Como bacalhau virou prato típico da Sexta-Feira Santa:casino online stake

Crédito, Getty Images

“Quando o assunto é o ‘não se pode comer tal coisa’ e ‘é permitido consumir tais produtos’, a regra não é tanto baseada na questão econômica”, explica à reportagem o historiador André Leonardo Chevitarese, professor titular do Institutocasino online stakeHistória da Universidade Federal do Riocasino online stakeJaneiro (UFRJ) e autor do livro ‘Jesuscasino online stakeNazaré: O Que a História Tem a Dizer sobre Ele’, entre outros. “E o caso do bacalhau tem a ver com a colonização portuguesa.”

“A chave para pensar essa questão, se não é econômica, tem a ver com a questão religiosa. Por isso é tão tensa essa questão. Nem todo cristão faz jejum ou abre mãocasino online stakecomer carne vermelha durante a Semana Santa. O que leva alguém a consumir ou não carne vermelha diz respeito a olhares, formascasino online stakese ler teologicamente o que vem a ser o sacrifíciocasino online stakeJesus na cruz”, completa ele.

É por isso que a abstinênciacasino online stakecarne suscita comentários que vão desde o “a Igreja Católica proibiu sem base bíblica” aos que defendem que regulamentações oriundascasino online stakedocumentos ou da tradição católica estariam, sim, ancoradas pelos ensinamentos dos livros sagrados, como contextualiza Chevitarese,casino online stake“simbologias teológicas do ato do sacrifíciocasino online stakeJesus”.

“Ou seja: eu não discutiria questões econômicas, mas pensariacasino online stakesimbologias”, conclui ele.

E aí há algumas questões que precisam ser levadascasino online stakeconta: a prática do jejum, o simbolismo do peixe, o prazercasino online stakecomer carne vermelha e, por fim, a disseminação do bacalhau no mundo lusitano.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Prática foi influenciada pelos portugueses

Jejum

Pule Novo podcast investigativo: A Raposa e continue lendo
Novo podcast investigativo: A Raposa

Uma toneladacasino online stakecocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês

Episódios

Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa

“Tudo começa, na verdade, com o jejum”, afirma à BBC News Brasil a vaticanista Mirticeli Medeiros, pesquisadoracasino online stakehistória do catolicismo na Pontifícia Universidade Gregorianacasino online stakeRoma. “Desde os primeiros séculos do cristianismo tal prática é observada, mas sem focarcasino online stakeum alimento específico. Até porque, na era primitiva do cristianismo, havia essa preocupaçãocasino online stakeromper com as práticas judaicascasino online stakealguns aspectos, embora a influência, do pontocasino online stakevista cultural, fosse mais que evidente. É na Idade Média que se começa a desenhar tal preceito.”

Chevitarese ressalta que desde os primeiros cristãos já havia uma reflexão sobre “pensar o sacrifíciocasino online stakeJesus” experimentando alguma formacasino online stakeabstinência.

“A ideiacasino online stakejejuar,casino online staketer uma ascese, representaria, sob muitos aspectos, uma austeridade, um autocontrole diante dos prazeres humanos, semprecasino online stakedimensão ao sacrifício feito por Jesus na cruz”, pontua.

O historiador, teólogo e filósofo Gerson Leitecasino online stakeMoraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que essa ideiacasino online stakejejum, no catolicismo, está ligada ao sacramento da penitência, ou seja, um sacrifício feito para a remissão dos pecados. “No catolicismo, é um conceito que trabalhacasino online stakemodo muito forte com a ideiacasino online stakereconciliação.”

Ora, a quaresma é, por assim dizer, o momento perfeito para a ocorrência dessa experiência religiosa. “Porque é um períodocasino online stakeperdão,casino online stakereconstrução. E é dentro dessa lógica toda que aparece a abstinência da carne, como um símbolo dessa vida que pede para ser reconciliada”, acrescenta Moraes.

Afinal, a simbologia está na narrativa: a quaresma é o percurso que resulta na Páscoa. E a Páscoa, a festa da ressurreição, seria o ápice dessa históriacasino online stakerenovação, essa possibilidadecasino online stakeque cada um se torne um novo ser humano.

Moraes aponta que essa práticacasino online stakeabstinência não costuma ser seguida por cristãos protestantes, evangélicos oucasino online stakeoutras denominações. Segundo ele, a raiz dessa diferença está justamente na questão dos sacramentos — se para os católicos, são sete, incluindo a penitência ou arrependimento dos pecados, protestantes têm apenas dois: batismo e eucaristia.

Peixe

Mas se a ideia é jejuar, por que o peixe seria permitido?

São muitas as explicações que, somadas, resultam numa unânime permissão. Em primeiro lugar, é preciso lembrar como peixes eram importantes no contexto do Jesus histórico, ou seja, no dia a dia daquelas comunidades do Oriente Médiocasino online stakecercacasino online stake2 mil anos atrás.

Não à toa, os primeiros seguidorescasino online stakeJesus são apresentados, nos evangelhos, como pescadores. “Ele tinha entre os discípulos, pescadores. É lógico que o peixe é um alimento importante na cultura judaica. Mas não há uma relação explícita, direta, [disso com a ideia da troca da carne pelo peixe]”, diz Moraes.

O que há, lembra Chevitarese, é uma questão ortográfica. Peixe, no grego antigo, era ichthys. Os cristãos primitivos, naqueles temposcasino online stakeque eram perseguidos porcasino online stakefé, decidiram usar o peixe como símbolo atribuindo à palavra um acrônimo: Iesous Christos Theou Yios Soter, que significa Jesus Cristo, Filhocasino online stakeDeus, Salvador.

“Assim, o consumo do peixe também passa por um conjuntocasino online stakesimbolismos, na experiência, na prática cotidianacasino online stakemuitos cristãos”, argumenta o historiador. “As letras que compõem a palavra ichthys formam o sentido que está muito relacionado ao cristianismo”, afirma. “Este peixe é, por si só, simbolicamente algo que se remete a Jesus como salvador.”

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Para muitas famílias, na Sexta-Feira Santa, o protagonista à mesa costuma ser o bacalhau

Carne vermelha

OK, havia a prática do jejum, já disseminada. E havia o hábito do peixe, acrescido da simbologia toda. Mas qual o problema com a carne vermelha, afinal?

A teoria mesmo veio apenas no século 13, graças ao filósofo, teólogo e frade italiano São Tomáscasino online stakeAquino (1225-1274), um dos grandes pensadores do mundo medieval.

“Quando ele prescreveu uma orientação aos fiéis a respeito do jejum, apontou a carne como um dos alimentos mais prazerosos, juntamente com os laticínios”, conta Medeiros. “Fez isso porque o jejum era concebido como o atocasino online stakese abstercasino online stakealgo que mais se gostava, não necessariamente privar-secasino online stakecarne. Mas a carne,casino online stakesi, por satisfazer o prazer do paladar, estava muito associada à luxúria, aos pecados sexuais, comumente chamadoscasino online stake‘pecados da carne’.”

“A teologia [da abstinênciacasino online stakecarne vermelha] foi trazida por Tomáscasino online stakeAquino”, concorda Chevitarese.

Medeiros atenta para a recorrênciacasino online stakeexemplos que confirmam essa ideia. Por exemplo, a regracasino online stakeSão Bento, documento atribuído ao monge São Bentocasino online stakeNúrsia (480-547) e que rege a ordem beneditina. “Exigia que os monges só comessem carnecasino online stakecasocasino online stakenecessidade extrema ou por questãocasino online stakesaúde”, afirma a estudiosa do catolicismo.

Ela conta que o tema foi muito debatidocasino online stakesínodos da Igreja ao longocasino online stakeséculos. “Foi colocadocasino online stakequestão, inclusive, se a carne moída e o presunto poderiam ser consumidos no lugar da carne [em si] porque, uma vez triturados, teriam perdido suas propriedades ‘carnosas’”, exemplifica Medeiros.

“Por fim, na Idade Média, os fiéis observavam o chamado ‘jejum magro’, que previa a abstinênciacasino online stakecarnecasino online stakevárias épocas do ano, incluindo na sexta-feira”, conta a pesquisadora. A regra atual constacasino online stakedois documentos do Vaticano: o Códigocasino online stakeDireito Canônicocasino online stake1917 e a Constituiçãocasino online stake1966, do papa Paulo VI (1897-1978).

Não são poucos os artifícios retóricos que buscam explicar a diferença entre carnescasino online stakediversos bichos,casino online stakemodo a autorizar o consumo do peixe e proibir ocasino online stakeoutros animais, por exemplo. “Há o elemento do peixe como uma carne cujo sangue é frio,casino online stakedetrimento ao sangue quente da carne vermelha dos bovinos e do frango”, comenta Chevitarese.

As nuances não são muito claras tampouco na horacasino online stakedefinir o que é um peixe ou não. Nesse sentido, a religião não necessariamente bebe nas fontes da ciência. “Na tradição judaica, o peixe seria o animal que tem escama e barbatana. Embora consideremos peixes muitos outros animais marinhos que não necessariamente tenham escama e barbatana”, explica o historiador.

Ele relata que já se deparou com entendimentos bastante afrontosos ao conhecimento taxonômico. “Por exemplo,casino online stakeNova Orleans [nos Estados Unidos] houve um bispo que disse que jacaré deve ser considerado um peixe. Então os católicoscasino online stakelá podem comer carnecasino online stakejacaré na Sexta-Feira Santa”, conta. “Tem culturas que encaram a capivara como peixes, então católicos podem comer capivara na quaresma. Ecasino online stakeQuebec [no Canadá], um bispo disse que castores também são peixes…”

“Então, a regra varia muito sobre o que é peixe (no âmbito religioso), como definir o que é peixe…”, acrescenta ele. “Há muitas brechas.”

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'Por ser considerado um peixecasino online stakelonga conservação, muitos fiéis o consumiam durante toda a quaresma', diz Medeiros sobre o bacalhau

Bacalhau

“Não há nenhuma prescrição da Igreja sobre o uso do bacalhau”, frisa Medeiros. Ela vai direto ao ponto: a tradição pegou no Brasil “simplesmente porque fomos influenciados pelos costumes portugueses”. Ora, pois…

“Eles trouxeram a iguaria para cá no século 19. Por ser considerado um peixecasino online stakelonga conservação, muitos fiéis o consumiam durante toda a quaresma”, acrescenta ela.

Aí parece estar o pulo do gato — ou o salto do peixe. Em tempos anteriores à invenção da geladeira, sobretudocasino online stakeque a quaresma ocorre no verão, como o Brasil, era preciso facilitar essa ideiacasino online stakecomer peixe.

Como o bacalhau costuma ser curado,casino online stakeum processo com adiçãocasino online stakesal e desidratação, ele é um produto que pode ser conservado por mais tempo sem refrigeração. Em resumo: não foi por fé no bacalhau, foi por puro pragmatismo.

O historiador Chevitarese explica que o consumo do bacalhau foi trazido ao Brasil com a chegada da corte portuguesa ao Riocasino online stakeJaneirocasino online stake1808. Aos poucos, a iguaria começou a estar disponível nos famosos empórioscasino online stakesecos e molhados.

“A lógica da penitência impõe ao fiel que ele obedeça,casino online stakelivre e espontânea vontade, a um momento penitencial importante”, enfatiza Moraes. “A Páscoa é uma excelente oportunidade para isso. Na Sexta-Feira Santa, então, o sujeito faz essa substituição [da carne pelo bacalhau], que é uma coisa histórica, tradicional.”

“Somos um país criado sob a influência do catolicismo, então essa observância dos fiéis católicos vem desde a época da colonização e é algo muito evidente, ancorado pela orientação dos padres daqui. E o peixe [o bacalhau] apareceu como uma tradição da própria corte portuguesa”, diz ele.

O teólogo sintetiza: se o ritual da abstinência veio com a colonização, a prática se acentuou com a chegada da corte portuguesa ao Rio.

“Então o bacalhau, com praticidadecasino online stakealgo que fazia parte da culinária portuguesa e não se estragava com facilidade, foi inserido. E aquilo foi sendo ressignificado ao longo do tempo”, comenta.

Sim, porque com todos os ingredientes, é a horacasino online stakelembrar da frase bíblica que apregoa que as coisascasino online stakeDeus devem ser deixadas a Deus e as coisascasino online stakeCésar, a César. Porque o deus mercado é capazcasino online stakefazer perpetuar as mais diversas tradições inventadas…

“O consumo do bacalhau, trazido pela corte, caiu no gosto do brasileiro. Vivemos num modocasino online stakeprodução capitalista e quando algo cai no gosto da prática mercantilista comercial, tudo vira mercadoria: tem gente que vende e gente que consome”, reflete Moraes. “Então está aí: ficou sendo uma prática muito explorada até hoje. E os vendedorescasino online stakepeixe agradecem.”