barr vbet screwmédia, 16 filhotes órfãos anualmente, 90% deles envolvidosbarr vbet screwacidentes.

Alguns chegam machucados e com menosbarr vbet screwum quilo. Um tamanduá-bandeira adulto pode pesar até 45, e pode chegar a 2,4 metrosbarr vbet screwcomprimento.

A partir daí, os bichos passam por um processobarr vbet screwrecuperação e adaptação ao cativeiro, com exames, mamadeiras e até travesseiros usados como substitutos do colo materno.

Eles são novamente inseridos na natureza quando já estão autossuficientes, com cercabarr vbet screwum ano e meio.

Crédito, Bettina Ávila

Legenda da foto, Depois da recuperação, eles são soltosbarr vbet screwReservas Particularbarr vbet screwPatrimônio Natural (RPPN)

"Nós apanhamos muito até desenvolver um métodobarr vbet screwrecuperação e readaptação à vida livre na natureza. Foi preciso entender o comportamento deles. O que fazemos é dar uma segunda chancebarr vbet screwvida", diz a veterinária.

Porém, a vida livrebarr vbet screwum tamanduá-bandeira é cheiabarr vbet screwdesafiosbarr vbet screwuma região ocupada por fazendasbarr vbet screwprodução agropecuária.

Depois da recuperação, eles são soltosbarr vbet screwReservas Particularbarr vbet screwPatrimônio Natural (RPPN), que são áreas privadasbarr vbet screwpreservação do Cerrado, normalmente mantidas por empresários.

Esses pequenos fragmentosbarr vbet screwvegetação nativa são vizinhosbarr vbet screwfazendasbarr vbet screwproduçãobarr vbet screwcommodities.

E os animais obviamente não respeitam os limites entre propriedades quando estão procurando alimento - um tamanduá come por voltabarr vbet screw10 mil formigas por dia, alémbarr vbet screwmilharesbarr vbet screwcupins.

Crédito, Bettina Ávila

Legenda da foto, Projeto precisou entender o comportamento dos animais

Por alguns meses, os cientistas do TamanduASAS monitoram os tamanduás soltos por meiobarr vbet screwGPS. E isso ajudou a entender outros riscos aos quais a espécie está atualmente submetida.

"A gente percebeu que alguns dos nossos filhotes depois morriam por diversos problemas, como doenças típicasbarr vbet screwcachorros e gatos, caçados por cães que vivem nas fazendas e até por afogamentobarr vbet screwuma piscina abandonada", explica.

No ano passado, os biólogos do projeto encontraram um tamanduá mortobarr vbet screwuma fazendabarr vbet screwplantaçãobarr vbet screwsojabarr vbet screwUberlândia.

Ao lado do corpo, "havia galõesbarr vbet screwagrotóxicos vazios que tinham sido descartados indevidamente", segundo um relato dos pesquisadores publicado pela Abravas (Associação Brasileirabarr vbet screwVeterináriosbarr vbet screwAnimais Selvagens).

No mesmo ano, outro animal monitorado foi encontrado morto na região.

A biópsia constatou que os dois se intoxicaram com organofosforado, um dos agrotóxicos mais utilizadosbarr vbet screwlavouras do Brasil.

Ainda não se sabe como os tamanduás se intoxicaram com o pesticida, mas, segundo Juliana Magnino, eles podem ter comido algo contaminado com o pesticida.

"Ou eles podem ter aspirado terra contaminada. Quando eles procuram alimentos, fuçam, cheiram tudo, e acabam ingerindo outras coisas. Eles podem ter ingerido essa terra com organofosforados", diz.

Para Fábiobarr vbet screwSalles Meirelles Filho, presidente da comarcabarr vbet screwMinas Gerais da Associação Brasileirabarr vbet screwProdutoresbarr vbet screwSoja (Aprosoja-MG), a morte dos tamanduás pode ter sido um acidente.

"O organofosforado não é utilizado para cupins, e sim para lagartos. Eu nunca tinha ouvido falarbarr vbet screwtamanduás morrendo por causa disso. Então, com certeza foi um acidente, ou um erro no uso do produto", afirma.

Os dois tamanduás, que haviam sido resgatados da estrada e retornado à natureza, se chamavam Cláudio e Larry.

Crédito, Bettina Ávila

Legenda da foto, Veterinários e biólogos do projeto TamanduaASAS

Desmatamento do Cerrado

Outro fator apontado como causa do declínio da espécie é o desmatamento do Cerrado, principal habitat do animal, alémbarr vbet screwser considerada a savana mais biodiversa do mundo, com 14 mil espéciesbarr vbet screwplantas.

Com a perdabarr vbet screwespaço, vegetação e biodiversidade, o tamanduá tem menos recursos para se alimentar e se reproduzir. Também há relatosbarr vbet screwmortesbarr vbet screwqueimadas.

Em 2022, o desmatamento do Cerrado cresceu 20%barr vbet screwrelação ao ano anterior, segundo o Sistemabarr vbet screwAlertabarr vbet screwDesmatamento do Cerrado, uma ferramenta desenvolvida pelo Institutobarr vbet screwPesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)barr vbet screwparceria com a Universidade Federalbarr vbet screwGoiás e com o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no país.

No total, foram perdidos 815,5 mil hectaresbarr vbet screwvegetação nativa no ano passado.

De acordo com o MapBiomas, 45,4% do Cerrado já foi destruído para dar lugar à agropecuária, principalmente o cultivobarr vbet screwsoja e milho.

Já Meirelles Filho, da Aprosoja-MG, afirma que o desmatamento ilegal é "combatido e denunciado" pela entidade. "Nós, como produtores, respeitamos o Código Florestal, que permite o desmatamentobarr vbet screw50% da área (particular) e a preservação do restante. Se você abrir mais do que isso você responde criminalmente", diz.

Segundo ele, essas áreas preservadas legalmentebarr vbet screwMinas Gerais estão ajudando a conservar as espécies típicas do Cerrado.

"Temos visto nas nossas fazendas um aumento do númerobarr vbet screwcapivaras,barr vbet screwcodornas, lobos-guarás e tamanduás. Agora, além do atropelamento, um dos maiores problemas para a fauna é o javali, que se espalhou pelo Brasil e hoje é o predadorbarr vbet screwvárias espécies, inclusive onças", diz.

Desde os anos 1980, os javalis se tornaram um problema para a biodiversidade, se reproduzindo rapidamente e invadindo áreas naturais para se alimentarbarr vbet screwdiversas espécies - hoje, o javali é único animal cuja caça é permitida no Brasil. Porém, não há dados científicos robustos sobre como eles afetam a populaçãobarr vbet screwtamanduás.

Crédito, Victor Castro

Legenda da foto, A veterinária Juliana Magnino com Heather e seu filhote

Boa notícia

Apesar do cenário desanimador, nem todas as notícias são ruins para a populaçãobarr vbet screwtamanduás-bandeira.

No finalbarr vbet screwdezembro do ano passado, um dos animais resgatados pelo TamanduASASbarr vbet screwMinas Gerais reapareceu meses depoisbarr vbet screwser solta na natureza.

Heather, que ficou órfã depoisbarr vbet screwsua mãe ser atropelada, chegou ao projetobarr vbet screwjulhobarr vbet screw2020. Tinha apenas dois quilos, e poucos mesesbarr vbet screwvida. Dois anos depois, foi libertadabarr vbet screwuma reserva particular.

"Ela nem estava mais sendo monitorada. Mas um dia ela voltou para a área do projeto, e estava com um filhote nas costas. Foi nosso primeiro casobarr vbet screwreprodução. É nossa gotabarr vbet screwesperança", diz a veterinária Juliana Magnino.

Crédito, Bettina Ávila

Legenda da foto, Heather, que sobreviveu a um acidente, deu à luz a um filhote no ano passado