De câncer a gripe, as doenças na mirabetsul futebolnovas vacinasbetsul futebolmRNA após covid:betsul futebol

Mão segurando ampolabetsul futebolvacina

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Vacinasbetsul futebolmRNA surgiram na busca por combater o câncer, mas foram adaptadas a doenças infecciosas

Mas, para chegarmos a esses detalhes, é preciso antes entender um dos processos mais fundamentais da nossa própria biologia.

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Mini-impressoras dentrobetsul futebolnós

Com exceçãobetsul futebolóvulos e espermatozoides, todas as células do nosso corpo carregam dentro do núcleo o genoma completo, o DNA.

Nesse conjuntobetsul futebolcromossomos, estão "escritas" muitas das informações que definem os processos orgânicos, as características físicas e a propensão a determinadas doençasbetsul futebolcada umbetsul futebolnós.

Mas o DNA sozinho não faz nada: quando ele precisa enviar algum comando à célula, essa fitabetsul futeboldupla hélice gera uma cópia simplesbetsul futeboldeterminado trecho do código genético.

Esse "xerox" genético vem numa fita simples e é o que conhecemos como RNA mensageiro, ou mRNA.

Esse material então sai do núcleo e viaja até os ribossomos, no citoplasma da célula. Essa estrutura lê a "receita" genética do mRNA e fabrica uma proteína específica relacionada àquele comando escrito no DNA.

Desde que esse mecanismo foi conhecido, a partir dos anos 1960, os cientistas começaram a se perguntar: será que é possível aproveitar essas "mini-impressoras" que carregamos dentro das células para produzir proteínas específicas?

O objetivo era que essas proteínas tivessem algum fim terapêutico, e pudessem servir para gerar uma resposta do sistema imunológico — o que permitiria combater o crescimentobetsul futebolum tumor ou a invasãobetsul futebolum vírus mortal, por exemplo.

O mRNA (fita amarela e azul) viaja até o ribossomo (roxo e azul, no centro da imagem), que produz uma proteína (vermelho)

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Legenda da foto, O mRNA (fita amarela e azul) viaja até o ribossomo (roxo e azul, no centro da imagem), que produz uma proteína (vermelho)

Pedras pelo caminho

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Mas é claro que a ideia não funcionou logobetsul futebolcara. A principal barreira a ser superada tinha a ver com o fatobetsul futebolo mRNA ser uma molécula muito frágil — como se trata apenasbetsul futeboluma mensageira, ela logo se degrada no organismo.

Nos primeiros experimentos, os mRNAs sintetizadosbetsul futebollaboratório sequer conseguiam chegar perto das células. Eles estragavam pelo caminho, antesbetsul futebolcumprir a missão para o qual foram projetados.

Além disso, esses compostos se mostraram altamente inflamatórios. Eles geraram uma reação imunológica forte, que colocavabetsul futebolrisco o próprio uso desse princípio na medicina.

Essas dificuldades foram superadas graças a dois trabalhos distintos. O primeiro deles, comandado pelo médico americano Drew Weissman e pela bioquímica húngara Katalin Karikó, descobriu que algumas modificações básicas na estrutura do mRNA poderiam deixá-lo menos inflamatório.

O segundo, que envolveu vários gruposbetsul futebolpesquisa, como o comandado pelo bioquímico canadense Pieter Cullis, descobriu que "embrulhar" a fitabetsul futebolmRNA numa nanopartículabetsul futebollipídios (ou gordura) é uma forma eficazbetsul futebolprotegê-lo da degradação. Assim, essa molécula pode ser injetada, viajar pelo organismo e chegar às células onde cumprirá a função para a qual foi projetada.

"Com essas modificações, a ciência estava diantebetsul futeboluma ferramenta potente e poderosa", diz o biomédico Joel Rurik, que estuda essa tecnologia na Escolabetsul futebolMedicina Perelman da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

"Trabalhar com o mRNA é algo relativamente simples e rápido. Basta fazer o download da sequência genética no computador e pedir para uma bioimpressora imprimir este material. Você consegue produzir toneladas dele sem a necessidadebetsul futebolusar uma única célula", complementa o cientista, que participou recentemente do Simpósio Internacionalbetsul futebolImunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz/Bio-Manguinhos, no Riobetsul futebolJaneiro.

"Falamos, portanto,betsul futeboluma estratégia custo-efetiva, estável, com facilidadebetsul futeboldistribuição e que pode ser usadabetsul futebolforma mais ampla ou fácil que muitas ferramentas terapêuticas oubetsul futebolengenharia imunológica", resume.

Drew Weissman e Katalin Karikó

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Legenda da foto, Drew Weissman (à esquerda) e Katalin Karikó (à direita) foram dois dos pioneiros nas vacinasbetsul futebolmRNA

'Estreia' antecipada

Ainda que os testes clínicos com as primeiras vacinasbetsul futebolmRNA tenham começado no início dos anos 2000, a comunidade científica esperava que as primeiras versões comercialmente disponíveis, aprovadas pelas agências regulatórias, só chegassem ao mercadobetsul futebolmeadosbetsul futebol2025.

Até que veio a covid-19 e tudo mudou. A emergência da pior pandemiabetsul futebolum século exigiu que muitos especialistas mudassem os planos e começassem a estudar um vírus absolutamente novo: o Sars-CoV-2.

Assim que o sequenciamento genético do causador da covid foi concluído, aindabetsul futeboljaneirobetsul futebol2020, os grupos que já trabalhavam com imunizantesbetsul futebolmRNA para outros patógenos (como o vírus sincicial respiratório) direcionaram os esforços para o novo coronavírus.

Em março daquele mesmo ano, os primeiros estudos clínicos dessas vacinas começaram a acontecer. Dez meses depois,betsul futeboldezembro, a Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória dos EUA, aprovou os dois produtos com a tecnologia mRNA desenvolvidos e testados pelas farmacêuticas Moderna e Pfizer/BioNTech.

Pouco depois, eles também foram liberadosbetsul futeboloutras partes do mundo — no Brasil, a Agência Nacionalbetsul futebolVigilância Sanitária (Anvisa) deu sinal verde para o uso do imunizante da Pfizerbetsul futebol23betsul futebolfevereirobetsul futebol2021.

Essa foi a primeira vez na história que uma vacinabetsul futebolmRNA chegou ao braço das pessoas fora do ambiente das pesquisas científicas.

Ela se baseia naquele princípio explicado no início desta reportagem: cada dose do produto traz uma fitabetsul futebolRNA mensageiro (mRNA), que instrui as células do nosso próprio organismo a fabricar a proteína S (de Spike, ou espículabetsul futebolportuguês) presente na superfície do coronavírus.

A partir daí, o sistema imunológico reconhece esse material e gera uma resposta, capazbetsul futebolproteger caso o agente infecciosobetsul futebolverdade tente invadir o corpo.

Pessoa sendo vacinada

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Legenda da foto, As vacinasbetsul futebolmRNA chegaram à populaçãobetsul futeboltempo recorde durante a pandemiabetsul futebolcovid-19

O que vem por aí

De acordo com a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federalbetsul futebolCiências da Saúdebetsul futebolPorto Alegre, no Rio Grande do Sul, o próximo "passo natural" para o mRNA é que ele seja usado para desenvolver vacinas contra outras doenças infecciosas.

Inclusive, laboratórios já estão realizando testesbetsul futebolimunizantes contra todos os tiposbetsul futebolcoronavírus, o influenza, o zika, o chikungunya, a dengue, a malária, o HIV…

Segundo o ClinicalTrials.Gov, site que registra todos os testes clínicosbetsul futebolandamento nos Estados Unidos, existem atualmente 807 estudos do tipobetsul futebolandamento que avaliam algum aspecto dessa plataforma tecnológica.

"O fator que pode limitar ou acelerar esses trabalhos é justamente o dinheiro. Com investimento, é possível fazer as conexões entre os especialistas e resolver muitos dos problemasbetsul futebolsaúde mais complexos", complementa ela.

Rurik concorda e classifica esse campo da ciência como "empolgante".

"As vacinasbetsul futebolmRNA usadas contra a covid-19 lançaram um enorme holofote na área. Com isso, vieram os investimentos privados e os programas governamentaisbetsul futebolincentivo", contextualiza.

O próprio trabalho do biomédico é um exemplo disso. Nos últimos anos, ele investiga se o mRNA pode servir como uma ferramenta para que as célulasbetsul futeboldefesa reconheçam e destruam fibroblastos "doentes" no coração.

Os fibroblastos são um tipobetsul futebolcélula que forma a estrutura do músculo cardíaco. Quando essas unidades apresentam algum tipobetsul futeboldefeito, isso pode representar a origembetsul futeboluma doença crônica (como a insuficiência cardíaca) ou aguda (como o infarto).

"Treinar" as células imunológicas para identificar os fibroblastos defeituosos, portanto, pode se tornar, no futuro, um caminho para prevenir as condições que afetam o coração.

Ainda no mundo da cardiologia, outros grupos trabalham com o mRNA como uma formabetsul futebolbaixar o LDL, o colesterol ruim. Essa molécula está diretamente relacionada com uma sériebetsul futeboldesfechos perigosos, como o próprio infarto e o Acidente Vascular Cerebral (AVC).

Isso porque algumas pessoas possuem um gene que faz elas expressarem demais uma proteína chamada PCSK9, o que leva o colesterol às alturas. Inibir essa fabricação excessiva por meio do mRNA poderia ser um caminho para lidarbetsul futebolforma definitiva com esse fatorbetsul futebolrisco para tantas doenças cardiovasculares.

Cientista trabalhando no laboratório

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Legenda da foto, O mRNA é testado para uma sériebetsul futeboloutras doenças além das infecciosas

E o câncer?

Aos poucos, a tecnologia do mRNA volta às suas origens: as pesquisas sobre o uso dessas vacinas contra tumores começaram a ganhar mais fôlego nos últimos meses.

"O câncer é uma fontebetsul futebolmuitas mutações genéticas. Além disso, ele tem a característicabetsul futebolproduzir certas moléculas capazesbetsul futebolsuprimir o sistema imunológico", contextualiza Bonorino.

Em outras palavras, as células cancerosas são capazesbetsul futebolproduzir determinadas substâncias que bloqueiam a imunidade. Com isso, as unidadesbetsul futeboldefesa não reconhecem a ameaça — e o tumor cresce no corpo sem encontrar resistência.

Já existem atualmente tratamentos que tiram essa "venda" das unidadesbetsul futeboldefesa e permitem que o próprio sistema imunológico passe a atacar o câncer. Esse grupobetsul futebolfármacos é conhecido como imunoterapia, e está disponível contra o melanoma e outros tipos da doença.

Mas e se fosse possível aplicar uma vacinabetsul futebolmRNA para que o organismo do paciente identificasse certas mutações tumorais mais comuns? Ou ainda criar um produto farmacêutico totalmente personalizado, baseado nas alterações genéticas que aparecembetsul futebolcada indivíduo com câncer?

"Além disso, um dos grandes sonhos da oncologia sempre foi desenvolver uma espéciebetsul futebol‘memória imunológica’ contra o câncer,betsul futebolmodo que o sistema imune saiba quando o tumor retornou ou está se espalhando para outros tecidos", acrescenta a imunologista.

Todas essas possibilidades estão sendo testadas agora por gruposbetsul futebolpesquisas e farmacêuticas.

O passo concreto mais recente do mRNA contra o câncer foi anunciado pelos laboratórios Moderna e MSD: uma vacina experimental contra o melanoma foi capazbetsul futeboldiminuir o riscobetsul futebolmortebetsul futebol44% quando associado à imunoterapia.

Vale ponderar, no entanto, que o produto ainda estábetsul futeboldesenvolvimento e precisa passar por novas etapasbetsul futebolestudo antesbetsul futebolchegar às clínicas e aos hospitais.

Fitabetsul futebolmRNA

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Legenda da foto, As fitasbetsul futebolmRNA, como as retratadas na ilustração, são produzidas pelas nossas células — e servirambetsul futebolbase para o desenvolvimentobetsul futebolnovas tecnologias

Muito além do câncer

Por fim, Rurik aponta que o mRNA não é mais uma plataforma exclusiva para doenças infecciosas, cardíacas ou oncológicas.

"Também já vemos estudosbetsul futebolandamento para tratar lúpus e outras doenças autoimunes", exemplifica.

Mas, para que isso realmente aconteça, os cientistas precisarão ainda trabalhar bastante para provar a segurança e a eficáciabetsul futeboltantas novidades.

O principal desafio será demonstrar que todas essas terapias não geram problemas no sistema imunológico ou prejudicam o funcionamentobetsul futebolórgãos vitais, como o fígado.

"Mas é inegável que há muita coisa acontecendo agora com o mRNA, e tenho certeza que ideias ‘malucas’, que imaginávamos impossíveis, virarão realidade nos próximos cinco anos", acredita o biomédico.